sábado, 12 de janeiro de 2019

Eu querer, queria, Emílio, mas hoje eu não consigo...

Golegã, Novembro de 2017


Eu querer, queria, Emílio. Só que hoje eu não consigo...

Miguel Alvarenga - Eu queria cumprir o que te prometi. Escrever tudo o que me pediste que escrevesse quando na última segunda-feira te visitei no hospital com o Rui Bento e tu disseste, como se isso fosse coisa que se diga,  que já não te íamos ver vivo mais vez nenhuma. "Escreve uma coisa bonita, temos tantas histórias... morreu o melhor de todos nós, tu sabes, Miguel".
Pois sei. Mas não consigo. Talvez lá mais para a semana eu escreva e conte tudo. E tu possas depois ler e ver que fiz o que me pediste.
O Emílio, é só um áparte para vocês, esteve até ao fim consciente de que ia morrer. Nunca imaginei que alguém pudesse assim lidar com a morte como ele lidou nos dias do fim.
Nessa mesma segunda-feira chamou a Fernanda, o Bruno e o Hugo e teve uma conversa (imagino...) com eles no hospital, uma espécie de despedida.
Na terça e na quarta ainda esteve bem, dentro da gravidade em que se encontrava.
Na quarta estavam o João Queiroz, o Manuel João Maurício (Toquinhas), o José Luis Gomes, depois os seus filhos Gonçalo e Pedro, o Zé João e a Mulher, o Rui Bento, o Paulo Pereira e o Diogo Malafaia, acho que não me esqueci de nenhum. E foi uma última tarde tão fantástica. O que lembrámos, as histórias que recordámos. E de vez em quando vinham-te as lágrimas aos olhos e dizias que partias em paz, com uma paz de espírito enorme e que estavas feliz por teres ali tantos amigos.
Eu gostava de ter sido como tu foste. De ser como tu foste. Mas, como ali disseste na frente de todos, "este gajo é doido, faz sempre tudo ao contrário, faz sempre o que é proibido fazer...".
Depois na quinta pioraste. Mas continuaste consciente. Quando a Fernanda foi lá abaixo ao bar comer alguma coisa, fiquei sentado ao teu lado e apertaste a minha mão com tanta força. "Dá um beijinho à tua Mâe, à Fatucha, gosto tanto dela, dá um beijão ao Guilherme e à Maria Ana e que Deus abençoe o Santiago".
Depois a enfermeira perguntou-te se sabias quem eu era, já contei isso. "Não havia de saber. É o Miguel, o meu irmão. Ele é boa pessoa, mas é maluco, coitado...".
E eu só não chorei para tu não veres. Mas depois fui para o corredor e explodi, Emílio.
Tantas vezes te visitei naquele hospital e tantas vezes voltaste para casa e continuaste a tua luta, eras um guerreiro, eras uma vida. Eu acho que tu sabias que esta seria a tua última temporada e por isso foste a todas, até às corridas de merda, aos jantares, às homenagens, a tudo. E dizias: "O 'Farpas' tem que estar em todo o lado!". E o "Farpas" era e é  muita gente. Boa gente. Mas todos sabiam que era essencialmente tu e eu. E agora já não estás aqui. Desta vez eu sabia e tu sabias que a história chegava ao fim e que já não ias mais para casa.
Ontem jantei em casa do meu irmão. E depois vim para casa chorar, porque não me apetecia fazer mais nada. E depois falei com o teu Hugo e ele disse-me que tudo o que eu tinha escrito e todas as fotos que eu tinha aqui recordado o tinham reconfortado tanto. E desatámos os dois a chorar ao telefone. E eu não queria, e eu sei que tu não querias isso, que só queres que re recordemos como esras e como foste, aquela alegria, aquele sorriso, aquela bondade que não tinha mais fim, todas as parvoíces que nos tornavam crianças, tão estúpidas e tão infantis, quando estávamos ao lado um do outro.
Não imaginas as pessoas que me têm falado, enviado mensagens lindíssimas que me deram tanta força - mas irritam-me. Irritam-me por pensar que são verdade. E eu queria que fossem mentira e eu queria que cá ficasses para sempre e eu nem quero agora pensar a falta que nos vais fazer a todos.
Mas vamos em frente, vamos ter força como tu sempre dizias e querias. Há pessoas especiais. Tu foste uma delas.
Eras um fotógrafo do caraças e marcaste sempre a diferença. As luvas brancas. A maneira com que falavas com toda a gente. Deixaste milhões de exemplos que eu não sei se vou conseguir seguir. Éramos diferentes em muita coisa. Tu eras melhor em tanta coisa.
Ó Emílio, olha, não sei o que fazer agora. Sabes? A merda é que nunca imaginei que te perdia. Não é imaginei que eu queria dizer. Talvez fosse idealizei. Nunca idealizei de facto. E agora é tarde. Merda, Emílio.

Fotos D.R.