terça-feira, 3 de abril de 2018

João Telles a dois dias do regresso ao Campo Pequeno: "Gosto de apertos e de estar em cartéis como este!"



Depois de um ano sem actuar em Lisboa, João Ribeiro Telles regressa esta quinta-feira ao Campo Pequeno, na abertura da temporada, para uma noite de alta competição com Rui Fernandes e João Moura Jr. frente a toiros de uma ganadaria dura e que não facilita, a de António Silva. A dois dias da grande noite, fala ao "Farpas", faz o balanço de 10 anos de alternativa e confessa as suas grandes expectativas para uma época que promete ser diferente e onde cumpre também o sonho de se estrear em Madrid. Recorda o apoderado "Nené" e confessa que depois da sua morte não teve conversações com Rui Bento para o apoderar. Diz-se mais maduro e mais toureiro, mas ainda não realizado. João Telles por ele próprio, já a seguir.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Depois de um ano sem tourear no Campo Pequeno, está na corrida de abertura da nova temporada já depois de amanhã, dia 5 de Abril e também num dos cartéis mais fortes do ano, três meses depois, com Morante de la Puebla e Manzanares. Foi complicado dar “esta volta”, João?

- Complicado não foi, tenho de agradecer à empresa por ter voltado a manifestar interesse em me contratar e também ao meu tio Miguel Ribeiro Telles, que foi quem negociou tudo da minha parte.
Ninguém gosta de estar fora do Campo Pequeno, mas a meu ver, por um lado foi importante não estar presente a temporada passada porque este ano venho ainda com mais força e sem dúvida em melhores condições.
- Depois da morte de “Nené”, decidiu não nomear um novo apoderado porquê? É verdade que chegou a ter conversações nesse sentido com Rui Bento?
- Falou-se muito por fora, o Rui é um excelente profissional, dos melhores que temos na nossa Festa sem dúvida, mas nunca chegámos a falar em apoderamento depois da morte de “Nené”.
- Onde estava no momento da morte de “Nené”? Como soube da notícia?
- Estava em minha casa quando recebi uma chamada a darem-me a trágica notícia.
Não queria acreditar que era o meu “Nené”, achei que era uma coisa impossível....
- Cumpre 10 anos de alternativa. Muita coisa já estava delineada com o seu apoderado. Como vai ser a temporada? Disse numa entrevista ao site mundotoro.com que a ia basear mais em Espanha. Vamos vê-lo menos vezes em praças portuguesas este ano?
- Verdade,  cumpro 10 anos de alternativa e estamos a delinear uma temporada muito forte, mas diferente.
Tinha muita coisa pensada com “Nené”, com ele tínhamos fechado os Açores e Abiúl e pensadas outras coisas nas suas praças que não se puderam realizar infelizmente.
Toda a restante temporada já foi feita por nós cá da casa, e a verdade é que estamos nas corridas que mais queríamos com cartéis rematados e muito fortes.
Espero ainda fechar com algumas empresas de Portugal para ser uma temporada muito redonda.
Em Espanha estou anunciado na praça mais importante do mundo e na feira de maior categoria que é o San Isidro em Madrid.
Um sonho, sem dúvida, e como disse vou tourear mais em Espanha, de maneira em que consiga subir de categoria no país vizinho, que é o que mais quero.
- O que mudou na sua vida nos últimos dez anos? 
- Mudar não mudou muito a nível profissional, apenas acho que cresci como toureiro e estou muito mais maduro e experiente, como é normal.
Tenho feito a minha carreira como sempre pensei e isso deixa-me muito contente.
A nível pessoal mudaram várias coisas e graças a Deus coisas muito boas, casei e fui pai, duas coisas que não me podiam deixar mais feliz!
Mudei também a minha organização de cavalos e sou responsável por toda a nova estrutura, o que também me deixa muito realizado estar a conseguir manter tudo como sempre sonhei.
- Em dez anos de alternativa, concretizou todos os seus sonhos?
- Não realizei de todo, concretizei dois dos mais importantes, tirar a alternativa no Campo Pequeno ao lado de toda a minha família e com praça esgotada e também estar anunciado em Madrid, coisa que sonho há dez anos.
Depois, felizmente, realizei muitos sonhos, como foi o caso de triunfar em várias praças importantes e ao lado de todas as figuras mundiais...
Mas sem dúvida que faltam realizar muitos mais sonhos do que aqueles que já concretizei... acho que vou no caminho certo.
Dos sonhos maiores a nível profissional é conseguir viver do toureio, conseguir o estatuto que as empresas me respeitem.
- Um dos que faltava era, como disse várias vezes, a confirmação da alternativa na Monumental de Madrid, que finalmente ocorrerá no próximo dia 12 de Maio. Como encara essa corrida?
