quarta-feira, 11 de março de 2020

Marco José em duas frentes: o projecto tauromáquico na China e a celebração dos 25 anos de alternativa

Marco José celebra esta temporada o 25º aniversário da sua alternativa, faz
um balanço positivo da trajectória e promete continuar
Parte da "nova cidade" que nasceu na província de Guizhou, na República
Popular da China, onde se misturam as culturas de vários países e se edificou
mesmo uma praça de toiros que é uma réplica do Campo Pequeno e de Las Ventas.
Na foto de baixo, Marco José fotografado ontem diante da praça de Lisboa,
onde tomou a sua alternativa há 25 anos


Há três anos envolvido num ambicioso projecto que pode em breve levar as corridas de toiros à República Popular da China, o cavaleiro Marco José está neste momento centrado especialmente na temporada em que celebra os 25 anos da sua alternativa. O toureiro falou ao "Farpas" - de tudo um pouco

Miguel Alvarenga - A história da China começou já quatro anos, quando um cidadão daquele país assistiu a uma actuação do toureiro Marco José na praça da Nazaré. Travaram conhecimento, tiraram fotos juntos à saída da praça e o cavaleiro, quando deu por ele, estava, uns meses depois, "a caminho da China" com o objectivo de ali desenvolver um projecto que passa, agora a curto prazo "e assim que se resolver este caso do Coronavírus", pela realização de corridas de toiros inicialmente na província de Guizhou e depois também em outras cidades chinesas - onde, curiosamente, "já existem várias praças de toiros com lotações enormes e que enchem para ver outro tipo de espectáculos".
"São recintos idênticos a uma praça de toiros, onde só falta a trincheira e onde se realizam combates de toiros, como as chegas de bois no norte de Portugal, são toiros que vêm do Tibete e têm pouco que ver com a casta do nosso toiro bravo. Nessas praças realizam-se também vários espectáculos, como rodeos e outros", conta Marco José.
Na província de Guizhou foi edificada nos últimos três anos "uma cidade nova que é uma espécie de uma Expo ou mesmo de uma Disneylândia para funcionar o ano inteiro e onde estão representadas as culturas de vários pa´ses, entre os quais Portugal, através da restauração, de lojas e de eventos que mostram a cultura e as tradições de cada país".
No New Português Guzhou Pecuária, espaço dedicado ao nosso país, foi construída uma praça de toiros que é uma autêntica réplica da do Campo Pequeno e tem também coisas da Monumental de Madrid, coberta, mas com cobertura fixa, que não abre, porque aquela é "zona muito húmida", explica o toureiro nascido nas Caldas da Rainha, que durante muitos anos esteve estabelecido em Leiria e há já muitos vive em Évora.
Nessa praça, já houve alguns espectáculos e inclusivamente demonstrações de toureiro a cavalo e exibições equestres. O objectivo, num futuro próximo, é também ali, e noutras praças, realizar espectáculos tauromáquicos, embora em moldes distintos dos que se realizam entre nós. Explica Marco José:
"Já vieram cá alguns chineses ligados a todo este projecto e a realidade é que, ao segundo toiro, eles já estão fartos, não aguentam seis toiros. A ideia é realizar lá espectáculos, digamos, mistos, em que exista a luta de toiros, o rodeo e também a parte tauromáquica com a lide de dois toiros por dois cavaleiros e pegados por um grupo de forcados e é isso que estamos a projectar, apesar de desde Dezembro tudo ter parado devido ao Coronavírus".
Pretende-se, por exemplo, fazer espectáculos diários durante um mês, o que implica, com dois toiros por dia, ter que levar sessenta toiros para a China. Marco José tem andado a estudar essas hipóteses e admite-se mesmo a possibilidade de, num futuro próprio, se criarem ganadarias na China, bem como coudelarias de Lusitanos, raça equina em que os chineses também querem apostar.
"O projecto é super ambicioso, pode abrir portas a um novo mercado como aquele que se abriu na Califórnia, muito embora neste caso as culturas dos povos sejam completamente distintas, mas a verdade é que a China quer apostar no toiro, no cavalo e nas corridas de toiros. Todo esta complexo, esta espécie de cidade que é uma Expo com representações de inúmeros países, das suas tradições e das suas culturas, tem milhares de visitantes por dia e está a tornar-se uma cidade turística que atrai gente de todas as partes da China. O projecto tem o apoio do Governo e de todas as autoridades", afirma o cavaleiro.

