sábado, 19 de julho de 2025

Ismael Martín conquista Ilha Terceira: cara de menino, coração e raça de toureiro adulto

Miguel Alvarenga - Com três quartos fortes da praça preenchidos, Angra do Heroísmo viveu ontem as emoções de uma grande tarde de toiros e Ismael Martín, nova estrela do mundo taurino espanhol, triunfador absoluto da recente Feira de Burgos, conquistou o público açoreano nesta que foi a sua estreia em Portugal. Rui Bento, empresário com visão alargada ao futuro, já esta manhã esteve em conversações com Ángel Castro, co-apoderado do matador (juntamente com Nacho Matilla) para o trazer a algumas praças nacionais (uma pode ser uma grande surpresa...) no próximo ano - Ismael pode e vai ser uma figura para Portugal. E para o mundo! Sem dúvida alguma.

Cara de menino, inocente e franzino, frágil, o jovem matador é, afinal, um gigante com raça e coração de leão e a força de um toureiro adulto. O triunfo na Feira de Burgos deixara nas bocas do mundo o novo toureiro de Salamanca. O nosso Paco Duarte, outro taurino com uma visão mais adiantada que os (a)normais, foi o grande empreendedor da vinda de Ismael aos Açores. E a realidade é que a aposta, apoiada desde a primeira hora pela União Tauromáquica do Ramo Grande, liderada por Nuno Pires, surtiu resultados altamente positivos. 

Ismael Martín caiu de pé e conquistou a aficion açoreana. Logo, a aficion portuguesa. Como Padilla numa história mais recente, como "Paquirri", Dámaso González"Capea" e Ruiz Miguel se recuarmos no tempo, Portugal pode ter aqui - e deve ter - um ídolo novo. Ismael Martín é a nova estrela.

Basta que tenham visão os empresários nacionais. E que não cometam erros. Como aquele que ontem mesmo cometeram na Moita - praça às moscas, uma verdadeira catástrofe para a temporada. Desnecessária. E para a praça (como vai ser agora a Feira de Setembro depois deste terramoto?... Alguém ainda vai acreditar na Moita?...). Uma mancha negra e altamente negativa que podia ter sido evitada, se não fosse tão escura e tão incongruente a (falta de) visão dos organizadores nacionais. Organizadorzinhos... 

Mas esqueçamos a Moita. Que este ano é mesmo para esquecer, venha lá a feirazinha que vier....

Aqui na Terceira, onde estou, onde amo estar, há dinheiro e há classe. Que é o que falta à tauromaquia nacional - continental quero eu dizer. Pelo continente, falta verdade, falta esplendor, falta glamour. E falta dinheiro. E classe. E, em contrapartida, sobra parvoíce...

Nos Açores, é tudo diferente. Ainda ontem comentava com o Manuel Pires, um dos grandes organizadores desta Corrida do Ramo Grande, que as touradas podem um dia acabar no continente, mas jamais acabarão nos Açores. E sobretudo na Ilha Terceira. Aqui respira-se aficion. E sente-se a Feira.

A minha aficion - a esta Festarola desnaturada dos dias de hoje - é cada vez menor. Mas nos Açores recebo verdadeiros e intensos balões de oxigénio. E vou daqui diferente. Mais aficionado (ou pareço...) outra vez.

A corrida de ontem encheu a Monumental, registando três quartos fortes da lotação bem preenchidos. Aqui há seis ou menos corridas por ano, um número que chega e sobra, e por isso a praça enche sempre. E os cartéis são variados. No velho continente, há (ainda) cento e poucas touradas por ano e os elencos são sempre os mesmos. É natural que as pessoas se fartem e se cansem. A desgraça que ontem aconteceu na Moita fala por si e explica tudo. Não é preciso grandes análises. Era previsível, desde a primeira hora, que acontecesse o que aconteceu na "Daniel do Nascimento" que-Deus-tem...

Na Terceira, a Festa vive-se de outra maneira. Com seriedade e com honestidade, que é coisa que escasseia no continente. Eu explico.

Ontem, o espectáculo, a Corrida do Ramo Grande, estava anunciada como novilhada. E porquê? Porque os toiros, novilhos muito mais toiros do que muitos toiros que "engolimos" (e calamos...) nas touradas continentais, tinham três anos e por isso eram novilhos. Aqui há seriedade. E não se vende gato por lebre, como no continente. Por isso, eu digo: as touradas hão-de acabar, mais tarde ou mais cedo, nesse continente absurdo, mas jamais acabarão nos Açores.

Ontem foram lidados quatro novilhos-toiros da ganadaria de João Gaspar, a ganadaria-top do momento na Terceira. De nota alta o primeiro, complicado o segundo (mas os toiros não têm que ser fáceis, precisam é de ser difíceis para que se apurem com eles os toureiros - e Salgueiro apurou-se, e de que maneira!, com este!), sem problemas o terceiro (quinto da ordem), melhor o último; e, a pé, um toiro nobre e bonito (jabonero) de Rego Botelho e outro a investir bem e sem dificultar, de Casa Agrícola José Albino Fernandes.

O público, aqui, é entendido e super-aficionado ao toiro. E saíu da praça satisfeito com o desempenho e a bravura dos novilhos-toiros lidados nesta tarde. Foi bom para a Festa. Foi, repito, um balão de oxigénio enorme para manter a minha quase desaparecida aficion.

Artisticamente, a corrida ficou marcada pelo supremo triunfo ao jovem matador Ismael Martín, a nova estrela de Salamanca, um "menino" com coração e gigante de adulto e maestria de toureiro já feito, que deixou em delírio o público com as duas brilhantes intervenções nos terceiro e quarto novilhos-toiros da tarde.

