Seis "estampas" da ganadaria de Herdeiros de António Silva foram ontem à noite as vedetas principais da corrida do Campo Pequeno |
Miguel Alvarenga - Fartíssimos que
andamos de ver sempre "mais do mesmo", a nocturna de ontem no Campo
Pequeno foi aquilo a que se pode chamar uma verdadeira lufada de ar puro. Com mais de meia casa e a
significativa presença de muitos turistas americanos no sector 1 - que animaram
a noite e pena foi que tivessem desandado no final da lide do quarto toiro - a corrida de ontem foi, no conjunto geral, a melhor até ao momento na temporada lisboeta. Terá sido, mesmo, uma das
melhores corridas a que assistimos esta temporada. Primeiro, pela intocável
prestação dos magníficos e super-sérios toiros da ganadaria de Herdeiros do Dr.
António Silva (um curro de seis "estampas" que foram, na
generalidade, autênticos "toiros de bandeira" à maneira antiga);
depois, pela excelente forma com que todos os seis jovens cavaleiros se
apresentaram e brilharam na primeira praça do país; por fim, pela emotiva
rivalidade e competição entre os grupos de forcados de Santarém e Montemor, em
noite de clara vitória para os escalabitanos.
Exceptuando a já "veterana"
Sónia Matias (que deu ontem uma lição enorme de raça e de bom toureio),
assistimos ao desfile de toureiros da nova vaga, cavaleiros menos vistos,
detentores de estilos distintos e que chegaram ao Campo Pequeno com as ganas e
o querer de aproveitar em grande esta oportunidade que a empresa lhes deu.
Abriu praça Marcelo Mendes, que foi
apadrinhado por Sónia na cerimónia de confirmação de alternativa. Não esteve o
jovem cavaleiro à altura do espectacular toiro de Silva que tinha pela frente e
que nem sempre entendeu. Esforçou-se, valeu-se da elasticidade magnífica do seu
cavalo "Único", sofreu aparatosa queda a que reagiu com estoicismo,
voltando a montar e terminando a lide, apesar de combalido e a coxear, mas podia - e devia - ter estado bem melhor. Por que sabe e pode
fazê-lo. Foi, infelizmente, o único que deixou passar "ao lado" esta
oportunidade única, apesar de não ter dado nenhum "petardo" e até ter
protagonizado bons momentos na brega, na cravagem e nos remates. E foi também o
único a que o director Pedro Reinhardt não concedeu música. Pena.
Sónia Matias lidou o segundo toiro da
noite - e aí começou a grande noite de toiros que "assustou" o
público nas bancadas, trouxe a necessária seriedade à Festa e a todos transmitiu
uma mensagem de esperança e, sobretudo, de confiança no futuro.
Indiscutivelmente assegurado por um naipe de bons toureiros jovens.
A "loirinha" atingiu a
maturidade que lhe assegura uma imensa tranquilidade no que faz - e ontem fez
tudo bem. Confirmou o grande momento que atravessa. O cavalo preto que utilizou
é fantástico. E Sónia está uma "toreraza" de se lhe tirar o chapéu.
Arriscou, "foi-se ao toiro" com as ganas de quem estava ali para
triunfar e se afirmar. Acabou por se consagrar numa lide ousada e cheia de
verdade - onde nada falhou. Teve pela frente um toiro imponente, aplaudido
quando saía da arena. Enfrentou-o com a decisão e a coragem dos maiores. O
público reconheceu e aplaudiu o importante triunfo de Sónia numa emotiva volta
à arena. No final, chamou à praça Sofia Silva, neta do saudoso ganadeiro
António Silva. Merecido.
Seguiu-se António Maria Brito Paes, que
ontem se "reencontrou" no Campo Pequeno. Esteve acertado na brega,
nos cites e na cravagem, recreando-se com "ladeios" na cara do
oponente. Foi uma lide que chegou ao público e que trouxe de volta um toureiro
que tem tido altos e baixos. A "fasquia" ia bem alta e Brito Paes
toureou com raça e técnica, impondo emoção em todas as sortes.
Duarte Pinto lidou a seguir o
"menos bom" dos seis toiros, que se adiantava e se cruzava, mas
"tapou-o" mercê de uma lide inteligente e onde pôs tudo para
"pintar o quadro" a seu favor. Triunfou forte. Teve três ferros
curtos de "parar corações", ao piton contrário, com a verdade que tem
sido apanágio da sua já brilhante trajectória. Batista e Zoio toureavam assim.
