sexta-feira, 10 de abril de 2015

"Coisas estranhas" numa noite que se chamou... Moura!

O director de corrida Pedro Reinhardt foi também um dos grandes triunfadores
da primeira nocturna da temporada do Campo Pequeno. Indiferente às "pressões",
esteve sereno e digno, impondo seriedade e respeito numa praça que é das
primeiras do mundo e não propriamente um pátio das cantigas... Esteve
assessorado ontem pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva (à esquerda,
na foto) e o cornetim foi Nuno Narciso
Ventura, Fernandes e Moura Jr: com três toureiros deste calibre, a noite de ontem
tinha que ter sido outra...
Brilhante no seu primeiro, João Moura Jr. chegou ao intervalo como triunfador
da primeira parte... e repetiu a dose na segunda!
Três ferros de parar corações no último toiro da noite marcaram a diferença e
demonstraram a atitude de João Moura Jr. numa noite que foi sua
Rui Fernandes esteve com raça e com valor, mas sem "explodir" como se impunha
Ventura teve rasgos de genialidade e até toureou com um casaco (os puritanos
assobiaram...) na sua primeira lide, frente ao pior toiro da corrida, que "se rachou"
a meio e depressa acabou com a festa...
O quinto toiro era fantástico, era bravo, investida de todo o lado... mas Ventura
não esteve lá...



Miguel Alvarenga - A expectativa era imensa e quando assim acontece, a desilusão é maior. A corrida de abertura da temporada, ontem no Campo Pequeno, ficou demasiado aquém do que se esperava - e se exigia. Houve dois toiros bons de Pinto Barreiros, o último, lidado já tarde e a más horas por Moura Jr. e o penúltimo, que Ventura quase não quis ver e foi tão fantástico e tão bravo como o sexto, houve dois menos apresentáveis numa arena como a de Lisboa, a primeira do país, e houve, estranho, não é?, toiros com comportamentos suspeitos, quedas na arena e desistência da luta, caso do segundo, que foi o primeiro de Ventura (que coincidência azarada...) e que acabou por ser degradantemente laçado e empurrado para dentro por um bandarilheiro, depois de por três ocasiões se ter escusado aos cites do valente Vasco Pinto, encostado às tábuas, daqui não saio, daqui ninguém me tira, querem-me pegar, mas eu não deixo, nem percebi bem se o toiro terá perdido a visão no final da lide e deixou de ver o forcado mesmo ali à sua frente, cala-te boca, que ainda nos metemos todos numa alhada... O toiro não tinha nome, era o único sem nome e dizem que terá morrido nos currais do Campo Pequeno. Verdade?
Custa-me a acreditar que ainda ninguém tenha entendido (será mesmo ou serei eu que me estou a transformar num "Velho do Restelo"?...) que o toiro (ainda) é o elemento primordial deste espectáculo, que por alguma razão continua a ser denominado como "corrida de toiros", e que quando não há toiro - ou porque não há mesmo ou porque quaisquer outros estranhos motivos (investigue-se!) o fazem deixar de haver e, meus amigos, penso que para bom entendedor, meia suspeita basta... - por mais que se esfarrapem os toureiros, tudo isto perde emoção, perde glamour, perde a essência por que existe. O espectáculo tauromáquico, em tempos que já lá vão, era outra coisa - não isto.
O Parque Mayer não fechou por obra e graça dos políticos, como muitos insistem em sustentar. O Parque Mayer fechou porque o público se desinteressou de ir à revista. A Tauromaquia nunca fechará, como tantas vaticinam, por artimanhas dos anti-taurinos, há-de fechar um dia pela saturação dos que ainda resistem e insistem em ser aficionados, em comprar bilhete e ir às praças para depois sairem desiludidos e a rogarem pragas por não terem ficado descansadinhos em casa.
Estavam ontem em praça três cavaleiros de "outra galáxia" e seis toiros de uma ganadaria acima de qualquer suspeita. A empresa esforçou-se por agradar na abertura de uma temporada montada com rigor e grande esplendor. Mas a realidade é que as coisas funcionaram ao contrário.
