domingo, 22 de maio de 2022

"Cuqui": a vitória do guerreiro!

Miguel Alvarenga - Quando o empresário Ricardo Levesinho decidiu este ano aos costumes dizer nada e montar uma corrida diferente na data tradicional da Feira de Maio na Moita, sem a fórmula habitual de cavaleiros e forcados, antes com um só matador, o heróico Joaquim Ribeiro "Cuqui", com o gesto épico de enfrentar a solo seis toiros da ganadaria Palha, ia havendo uma revolução na terra...

Mas a realidade é que o público e os aficionados acabaram por aderir à novidade e ontem preencheram um terço forte da lotação da praça "Daniel do Nascimento", nada a mais nem a menos do que costuma acontecer nesta corrida de Maio. E, pelo menos, não foi o tradicional "mais do mesmo". Houve diferença, houve apoio ao toureio a pé e ao toureiro da terra. E nas bancadas sentou-se um público selecto e entendido, caras conhecidas, gente importante do mundo do toiro. Lamentável, só, a falta de mais toureiros e sobretudo de outros matadores que ali deviam ter estado a apoiar o companheiro. Mas estamos em Portugal, já sabemos do que a casa gasta...

"Cuqui" sabia de antemão e disse-mo na entrevista que lhe fiz na semana passada, que esta corrida e este gesto pouco - ou mesmo nada - iriam adiantar em relação à sua temporada, num país em que são poucas as corridas mistas e em que a maioria das empresas tem há largos meses os seus cartéis todos montados. Pode não ter surgido um único contrato mais, mas de uma coisa o toureiro pode gabar-se: a sua cotação subiu depois deste heróico desafio - que foi ganho pelo mérito, pela dignidade, pelo valor e pelo imenso querer demonstrados ontem naquela arena em que foi notável protagonista.

Sérios, com cara, de comportamentos distintos, mas a imporem respeito e a exigirem, os toiros da centenária ganadaria Palha foram um desafio constante e permanente às capacidades (muitas, tantas!) do jovem matador de toiros - que nunca virou a cara à luta, evidenciando bom momento e excelente profissionalismo. Pronto para qualquer guerra!

O primeiro toiro, a complicar, deu poucas opções a "Cuqui". O matador esteve empenhado, arrimou-se, tentou sacar todo o sumo que o toiro não tinha, mas para início de festa não se pode dizer que este fosse o melhor dos indícios. O público aplaudiu e reconheceu a entrega do esforçado matador, mas "Cuqui" não deu volta à arena. O toureiro brindara esta sua primeira intervenção a sua mãe.

O segundo toiro era bom, "Cuqui" entendeu-o desde o primeiro momento, recebeu-o de capote com o joelho em terra e desenhou depois uma faena de sentimento e pundonor com a muleta. Brindou ao público moitense e teve com este toiro o primeiro brilho da sua "encerrona", uma actuação premiada com música pelo director de corrida Fábio Costa e depois com aplaudida volta à arena.

O terceiro toiro, mais parado e algo reservado, permitiu também ao matador uma boa actuação. Recebeu-o com uma larga afarolada de joelhos e desenhou depois cingidas verónicas com o capote. De muleta, depois de brindar ao empresário António Manuel Barata Gomes, vimos um toureiro esforçado e empenhado, arrimando-se que nem um herói.

O quatro toiro, único castanho do lote, não tinha um passe, era um verdadeiro assassino. E aqui vimos "Cuqui" confirmar todo o seu valor. Foi à luta como um guerreiro, sem virar a cara, sem pressa em despachar o oponente, antes pelo contrário, arrimando-se de novo, esforçando-se ao máximo, evidenciando toda a sua raça e toda a sua garra, pondo à prova a sua imensa capacidade de bom lidador.

O quinto toiro foi bravo e investiu sem se cansar na muleta mandona de "Cuqui" (que brindou esta faena ao bandarilheiro e seu amigo Tiago Santos). Uma faena de grande empenho em que o diestro pecou apenas por não dar distância ao toiro, toureando sempre "em cima dele", "afogando-o", como se fiz na gíria. Mesmo assim, uma faena de valor e de risco, com direito a música e a aplaudida volta à arena. Antes, com o capote, toureou de joelhos e à verónica, com arte e valor.

Ao último Palha, também de muito boa nota, foi esperá-lo "Cuqui" de joelhos, diante da porta dos sustos, com valentia, decisão e atitude, pena que a larga afarolada não resultasse como ele queria, mas ficou a intenção de terminar a tarde evidenciando todo o seu mérito e todo o seu valor, dizendo que não estava ali por acaso.

Com a muleta, mais uma faena sempre em cima do toiro, a meu ver pecando outra vez por não lhe dar distância, mas que resultou pela forma emotiva dos desplantes, pela raça com que mandou e templou sacando excelentes muletazos.

Em suma, foi uma tarde marcada sobretudo pelo mérito, pela dignidade, pelo valor e pela afirmação constantes de um toureiro que é muito bom. E por isso se aceita e se tolera a saída final aos ombros pela porta grande da praça da Moita. Em nome, acima de tudo, do mérito e do gesto de "Cuqui". Não propriamente de um êxito glorioso - numa tarde em que a variação foi pouca e as seis faenas foram quase iguais, marcadas principalmente, repito, pelo imenso valor que este gesto teve, reafirmando um toureiro valoroso, heróico mesmo.

Nota alta para as actuações de todos os bandarilheiros, como já esta manhã tive a oportunidade de aqui referir em pormenor - um olé bem alto para todos eles.

Esteve ontem como toureiro sobressalente o novilheiro espanhol Juan Carballo que, para bem de "Cuqui", não teve que intervir, a não ser num quite de capote no quinto toiro.

Ausência notada do ilustre ganadeiro João Folque, motivada, segundo apurámos, por motivos de saúde - não graves, felizmente. Rápida recuperação!

Ao início da corrida, Joaquim Ribeiro "Cuqui" teve direito a uma fortíssima ovação do público em reconhecimento pelo seu significativo gesto de ali estar sózinho e disposto a dar a cara com seis Palhas - e foi presenteado pelo maestro da Banda do Rosário com a partitura do pasodoble em sua homenagem, composto pelo Prof. António Bravo.

Direcção acertada de Fábio Costa, que esteve ontem assessorado pelo Dr. Carlos Santos, médico veterinário, estando os toques a cargo de José Henriques.

Feitas as contas, o público saíu satisfeito, a corrida não foi demorada, o toureiro e o empresário ganharam a aposta que fizeram na diferença. Por isso, valeu a pena!

Fotos M. Alvarenga