- Essa corrida é das mais importantes da minha vida porque é a primeira vez que toureio em Madrid, vou dar tudo por tudo como faço em qualquer praça, mas nesse dia claro que tudo é diferente, pode ser o ponto de partida para a carreira que tanto quero em Espanha.
- Falemos agora dos seus cavalos. Além dos craques que já conhecemos, quais são as novidades para 2018?
- Conto com vários cavalos novos além das estrelas do ano passado.
Mesmo os do ano passado são cavalos novos, estreei vários o ano passado, que no final da época por todo o seu desempenho nas praças, foram considerados estrelas. O caso do “Gaiato”, ferro Manuel Coimbra, foi estreado no início da época e no final da época foi considerado o Melhor Cavalo de Toureio Lusitano.
Esta temporada já estreei mais dois, um com o ferro de Pablo Hermoso, que penso que pode marcar a diferença e mais um do meu ferro.
Fico muito contente que todos os anos consiga estrear vários cavalos.
Neste momento toureio em três cavalos criados pelo meu pai e todos os outros postos por nós cá em casa, acho que isso é importante.
Tenho um grupo de doze a catorze cavalos para esta temporada, entre os experientes e outros que ainda quero estrear este ano. 
Em breve acho que aparece um cavalo preto com ferro do meu amigo Jorge Ortigão Costa que também é dos que marca a diferença.
- Na sua forma de interpretar o toureio, “fugiu” ao classicismo que foi sempre apanágio dos Ribeiro Telles, nomeadamente de seu avô, Mestre David, de seu tio António e de deu primo Manuel, tal como seu pai já o fizera. Considera que, nos seus inícios, isso foi um risco? Um Telles é, por norma, um toureiro clássico…
- Não considero um risco, o toureio é uma arte, das mais bonitas que nós temos, e tal como arte é interpretada de várias e diferentes maneiras, é uma coisa de sentimentos e quando conseguimos expor na praça todos os nossos sentimentos, sejam eles quais forem, conseguimos transmitir ao público o que é a nossa interpretação do toureio.
- Se a sua filha também quisesse ser toureira…
- Sem dúvida nenhuma que a apoiava o máximo e tentava ajudar com que fosse máxima figura, mas não era uma coisa que gostava, via-me mais pai de um toureiro.
- Vem ao Campo Pequeno no dia 5 com toiros de uma ganadaria dura, de António Silva. Considera isso um desafio? Preferia o toiro Murube?
- Claro que é um desafio, na primeira corrida da temporada, no Campo Pequeno, num cartel de máxima competência, irmos com uma ganadeira dura como é o caso, acho que é um grande desafio.
Quanto aos murubes, todos sabem que eu defendo esse encaste, é o que mais gosto, mas também sei que fazem falta estas corridas duras e que as tenho toureado todos os anos em diversas vezes.
Já alcancei vários triunfos com ganadeiras duras, o caso do Silva, Grave, Teixeira, entre outras, e claro que tem outra importância um triunfo com um toiro mais exigente.
- É supersticioso? Tem medo da morte? Sofreu uma grave colhida há uns anos em Angra do Heroísmo. Passou a encarar a sua profissão de um modo distinto depois desse acidente?
- Sou muito supersticioso e sim, tenho medo da morte.
Gostava de viver até muito tarde porque adoro a minha vida, faço o que gosto e tenho quem gosto.
Quanto à grande queda nos Açores, claro que me fez pensar na minha profissão, todos sabemos que é de grande risco, mas acho que isso só me deu força para quando voltei a tourear vir ainda com mais ilusão e mais querer.
- O que diria a um anti-taurino para o convencer a ir vê-lo a uma corrida?
- Que viesse ver das maiores artes que temos na nossa cultura, um espetáculo em que temos uma relação do ser humano com o animal, única e incomparável.
Mas acima de tudo, quem não nos quiser seguir, que nos respeite.
Habitualmente quando me abordam nas redes sociais (com tentativas de ofensa na maior parte das vezes), convido-os a virem passar um dia conosco ao campo, mas nunca tive resposta…
- Rui Fernandes e João Moura Jr. são os seus companheiros de cartel na abertura da temporada em Lisboa. São toureiros que “apertam”. Vai ser uma noite de grande competição. Preparado, João?
- É, sem dúvida alguma, um dos cartéis que mais aperta, mas sinto-me preparado para esse grande desafio.
Gosto de apertos e de estar nestes cartéis.
- A terminar, o que podemos esperar de João Telles, dez anos depois da alternativa, nesta temporada de 2018?
- Claro que é uma temporada diferente, mas de mim não esperem uma reacção diferente à de outras temporadas, vou sair às praças com a mesma vontade que saio todos os dias. Estou a trabalhar todos os dias para que o triunfo saia o maior número de vezes possível.
Quero ser máxima figura do toureio e gostava de marcar uma época, é com essa ilusão que me levanto todos os dias.

Fotos D.R./@João R. Telles e Maria Mil-Homens