João Moura Júnior foi ontem o toureiro mais aplaudido e aquele que maior impacto causou no público, sobretudo em três grandes ferros de parar corações no último toiro. Viu-se um toureiro moralizado, com sede de triunfo e de marcar posição, a caminhar em força pela escadaria que o vai levar ao topo e o vai consagrar como primeiríssima figura do momento. Mesmo assim, impunha-se que tivesse estado muito melhor. Pecou por demasiadas entradas em falso e por ferros que foram colocados em quarteios muito abertos e mais longe do toiro do que as regras obrigam, um chegou mesmo a ficar no chão, porque o toiro já não estava lá. Mas não restam dúvidas de que, pese embora essas falhas, esteve em plano de figura e a demonstrar que vai mesmo marcar a diferença.
Teve os melhores toiros, é verdade - e, não queria dizer tanto, se calhar também é estranho... - mas a sorte costuma bafejar os audazes e não se pode justificar que isso tenha sido a razão única do seu triunfo. Não foi, não senhor. A razão chama-se João Moura
Mourinha enfrentou dois toiros de distintos comportamentos, entendeu-os, pisou terrenos de compromisso, pôs a carne no assador, arriscou, porfiou, arrimou-se, esteve ali com atitude e com rasgos de ousada ambição, realizou duas lides bem estruturadas e que o distinguiram dos demais, ontem em Lisboa. Resumindo e concluindo, chegou e disse "aqui quem manda sou eu!" - e foi mesmo. Fez lembrar os tempos de oiro de seu Pai e houve uma coisa importante, trouxe de volta a antiga paixão mourista, o público levantou-se, aplaudiu forte, há um Moura novo com o sangue do antigo e a raça que marcou uma época e fez, em tempos idos, a diferença entre tudo e entre todos. Muito bem, Joãozinho Grande!
Rui Fernandes é, gostem ou não gostem, um toureirão. Ontem não "explodiu", mas não "explodiu" por ter cabeça, por ser inteligente, por estar um toureiro maduro e traquejado, muito traquejado e a desfrutar hoje em dia de um estatuto e de uma experiência internacional acima da média. Eu explico: os seus dois toiros não tinham força e não tinham raça. O primeiro caíu e Rui preocupou-se em cuidar dele até ao fim, foi uma lide boa, mas sem excessos, para evitar que o oponente "se fosse embora". O segundo foi um nadinha melhor e Rui Fernandes deu um arzão da sua graça e conquistou finalmente o público, que mesmo assim esteve frio e não se entregou de alma e coração ao bom desempenho e ao esforço do toureiro. Deu merecidamente aplaudidas voltas à praça. Provou que está muito bem montado, muito moralizado e que é, de facto, um grande toureiro. Mas sem ovos nunca se fizeram omeletas e a culpa de não ter tido uma noite rotunda não foi dele.
Decididamente, o público de Lisboa adora Pablo Hermoso de Mendoza e, provavelmente por "muitas coisas" que já ali se passaram, continua a olhar com algumas reticências para Diego Ventura - mas, valha a verdade, desta vez ele também não quis virar o quadro ao contrário. Existe ou parece que existe uma espécie de permanente má vontade contra ele, assobios logo que entra, apupos ao primeiro deslize, dá a ideia de que estão ali feito juízes duros e implacáveis, prontos a aplicar premeditada sentença negativa sem sequer analisar as provas... Mas, verdade seja dita, a realidade é que já ali vimos coisas estranhas, em anos anteriores, com Ventura e toiros de ganadarias, repito, como esta de Pinto Barreiros, acima de qualquer suspeita: lembram-se da corrida de Murteira Grave e da corrida, no ano passado, de Charrua? São coincidências a mais, que deveriam ser devidamente analisadas, sempre que toureia o "furacão". E por isso...