Duarte Pinto é hoje um digno sucessor desses tempos em que se toureava com essa
mesma verdade e essa mesma emoção - que ele ontem fez gala de mostrar na
primeira arena do país. Esteve brilhante, a todos os títulos.
Duarte Pinto, que no ano passado
obtivera nesta mesma arena um importante triunfo com os toiros Silva, era, dos
novos, o mais "confirmado" e o que menos necessitava desta
"oportunidade". Merece agora, depois de novo êxito, repetição com
dois toiros no Campo Pequeno.
Tiago Carreiras prometeu muito quando
apareceu nas arenas. Depois "apagou-se" sem se perceber por quê. E
agora voltou em força, decidido a recuperar todo o tempo perdido e a mostrar
que está disposto a apanhar outra vez o comboio. Disse-o ontem, com uma lide
emotiva e desembaraçada, frente a outro Silva de muito respeito. Na fase final
da actuação, foi autor de um "ferro impossível" em terrenos
apertadíssimos e que só por si retratou bem as ganas com que voltou. Falhou um segundo
quando quis repetir a dose, mas acabou por cravá-lo com a mesma ousadia do
anterior. O público "explodiu" nas bancadas.
No final, "imitou" Bastinhas e
saltou do cavalo, mas a porta ainda estava fechada. Resultado: o cavalo
cavalgou pela arena e só por sorte não foi "ao encontro" do toiro.
Uma atitude impensada, mas que se aceita, dada a euforia que o toureiro
sentia...
Fechou a corrida o jovem praticante
David Oliveira. Vinha laureado pelo triunfo do ano passado, na novilhada em que
se apresentara em Lisboa. É um equitador exímio. Monta primorosamente e isso é
um mais valia para o desempenho da profissão que abraçou, depois de ter sido
campeão nacional, europeu e mundial na Equitação de Trabalho.
Essa "arma" de que dispõe
deveria - e deverá, acredito - proporcionar-lhe o sucesso nas arenas. David não
está muito toureado, mas evoluiu e vai no caminho certo. Pratica um toureio
clássico, sem alaridos - e que por isso chega menos ao público. Mas transmite
consistência e saber.
Mesmo apesar de ter andado algo aliviado
na cravagem dos ferros curtos, teve uma lide regular e aceitável e não deixou
passar "em branco" esta oportunidade de estar no Campo Pequeno.
Brindou aos céus, à memória de sua Mãe. E foi, dos seis cavaleiros, aquele que
tinha uma maior falange de apoiantes e seguidores nas bancadas. Não defraudou
todos aqueles que nele têm acreditado e, sobretudo, há que aplaudir o facto de
ter triunfado, apesar de ter tido pela frente o mais "reservado" dos
Silvas, um toiro que entrou a passo, se parou nos capotes e a que o toureiro
"deu a volta". Merece ir em frente! Força, David!
No campo da forcadagem, frente a toiros
que não facilitaram nada, a vitória coube ontem aos Amadores de Santarém com
três grandes pegas ao primeiro intento por intermédio de João Torres, António
Grave de Jesus e João Brito.
Menos felizes (acontece...) estiveram os
Amadores de Montemor. Pegaram Frederico Caldeira, João Maria Caldeira (valente)
e por fim salvou a honra do convento o valoroso cabo José Maria Cortes, com a
técnica e o poderio que todos lhe conhecemos.
Nota bem alta para todos os
bandarilheiros intervenientes. E, acima de tudo, nota altíssima para os toiros
de António Silva - superiormente apresentados (seis "estampas",
repito) e de comportamento notável, impondo ao espectáculo o ritmo, a emoção e
a seriedade que tanta falta têm feito às corridas nacionais.
Aplausos, também, para a excelente - e
séria, como sempre - direcção de corrida de Pedro Reinhardt.
Um olé à empresa pela aposta nestes
toiros e neste cartel. Estas corridas, com toureiros menos vistos, acabam
sempre por ser bem mais interessantes que os cartéis vistos e revistos que
andamos a "comer" há trinta anos. Pode, tão cedo, não acontecer outra
corrida com toiros e toureiros como os de ontem no Campo Pequeno.
A seguir: não perca, todos os grandes momentos da corrida de ontem, pela objectiva de Emílio de Jesus.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com