sexta-feira, 17 de junho de 2016

Campo Pequeno: crise, qual crise? A única que existe é de ídolos...

Não é a crise nem muito menos a falta de dinheiro que está a deixar as praças
de toiros vazias... é, apenas e só, a falta de interesse e a falta de ídolos que está
a deixar as pessoas em casa. Não se esqueçam disso, não tapem o sol com uma
peneira com falsas justificações...
Rui Salvador: trinta anos depois, a mesma garra, a mesma ambição, é incrível!
Andy Cartagena mil vezes mais bem montado que a lusa
cavalaria... Em baixo, João Telles num bom momento da
sua presença ontem no Campo Pequeno

Miguel Alvarenga - Quinze dias depois de Pablo Hermoso ter enchido, sem esgotar, o Campo Pequeno, a primeira praça de toiros portuguesa voltou ontem ao cenário desolador das duas primeiras corridas: não chegava a metade a ocupação das bancadas. Não há necessidade de repensar nada, de deitar contas a fazer grandes e preocupantes análises aos fracassos de bilheteira que se têm sucedido por esse país fora. A crise, que até já vai passada e tantas vezes é evocada para justificar estas desgraças, não tem absolutamente nada a ver com isto. O trabalho da empresa não foi mal feito, antes pelo contrário. A realidade é que a tauromaquia actual vive de Hermoso e de Ventura (Alcochete vai esgotar esta noite) e o resto, que é como quem diz, os outros, são paisagem. Não temos nos dias de hoje uma figura e muito menos um ídolo que arraste público às praças, como noutros tempos tivemos Batista, Moura ou Pedrito.
Hoje em dia, tanto faz. Uns toureiam melhor, outros toureiam pior, mas não há um que leve gente atrás e não há um, nem sei se haverá tão cedo, que encha praças como Moura as enchia há vinte anos. As touradas são sempre iguais, os toureiros são sempre os mesmos, estão todos vistos e mais que vistos, só Pablo e Ventura, por terem a inteligência de vir tão poucas vezes, se assumem como motivo de interesse para levar gente às bilheteiras. É, apenas e só, isto que se passa. Não precisam cansar-se a fazer mais contas de cabeça ou mais detalhadas análises.
A nocturna de ontem tinha como principais atractivos os toiros de Canas Vigouroux e a "encerrona" dos Forcados de Vila Franca, os maiores triunfadores da noite com cinco pegas à primeira e uma à segunda, por intermédio do cabo Ricardo Castelo e de Francisco Faria, Rui Godinho, Vasco Pereira, Ricardo Patusco e David Moreira, havendo ainda a aplaudir o destaque assumido pelo rabejador Carlos Silva.
Quanto aos toiros, de enorme trapio e grande seriedade, foram brandos no que respeita ao comportamento e até mansos na generalidade, não proporcionando grande brilho às lides, tendo os cavaleiros estado por cima deles. Eram seis estampas, lá isso eram, mas não chegou. Não entendo nada de linhagens e encastes, mas parece-me que estes Canas destoam da linha aristocrática e dura que dantes fazia temer esta ganadaria...
No que aos cavaleiros diz respeito, o veterano Rui Salvador impressionou pelas garras, pela ambição, pelo profissionalismo e pela sede de triunfo que, trinta anos depois, continuam a ser apanágio de cada actuação sua. Quase não esteve no primeiro toiro e, por isso mesmo, por ser consciente e honesto, recusou dar a volta que o director lhe autorizou. No quinto, ficam na memória os dois últimos grandes ferros curtos, aqueles que ontem mais fizeram lembrar o grande Salvador dos "ferros impossíveis" de antigamente.
O espanhol Andy Cartagena chegava a Lisboa laureado pela saída em ombros pela porta grande de Madrid, a primeira da última Isidrada, mas os ditos aficionados cá do burgo ligam pouco a essas coisas que se passam a seiscentos quilómetros do nossa Campo Pequeno...
Marcou a diferença pela excelência das suas montadas, pela equitação, pelo à vontade com que fez o difícil parecer fácil. Toureou, lidou e cravou muito bem, deu duas completas lições e voltou, azar o nosso, a deixar a (triste) mensagem de que a lembrada Pátria do Toureio a Cavalo está cada vez mais do outro lado da fronteira - e não aqui. O ceptro foi há uns anos levado por Hermoso de Mendoza e a verdade é que não mais voltou para o lado de cá...
João Ribeiro Telles voltou ontem a dar um importante sinal de alerta - como o deram já outros novos cavaleiros, casos de Moura Júnior, de Caetano, de Bastinhas Júnior - sem contudo alcançar ainda aquele estatuto de ídolo que leva gente às praças. São muito bonzinhos, mas a verdade é que com os seus pais a música tocava num outro compasso, havia mais competição, muito maior interesse do público por eles...
O jovem toureiro esteve acertado, empenhado, toureou com arte e arriscou em terrenos de compromisso, protagonizando momentos em que empolgou mesmo os poucos presentes, sobretudo no último toiro, uma lide diversificada e de elevado nível artístico.
A maior franja de espectadores ontem no Campo Pequeno esteve marcada - e bem - por entusiastas apoiantes do Grupo de Vila Franca. A corrida foi bem dirigida por Manuel Gama, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva e ao início da função guardou-se um minuto de silêncio em memória do toureiro mexicano "El Pana" e do jovem cavaleiro amador Filipe Moita da Cruz, que morreu subitamente na véspera.

Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com