O seu primeiro toiro era um manso perdido (ou outra coisa qualquer...), colheu-o de entrada e com violência contra as tábuas, mas Ventura aguentou-se e encastou-se, teve momentos de suprema genialidade, brega de arrepiar e ferros incríveis. Depois o toiro "rachou-se" (vá lá entender-se porquê...) e acabou a festa...
No segundo, um toiro bravo que se arrancava de todos os lados e que se prestava para um êxito enorme (imaginem que tinha pela frente o Maestro João Moura, ainda e sempre, quando quer, o primeiro de todos, era lide para sair em ombros!), Ventura mal o quis, ou mal o soube, ver: abusou das passagens em falso, parecia que tinha cruzado os braços e desistido, esteve ali sem estar. Há sempre um toiro bravo desconhecido que espera por si e faz toda a diferença lidar um toiro assim e um toiro Murube, entendem, não entendem? No final, foi despedido com uma chuvada de assobios quando atravessou a praça, repetindo o gesto, que já "anunciara" no final das duas actuações, de que "para a próxima será melhor". Mas isso não lhe fica bem. Um toureiro da sua estatura não pode - e não deve - desiludir o público, prometendo que para a próxima vai estar bem. E se não está? Tem que estar bem - sempre.
É o mesmo que ir ao Pavilhão Atlântico ouvir o Júlio Iglésias, ele cantar fininho a noite toda e no fim pedir desculpa e dizer "venham cá para a próxima, que dessa vez eu vou cantar a sério". Não chega, não fica bem. E o público que paga o seu bilhete (que não é barato) tem o direito e o dever de exigir que os artistas lhe dêm, no mínimo, um retorno. Não aconteceu ontem no Campo Pequeno.
Não queria, mas sou obrigado a dizer, que esta (menos boa, não digo má) presença de Ventura no Campo Pequeno pode ter comprometido seriamente a próxima, em que virá tourear "mano-a-mano" com "El Juli". Sabendo-se, como todos sabemos, que nem ressuscitando "Manolete" o toureio a pé mete gente nas nossas praças, Ventura é, sem dúvida, o suporte maior dessa corrida. E assim... Deus queira que me engane. Espero bem que sim. Para bem de todos, especialmente do Campo Pequeno e do próprio Ventura - e sobretudo da temporada nacional, que precisa de mexidas e de coisas diferentes para andar em frente.
Feitas as contas, numa noite de decepção face à enorme expectativa e ao justificado ambiente que rodeava esta primeira corrida de Lisboa - que encheu, mas não esgotou, o que também não foi um sinal que dê grande ânimo - há que enaltecer os Forcados, que continuam a ser o grande atractivo das touradas em Portugal.
Houve uma grande pega do enorme Manuel Guerreiro (Amadores de Lisboa) e um pegão do outro mundo do heróico Nuno Santana (Amadores de Alcochete), verdadeiro hino à nobre e portuguesíssima arte de pegar toiros - que coisa grande, meu Deus!
Pedro Gil e Duarte Pereira foram os outros intervenientes pelo grupo lisboeta, com pegas rijas, mas sem dificuldades de maior; e pelos alcochetanos, Ruben Duarte esteve decidido e valente e o cabo Vasco Pinto não pegou o primeiro toiro do seu grupo só porque este não quis ser pegado. Optou-se pela cernelha, Vasco e João Belmonte levaram um tareão na primeira entrada, com o toiro parado e encostado às tábuas e na segunda este consentiu, sem pestanejar e sem se mexer, resultando a sorte sem emoção e sem mais nada.
Houve capotazos em demasia a toiros que deveriam ser entregues exclusivamente ao labor dos cavaleiros, sem peões a estafá-los ainda mais e há que aplaudir a tremenda dignidade, o rigor e a exigência, que também se chama seriedade, com que Pedro Reinhardt dirigiu a corrida, impávido e sereno às "pressões" dos que adoram música - não podemos esquecer e temos a obrigação se lembrar que o Campo Pequeno é a primeira praça de Portugal e uma das principais do mundo e não propriamente um qualquer pátio das cantigas. Parabéns, Pedro!

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com