25 anos de alternativa

O projecto chinês tinha que ser, obrigatoriamente, tema de conversa - e foi. Mas a razão de ser da entrevista tinha mais a ver com o 25º aniversário da alternativa de Marco José, que esta temporada vai comemorar.
Foi a 6 de Julho de 1995 que o cavaleiro a recebeu na praça do Campo Pequeno, na 31ª Corrida TV, apadrinhado por Paulo Caetano, com o testenunho de Joaquim Bastinhas, António Ribeiro Telles, Rui Salvador e José Manuel Duarte e dos forcados do Aposento da Moita, com toiros da ganadaria de José Luis Sommer D'Andrade.
Durante os últimos vinte e cinco anos, toureou ininterruptamente e faz um balanço "positivo" da sua trajectória:
"Tive épocas melhores, outras menos boas, mas andei sempre com dignidade, no meu lugar, procurando sempre corresponder em praça às exigências dos aficionados. Guardo gratas recordações, cheguei um dia a tourear na Monumental de Madrid, percorri todas as praças de Portugal, toureei noutros países e vou continuar. Não imagino a minha vida sem o toureio, sem os cavalos, sem os toiros, sem o público".
E diz mais:
"Já vi colegas meus deixarem de tourear e afastarem-se por completo do mundo dos toiros e eu era incapaz de fazer isso. Não entendo como é que uma pessoa que cá andou pode, de um momento para o outro, afastar-se por completo...".
Marco divide neste momento a sua vida entre a China e Portugal.
"Vivo em Évora, dou aulas de equitação e faltam-me duas cadeiras para terminar o curso de Veterinária, que tenciono concluir. Agora não vou à China desde o final do ano passado, por neste momento estar tudo parado devido à epidemia, mas penso que isso se modificará em breve".
E sobre a temporada dos 25 anos de alternativa, afirma:
"Gostava de tourear umas dez corridas para comemorar esta efeméride. Já tenho quatro ou cinco datas agendadas, mas gostava, por exemplo, de tourear na minha terra, Caldas da Rainha, onde nasci e onde não toureio há três anos. Também nunca toureei em Évora, onde agora resido. Penso que as coisas se podem compor, embora reconheça que neste momento nada está fácil".
E recorda:
"Tive uma 'educação taurina' que se aplica pouco aos tempos modernos... mercê dos apoderados que tive e que eram pessoas diferentes. Sobretudo, José Agostinho dos Santos, Raul Nascimento e João Patinhas. Nesse tempo, a Festa era diferente, havia outro respeito e as coisas tratavam-se com mais dignidade, penso eu. Recordo, por exemplo, que em 1995 recebi 500 contos na corrida da minha alternativa no Campo Pequeno, era dinheiro para a época. Hoje esses valores são praticamente impensáveis e o dinheiro que oferecem aos toureiros não chega nem para os gastos... Está tudo diferente...".
O futuro está mesmo ali ao virar da esquina e Marco José vai agarrá-lo:
"Apesar de tudo, não desisto e tenciono continuar a tourear regularmente em Portugal. Mas este projecto na República Popular da China é uma porta aberta ao futuro e pode ser um mercado interessante no futuro, sobretudo num momento em que aqui estão a apertar tanto o cerco à Tauromaquia. Lá, pelo contrário, estão a começar, estão a construir praças de toiros, a projectar corridas, se bem que em moldes diferentes e há apoio total do Governo. Quem sabe se um bocado do futuro não está agora ali, na Ásia...".

Fotos Emílio de Jesus/Arquivo, D.R. e M. Alvarenga