Ventura, Fernandes e Moura Jr: com três toureiros deste calibre, a noite de ontem tinha que ter sido outra... |
Brilhante no seu primeiro, João Moura Jr. chegou ao intervalo como triunfador da primeira parte... e repetiu a dose na segunda! |
Três ferros de parar corações no último toiro da noite marcaram a diferença e demonstraram a atitude de João Moura Jr. numa noite que foi sua |
Rui Fernandes esteve com raça e com valor, mas sem "explodir" como se impunha |
O quinto toiro era fantástico, era bravo, investida de todo o lado... mas Ventura não esteve lá... |
Miguel Alvarenga - A expectativa era
imensa e quando assim acontece, a desilusão é maior. A corrida de abertura da
temporada, ontem no Campo Pequeno, ficou demasiado aquém do que se esperava - e
se exigia. Houve dois toiros bons de Pinto Barreiros, o último, lidado já tarde
e a más horas por Moura Jr. e o penúltimo, que Ventura quase não quis ver e foi
tão fantástico e tão bravo como o sexto, houve dois menos apresentáveis numa arena
como a de Lisboa, a primeira do país, e houve, estranho, não é?, toiros com comportamentos
suspeitos, quedas na arena e desistência da luta, caso do segundo, que foi o
primeiro de Ventura (que coincidência azarada...) e que acabou por ser
degradantemente laçado e empurrado para dentro por um bandarilheiro, depois de
por três ocasiões se ter escusado aos cites do valente Vasco Pinto, encostado
às tábuas, daqui não saio, daqui ninguém me tira, querem-me pegar, mas eu não
deixo, nem percebi bem se o toiro terá perdido a visão no final da lide e
deixou de ver o forcado mesmo ali à sua frente, cala-te boca, que ainda nos
metemos todos numa alhada... O toiro não tinha nome, era o único sem nome e
dizem que terá morrido nos currais do Campo Pequeno. Verdade?
Custa-me a acreditar que ainda ninguém
tenha entendido (será mesmo ou serei eu que me estou a transformar num
"Velho do Restelo"?...) que o toiro (ainda) é o elemento primordial
deste espectáculo, que por alguma razão continua a ser denominado como
"corrida de toiros", e que quando não há toiro - ou porque não há
mesmo ou porque quaisquer outros estranhos motivos (investigue-se!) o fazem
deixar de haver e, meus amigos, penso que para bom entendedor, meia suspeita
basta... - por mais que se esfarrapem os toureiros, tudo isto perde emoção,
perde glamour, perde a essência por que existe. O espectáculo tauromáquico, em
tempos que já lá vão, era outra coisa - não isto.
O Parque Mayer não fechou por obra e
graça dos políticos, como muitos insistem em sustentar. O Parque Mayer fechou
porque o público se desinteressou de ir à revista. A Tauromaquia nunca fechará,
como tantas vaticinam, por artimanhas dos anti-taurinos, há-de fechar um dia
pela saturação dos que ainda resistem e insistem em ser aficionados, em comprar
bilhete e ir às praças para depois sairem desiludidos e a rogarem pragas por
não terem ficado descansadinhos em casa.
Estavam ontem em praça três cavaleiros
de "outra galáxia" e seis toiros de uma ganadaria acima de qualquer
suspeita. A empresa esforçou-se por agradar na abertura de uma temporada
montada com rigor e grande esplendor. Mas a realidade é que as coisas
funcionaram ao contrário.
João Moura Júnior foi ontem o toureiro
mais aplaudido e aquele que maior impacto causou no público, sobretudo em três grandes ferros de parar corações no último toiro. Viu-se um toureiro moralizado, com
sede de triunfo e de marcar posição, a caminhar em força pela escadaria que o
vai levar ao topo e o vai consagrar como primeiríssima figura do momento. Mesmo
assim, impunha-se que tivesse estado muito melhor. Pecou por demasiadas entradas
em falso e por ferros que foram colocados em quarteios muito abertos e mais
longe do toiro do que as regras obrigam, um chegou mesmo a ficar no chão,
porque o toiro já não estava lá. Mas não restam dúvidas de que, pese embora essas falhas, esteve em plano
de figura e a demonstrar que vai mesmo marcar a diferença.
Teve os melhores toiros, é verdade - e,
não queria dizer tanto, se calhar também é estranho... - mas a sorte costuma
bafejar os audazes e não se pode justificar que isso tenha sido a razão única
do seu triunfo. Não foi, não senhor. A razão chama-se João Moura.
Mourinha
enfrentou dois toiros de distintos comportamentos, entendeu-os, pisou terrenos
de compromisso, pôs a carne no assador, arriscou, porfiou, arrimou-se, esteve
ali com atitude e com rasgos de ousada ambição, realizou duas lides bem estruturadas
e que o distinguiram dos demais, ontem em Lisboa. Resumindo e concluindo,
chegou e disse "aqui quem manda sou eu!" - e foi mesmo. Fez lembrar
os tempos de oiro de seu Pai e houve uma coisa importante, trouxe de volta a
antiga paixão mourista, o público levantou-se, aplaudiu forte, há um Moura novo
com o sangue do antigo e a raça que marcou uma época e fez, em tempos idos, a
diferença entre tudo e entre todos. Muito bem, Joãozinho Grande!
