sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Rui Fernandes colossal na Moita ou as razões porque a nossa Festa anda toda ao contrário!

Miguel Alvarenga - Sem pisar os grandes palcos da tauromaquia nacional desde 2019 (lidou apenas um toiro em Fevereiro do ano passado no festival da Granja, um dos últimos espectáculos que se realizaram antes do país fechar pela chegada da maldita pandemia), Rui Fernandes reapareceu ontem na Moita, deixou escrita na arena uma lição verdadeiramente colossal e explicou aos menos entendidos (ou antes, aos que não querem entender) as razões por que a nossa Festa está, na realidade, toda ao contrário. E toda errada.

Dizem - e eu juro que não sei, mas vou entrevistá-lo assim que regressar da semana de descanso que vou passar no Funchal e ficarei então a saber e vocês também - que os empresários não contratam Rui Fernandes porque ele pede, alegadamente, "muito dinheiro". Se é essa a razão da sua ausência nestes dois anos, então ontem o Rui provou que vale, na verdade, mesmo, "muito dinheiro". Não vou dizer que foi ele que esgotou a Moita, mas acredito que a sua presença no cartel pesou para que isso acontecesse.

E o que é "muito dinheiro"? Não sei, não me meto nas contas dos toureiros. Mas é certamente muito mais que os cachet's da uva mijona que os empresários se habituaram a pagar aos toureiros a pretexto da pandemia e das praças só poderem utilizar metade das suas lotações. E Rui Fernandes, com todo o direito e toda a legitimidade deste mundo, certamente que não alinhou nessas "negociações pandémicas", nem se baixou aos argumentos que hoje em dia defendem os empresários para não valorizarem e não pagarem o que os toureiros merecem.

As praças não podem utilizar mais que 50% das suas lotações, alegam os empresários. Mas a verdade é que as praças, normalmente, é esse o registo que costumam ter, com ou sem pandemia. Esgotam só as grandes corridas. As outras, há anos e anos, que têm exactamente a mesma quantidade de público que as novas regras agora impuseram... Ou seja, taurinamente falando, a tauromaquia já vive há muitos anos afectada pela pandemia...

Os empresários que temos passaram, em nome da covid-19, a pagar tostões aos toureiros, aos ganadeiros e a todos os demais. Em contrapartida, aumentaram os preços dos bilhetes. E com meias casas e as pouquinhas despesas que têm, enchem os bolsos. E depois recusam-se a pagar a quem tem valor para receber um cachet "a sério".

Rui Fernandes não faz falta à Festa? Ninguém o contratou nos últimos dois anos porquê? Se calhar porque os empresários que temos preferem montar "cartéis da loja dos trezentos", sempre mais do mesmo, e depois admiram-se muito que o público não acorra às praças e inventam mil e uma razões, tipo desculpas de mau pagador, para justificar todos os fracassos.

Todos (ou quase todos) os toureiros têm valor e cabimento nos cartéis. Mas ontem Rui Fernandes teve argumentos de sobra para abrir os olhos a esta gente e explicar que a nossa Festa anda toda ao contrário e toda errada.

Eu pergunto: pode ficar de fora um toureiro como ele? E pergunto mais: onde estão os empresários ousados? Andam todos a dormir? Só Levesinho está acordado? É triste reconhecer, mas parece-me que temos que admitir que Levesinho é, de facto, o único que anda aqui de olhos abertos. Foi, pelo menos, o único que contratou Rui Fernandes. Para já falar de outros toureiros: Levesinho trouxe Morante de la Puebla à Moita. Os ditos grandes empresários deste país não o conseguiram levar às suas praças? Acham que não tem interesse? Ou se calhar nem sabem quem é Morante...

Resumindo e concluindo: qualquer coisa tem que mudar na Festa. Depressa e em força. Mas não percam muito mais tempo, que qualquer dia isto acaba - e não é pela acção dos anti-taurinos nem pelas ameaças de Medina, é antes pelo desinteresse do público em ir ver sempre mais do mesmo...

Depois da noite de glória do Maestro Moura no Campo Pequeno, da apoteótica saída em ombros de João Telles também no Campo Pequeno, Rui Fernandes deu ontem na Moita o terceiro grande abanão nesta temporada que decorre igual a todas. Pena que não haja mais abanões, que não haja mais empresários com imaginação e com determinação para montar cartéis diferentes e contratar toureiros que levem público às praças.

A raça de ser diferente

Rui Fernandes foi ontem na Moita o grande triunfador - e demonstrou a raça que o fez diferente. Lide empolgante a um toiro nobre de Passanha em que tudo foi milimetricamente correcto. Desde a brega, aos ferros de verdade e emoção com batida ao píton contrário, aos remates com piruetas de arrepiar.

Rui Fernandes chegou e disse "Estou aqui". Parece que os empresários andavam esquecidos, mas o público não - e queria vê-lo.

Rui Fernandes faz falta para atiçar a competição e isto não ser sempre a mesma coisa. Faz falta, acima de tudo, porque é um grande Toureiro e uma primeiríssima Figura. Por isso o contratam para estar nas principais feiras de Espanha. E aqui isso não se verifica, exactamente pelo que escrevi anteriormente: a nossa Festarola anda completamente ao contrário e a remar permanentemente contra a maré. E assim não vamos a lado nenhum.

É por essas e por outras, entendam-me, que me vou embora. Estou cansado desta Festa. Já não sou aficionado a uma Festa como esta. Obrigado, Rui Fernandes, pela noite de ontem!