Toureiro completo e de elevado profissionalismo, valentão como as armas, esteve Ismael notável nos variados tércios de capote, enorme e poderoso com as bandarilhas, mandão e templado com a muleta - nas duas faenas.

Vai ser Figura e não tarda! Deu uma aplaudida volta à arena no primeiro e duas no segundo. Faltou sair em ombros - merecia e justificava-se.

A cavalo, brilhou ontem sobretudo João Salgueiro da Costa. Com uma lide enorme no segundo toiro da corrida, complicado, difícil, a pedir contas. Deveria ter sido penalizado o director de corrida Leandro Pires por não lhe ter concedido música. Os directores de corrida, quando erram, deviam ser penalizados também. E Leandro errou. Salgueiro esteve "brutal" e a música que o director lhe negou concedeu-lha o público nos vibrantes aplausos com que depois foi aclamado quando terminava a lide e quando dava a volta à arena. Uma sinfonia de palmas em protesto contra o silêncio inexplicável da banda...

Salgueiro foi durante muitos anos um toureiro imprevisto e irregular. Este ano, melhor dizendo, desde o ano passado, está finalmente a afirmar-se e a marcar cada corrida com um triunfo, um triunfo notável como o de ontem aqui na Terceira. Está a marcar. A dizer "estou aqui, existo!", depois de muitos anos de incertezas.

A sua segunda lide foi um esplendor e um verdadeiro hino à arte de bem tourear a cavalo. Que não tem nada a ver com a simples emoção de espetar ferros. Salgueiro toureou do princípio ao fim o magnífico toiro de João Gaspar, impondo a verdade e a imponência do bom toureio "à Salgueiro", deixando momentos vários de lembrança da Figura única que foi - e será sempre! - o Senhor seu Pai. Triunfo de poder e de raça de Salgueiro ontem na Terceira. No ano de todos os êxitos!

João Moura Caetano é um toureiro de se lhe tirar o chapéu. Um toureiro de garra, mas sobretudo de raça e de temple. Leva dois anos classificando-se na liderança do escalafón, aliando a quantidade (número de corridas) à qualidade (número de triunfos), mas ontem esteve uns pontos (uns pontinhos apenas) abaixo do seu melhor - pela falta dos cavalos-craques da sua quadra.

Teve lugar há uma semana em Lisboa a corrida de comemoração dos 45 anos de alternativa de seu pai, o Maestro Paulo Caetano, em que ambos tourearam. E os melhores cavalos estiveram nessa corrida, sem a possibilidade de conseguirem estar uma semana depois nos Açores.

Moura Caetano esteve muito bem nas duas lides. Empenhou-se, fez alarde do seu sentimento e da sua arte. Não saíu por baixo. De maneira nenhuma. Mas...

Nota alta e os meus aplausos para os bandarilheiros das quadrilhas dos três toureiros: o veterano José Franco "Grenho" (que se reformou de Espanha e deixou de estar na equipa de Pablo Hermoso, onde militou mais de vinte anos) e João Prates "Belmonte" na equipa de Caetano; Duarte Silva e o valoroso bandarilheiro terceirense Diogo Coelho na quadrilha de Salgueiro; Joaquim de Oliveira e Isidoro de Prado às ordens de Ismael Martín.

Grandes pegas de dois fantásticos grupos de forcados, de que mais logo aqui vamos mostrar todas as espectaculares sequências - pelo grupo da Tertúlia Terceirense pegaram João Bettencourt e João Vieira; pelo do Ramo Grande foram forcados de cara o cabo Rui Dinis e Gonçalo Batista. Com a particularidade de todos terem pegado à primeira.

A corrida foi bem dirigida por Leandro Pires, que apenas pecou por não ter dado música a Salgueiro no segundo toiro da corrida (o que aconteceu?... Se o cavaleiro fosse outro, até podia ter levado com um tricórnio na cara...), que esteve assessorado pelo reputado médico veterinário Vielmino Ventura.

Ao início da corrida, fui orador para, numa brevíssima intervenção, passar em revista a carreira de glória do Maestro Paulo Caetano, ontem homenageado pela União Tauromáquica do Ramo Grande pelos seus 45 anos de alternativa.

Ao intervalo, a União Tauromáquica do Ramo Grande rendeu merecida e significativa homenagem ao decano dos críticos taurinos terceirenses, Mário Rodrigues.

Regresso a Lisboa a respirar de outra maneira. Levo uma boa dose de (novo) oxigénio de uma tauromaquia a sério para continuar a enfrentar a tauromaquia a brincar do continente.

Esta manhã estive no Rádio Clube de Angra a dar uma (divertida) entrevista a Orlanda Gomes e José Paulo Lima, com todo o apoio técnico de Mário Lima, no louvável programa "Tauromaquia Viva" (lá está, as touradas hão-de acabar no continente, mas aqui nos Açores isso nunca vai acontecer e este programa é bem um exemplo dessa força que nunca baixa os braços por estas bandas!), que amanhã, domingo, vai para o ar em canal de video (depois, hei-de passar aqui o programa).

E ainda cá estou. E não posso estar hoje na Nazaré. Mas já sinto saudades de ir embora!

Voltei à minha ilha. Voltei à Terra dos Bravos.

Fotos M. Alvarenga





Público dos Açores rendeu-se à força e à raça de Ismael Martín

Duas lides de bom gosto e temple de Moura Caetano

No ano de todos os triunfos, Salgueiro empolgou na Terceira