Rui Fernandes é, gostem ou não gostem,
um toureirão. Ontem não "explodiu", mas não "explodiu" por
ter cabeça, por ser inteligente, por estar um toureiro maduro e traquejado,
muito traquejado e a desfrutar hoje em dia de um estatuto e de uma experiência
internacional acima da média. Eu explico: os seus dois toiros não tinham força
e não tinham raça. O primeiro caíu e Rui preocupou-se em cuidar dele até ao
fim, foi uma lide boa, mas sem excessos, para evitar que o oponente "se
fosse embora". O segundo foi um nadinha melhor e Rui Fernandes deu um
arzão da sua graça e conquistou finalmente o público, que mesmo assim esteve
frio e não se entregou de alma e coração ao bom desempenho e ao esforço
do toureiro. Deu merecidamente aplaudidas voltas à praça. Provou que está muito
bem montado, muito moralizado e que é, de facto, um grande toureiro. Mas sem
ovos nunca se fizeram omeletas e a culpa de não ter tido uma noite rotunda não
foi dele.
Decididamente, o público de Lisboa adora
Pablo Hermoso de Mendoza e, provavelmente por "muitas coisas" que já
ali se passaram, continua a olhar com algumas reticências para Diego Ventura -
mas, valha a verdade, desta vez ele também não quis virar o quadro ao
contrário. Existe ou parece que existe uma espécie de permanente má vontade
contra ele, assobios logo que entra, apupos ao primeiro deslize, dá a ideia de
que estão ali feito juízes duros e implacáveis, prontos a aplicar premeditada
sentença negativa sem sequer analisar as provas... Mas, verdade seja dita, a
realidade é que já ali vimos coisas estranhas, em anos anteriores, com Ventura
e toiros de ganadarias, repito, como esta de Pinto Barreiros, acima de qualquer
suspeita: lembram-se da corrida de Murteira Grave e da corrida, no ano passado,
de Charrua? São coincidências a mais, que deveriam ser devidamente analisadas,
sempre que toureia o "furacão". E por isso...
O seu primeiro toiro era um manso
perdido (ou outra coisa qualquer...), colheu-o de entrada e com violência
contra as tábuas, mas Ventura aguentou-se e encastou-se, teve momentos de
suprema genialidade, brega de arrepiar e ferros incríveis. Depois o toiro
"rachou-se" (vá lá entender-se porquê...) e acabou a festa...
No segundo, um toiro bravo que se
arrancava de todos os lados e que se prestava para um êxito enorme (imaginem
que tinha pela frente o Maestro João Moura, ainda e sempre, quando quer, o
primeiro de todos, era lide para sair em ombros!), Ventura mal o quis, ou mal o
soube, ver: abusou das passagens em falso, parecia que tinha cruzado os braços
e desistido, esteve ali sem estar. Há sempre um toiro bravo desconhecido que
espera por si e faz toda a diferença lidar um toiro assim e um toiro Murube,
entendem, não entendem? No final, foi despedido com uma chuvada de assobios
quando atravessou a praça, repetindo o gesto, que já "anunciara" no
final das duas actuações, de que "para a próxima será melhor". Mas
isso não lhe fica bem. Um toureiro da sua estatura não pode - e não deve -
desiludir o público, prometendo que para a próxima vai estar bem. E se não
está? Tem que estar bem - sempre.
É o mesmo que ir ao Pavilhão Atlântico
ouvir o Júlio Iglésias, ele cantar fininho a noite toda e no fim pedir desculpa
e dizer "venham cá para a próxima, que dessa vez eu vou cantar a
sério". Não chega, não fica bem. E o público que paga o seu bilhete (que
não é barato) tem o direito e o dever de exigir que os artistas lhe dêm, no
mínimo, um retorno. Não aconteceu ontem no Campo Pequeno.
Não queria, mas sou obrigado a dizer,
que esta (menos boa, não digo má) presença de Ventura no Campo Pequeno pode ter
comprometido seriamente a próxima, em que virá tourear "mano-a-mano"
com "El Juli". Sabendo-se, como todos sabemos, que nem ressuscitando
"Manolete" o toureio a pé mete gente nas nossas praças, Ventura é,
sem dúvida, o suporte maior dessa corrida. E assim... Deus queira que me
engane. Espero bem que sim. Para bem de todos, especialmente do Campo Pequeno e
do próprio Ventura - e sobretudo da temporada nacional, que precisa de mexidas
e de coisas diferentes para andar em frente.
Feitas as contas, numa noite de decepção
face à enorme expectativa e ao justificado ambiente que rodeava esta primeira
corrida de Lisboa - que encheu, mas não esgotou, o que também não foi um sinal
que dê grande ânimo - há que enaltecer os Forcados, que continuam a ser o
grande atractivo das touradas em Portugal.
Houve uma grande pega do enorme Manuel
Guerreiro (Amadores de Lisboa) e um pegão do outro mundo do heróico Nuno
Santana (Amadores de Alcochete), verdadeiro hino à nobre e portuguesíssima arte
de pegar toiros - que coisa grande, meu Deus!
Pedro Gil e Duarte Pereira foram os
outros intervenientes pelo grupo lisboeta, com pegas rijas, mas sem
dificuldades de maior; e pelos alcochetanos, Ruben Duarte esteve decidido e
valente e o cabo Vasco Pinto não pegou o primeiro toiro do seu grupo só porque
este não quis ser pegado. Optou-se pela cernelha, Vasco e João Belmonte levaram
um tareão na primeira entrada, com o toiro parado e encostado às tábuas e na
segunda este consentiu, sem pestanejar e sem se mexer, resultando a sorte sem
emoção e sem mais nada.
Houve capotazos em demasia a toiros que
deveriam ser entregues exclusivamente ao labor dos cavaleiros, sem peões a
estafá-los ainda mais e há que aplaudir a tremenda dignidade, o rigor e a
exigência, que também se chama seriedade, com que Pedro Reinhardt dirigiu a
corrida, impávido e sereno às "pressões" dos que adoram música - não
podemos esquecer e temos a obrigação se lembrar que o Campo Pequeno é a
primeira praça de Portugal e uma das principais do mundo e não propriamente um
qualquer pátio das cantigas. Parabéns, Pedro!
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com