Telles, Rouxinol e as novas estrelas

Rui Fernandes deu ontem o abanão que era preciso dar nisto tudo. Foi o máximo triunfador da noite, indiscutivelmente. Mas houve outras grandes actuações que seria injusto não destacar. 

João Ribeiro Telles voltava à Moita depois de um grande triunfo na primeira corrida da feira. É, já aqui o disse várias vezes, mas vamos esperar até ao fim, o mais sério candidato ao trono de triunfador da temporada, está no melhor momento de sempre e suas lides marcam, de facto, uma grande diferença.

Os toiros Passanha, ontem, primaram mais pelos quilos e pela extraordinária apresentação, do que propriamente pela bravura, condicionando o sucesso de todos os cavaleiros e dificultando a vida aos forcados.

João Telles conseguiu tapar as dificuldades que o seu toiro apresentava e logrou mais um triunfo forte, sobretudo em dois ferros do outro mundo com o sempre esperado cavalo "Ilusionista" - mas não só. Houve mais, muito mais , na sua vibrante e muito aplaudida actuação. Há segurança, tranquilidade, determinação e consistência no seu toureio. Está a viver uma época de euforia e grandeza. E dificilmente o agarram!

Luis Rouxinol Júnior teve ontem pela frente o pior toiro da corrida, um manso perigoso que muito cedo se refugiou em tábuas e obrigou o cavaleiro a puxar dos seus galões, da sua maturidade (que é já uma realidade), da sua garra e da sua raça de grande e consagrado lidador.

Resolveu o jovem Rouxinol todos os problemas e mais alguns com ferros arrepiantes a sesgo, pisando terrenos de enorme compromisso, com ousados remates por dentro que puseram a praça toda em pé. Foi uma verdadeira e importante lição de como se podem tourear os toiros maus e com eles triunfar. Para Rouxinol Jr. não há toiros difíceis. Triunfo consistente da sua raça de bom toureiro. Num momento enorme, também.

Duarte Fernandes, sobrinho de Rui e seu digno sucessor, estreava-se ontem de casaca e tricórnio depois de em Fevereiro do ano passado ter feito provas para cavaleiro praticante no festival da Granja e depois de no passado domingo ter tomado a alternativa em França, no Coliseu de Arles, com um triunfo grande, alternativa essa que, pelas incompreensíveis leis que regem a tauromaquia lusa (outra coisa errada e sem sentido), vai ter que repetir em Portugal, porque cá não é válida...

Mas é válido o valor do Duarte, seja em que país for. Depois de algum nervosismo inicial, frente ao toiro com mais mobilidade, depois de ter sofrido um encontrão violento que só por milagre o não derrubou, Duarte encastou-se e levantou a praça com ferros de verdade e emoção e com desenvolta e sapiente brega. Deixem-no rodar mais, que este vai ser um caso sério!

Outra estrela nova é o amador Tristão Ribeiro Telles Guedes de Queiroz, o novo produto da dinastia Ribeiro Telles - de onde só sairam grandes toureiros a cavalo e um a pé.

Tristão tem raça e tem fibra, já o tinha visto noutras ocasiões e constatei ontem os magníficos progressos que fez. É atrevido, arrisca, não vira a cara a nada e, além de tudo, é Toureiro! Lidou um novilho da ganadaria Ribeiro Telles com "gatos na barriga" e que lhe aparecia de todos os lados e com ele protagonizou uma lide variada e galvanizante e a apontar um futuro brilhante. Temos Toureiro!

Gilberto e Filipe, os azarados da noite

Gilberto Filipe e Filipe Gonçalves não defraudaram as expectativas a ninguém, mas faltou-lhes ontem matéria prima para repetiram êxitos anteriores. São dois bons toureiros e nem pelo facto de não terem ontem brilhado perderam esse estatuto.

Gilberto não logrou repetir o grande êxito que teve no Montijo ao lado de Pablo e Rouxinol, muito por culpa do toiro sem qualidade que lhe tocou em "sorte" e que cedo se apagou. Conseguiu alguns bons ferros, andou esforçado e o público reconheceu isso. Só não o reconheceu o director de corrida João Cantinho, que não lhe autorizou a vinda à arena no final...

Filipe Gonçalves também não teve sorte com o seu Passanha e, além disso, iniciou a lide com alguns desacerto na cravagem dos ferros, emendando depois o tom e protagonizando uma actuação de menos a mais, terminando com dois bons ferros.

Dos forcados do Aposento da Moita e das suas sete pegas já aqui deixei tudo dito esta manhã. Da direcção de João Cantinho, direi que foi acertada, como sempre, exceptuando, a meu ver, a injustiça com Gilberto.

Boas e eficientes actuações de todos os bandarilheiros, sem excessos de capotazos, estiveram ontem em praça alguns dos melhores.

Em suma, um êxito de bilheteira mercê do extraordinário elenco (não repetitivo, não igual aos outros todos) montado pelo empresário Levesinho. E uma lição magistral de Rui Fernandes, a provar que tem sido um erro os empresários não apostarem na sua contratação e que é mesmo por essas e por outras que a Festarola nacional anda toda ao contrário - e sem chama nem interesse.

Vai mudar alguma coisa? Não sei, sinceramente. Se ontem Rui Fernandes pedia "muito dinheiro" para tourear, a partir de ontem tem ainda mais razões válidas para pedir muito mais. Porque vale. Porque faz falta. E porque isto anda tudo adormecido e acaba tudo por morrer e acabar se não houver toureiros como ele nas praças a dar abanões como o que deu ontem.

Foto M. Alvarenga

- A seguir, não perca, todas as fotos dos melhores momentos dos sete cavaleiros ontem na Moita.