O momento emotivo do brinde dos Bastinhas à memória, sempre lembrada., de Sebastião Tenório - Avô e Pai dos dois cavaleiros |
Emoção e comoção no Coliseu de Elvas: o final feliz da apoteose de pai e filho |
Miguel Alvarenga - Quando um dia se
escrever, como escreviam os antigos, a História do Toureio em Portugal nos
últimos anos do Século XX, primeiros do Século XXI, hão-de contar aos
aficionados do futuro que houve um Toureiro importante chamado Joaquim Manuel
Tenório, que se anunciava popularmente como Bastinhas, que se destacou dos
demais dessa época pelo carisma, pela alegria e pela força com que contagiava o
público nas praças. Também, e sobretudo, por ter sido um grande Toureiro e um
Toureiro de Verdade.
Sábado passado, o Coliseu de Elvas
esgotou a sua lotação com quatro horas de antecedência - às seis da tarde já
não havia bilhetes para ninguém. Óbvio que as corridas de toiros precisam hoje,
cada vez mais (mas poucos parecem entender isso), de atractivos que marquem a diferença, constituam chamariz e que vão para
além do simples espectáculo taurino - os toureiros são sempre os mesmos, os
termos do negócio não evoluiram e permanecem iguais há trinta anos, ninguém dá
importância ao necessário fenómeno do marketing e tudo o que vier a mais é
benvindo. Em Elvas, a corrida era de Gala à Antiga Portuguesa e o público
português pela-se pelo esplendor dos cortejos das antigas Touradas Reais. Mas
havia, não se pode negar, o peso da homenagem a Joaquim Bastinhas, na sua
cidade, pelos seus trinta anos de alternativa. E de glória. Todos esses
factores, e outros, como a presença em cartel de um Caetano e um Moura, terão contribuído para que o público acorresse em força às
bilheteiras e para que a praça esgotasse com quatro horas de antecedência - um
facto inédito nos últimos anos, praticamente não repetido desde a reinauguração
do Campo Pequeno.
O evento todo, em si, motivou a lotação
esgotada. Mas a força de Bastinhas, ainda e sempre o mais popular e o mais
carismático cavaleiro nacional, foi a mola que impeliu tudo o mais. É um facto.
E contra factos não houve nunca, que saibamos, argumentos.
Foi esse o espírito que se viveu na
noite de sábado no Coliseu "Rondão de Almeida" em Elvas. O público
aclamou o Toureiro e aclamou o Ídolo. Foi uma noite memorável - e inesquecível.
Das que ficam na História - das que fazem aficionados.
Trinta anos depois de ter recebido das
mãos do também inesquecível José Mestre Batista o primeiro ferro como cavaleiro
de alternativa, Joaquim Bastinhas mantém, intacta e inalterável, a popularidade
que grangeou ao longo de três décadas - e que não tem nada a ver com populismo
ou rótulos de "popularucho". Tem a ver com ele, com a sua energia,
com a sua contagiante empatia com o público, com o mais puro e mais profundo
carisma de um grande e eterno artista.
O primeiro toiro de Guiomar Cortes de Moura, com mais de 600 quilos
(credo!) não tinha, nem podia ter, mobilidade. Ficou ali parado, fez temer uma
noite de "nhoc-nhoc's" (que felizmente não aconteceu), valeu a
experiência, a técnica e a apurada maestria de Joaquim Bastinhas para que o
espectáculo não ficasse logo ali estragado e condenado. O Maestro deu-lhe a
volta, sacou faena onde esta não existia, fez parecer que afinal era tudo fácil
e tão simples. Quem sabe, sabe.
A grande apoteose veio no último toiro
da noite, que lidou a duo com seu filho Marcos depois de, com enorme emoção,
ambos terem erguido os tricónios ao céu, lembrando a fígura ímpar de seu Pai e
Avô, respectivamente, que foi Sebastião Tenório - um Homem Bom. Os tricónios,
poisaram-nos depois na arena. E ali ficaram nos primeiros momentos da lide - a
lembrar o brinde e a memória.
Depois, numa simbiose perfeita, pai e
filho empolgaram o público que esgotava o Coliseu com uma actuação que tão cedo
se não esquecerá, pautada pelo ritmo, pela emoção, pela alegria, a que o
fantástico director de corrida Rogério Jóia imprimiu empolgância e
reconhecimento, mandando tocar a banda logo após os primeiros ferros compridos.
Foi, do princípio ao fim, uma lide de
grande entusiasmo, com o público a vibrar de ferro a ferro, de lance em lance,
de recorte em recorte. Tardou a sairem, porque todos queriam mais e mais.
Terminaram com dia arrojados pares de bandarilhas, Bastinhas a manter acesa a
chama que incendiou há trinta anos, Marcos a provar que já é digno sucessor de
tão importante Toureiro e que vai ser, também ele, uma Figura de importância
neste mundo do toureio equestre. Foi incrível - e foi inesquecível.
Ao contrário do que se esperava e dera
disso nota negativa o primeiro toiro, os restantes exemplares da ganadaria de
Maria Guiomar Cortes de Moura, apesar de pouca raça, foram manejáveis,
colaborantes, não defraudaram e proporcionaram até aos toureiros grandes
triunfos, criando depois alguma emoção na hora das pegas. O curro cumpriu sem
alardes, sem grandes sinais de bravura, mas desta vez ninguém pode dizer ou
escrever que eram "nhoc-nhoc" e que comprometeram o espectáculo, como
já sucedeu em ocasiões anteriores. O público saíu satisfeito.
Estavam ainda em praça a cavaleira Ana
Batista e os jovens João Moura Caetano e João Moura Jr., além do já referido
Marcos Bastinhas - três dos mais destacados "guerreiros" da nova
vaga.
O toiro de Ana Batista, segundo da
noite, não primou pela colaboração. Aliás, os toiros foram subindo de tom a
partir, apenas, do terceiro. Mesmo assim e sem grande matéria para brilhar, a
cavaleira desenvolveu onde lide agradável e marcada sobretudo pela classe que a
caracteriza, sem espalhafatos, tudo bem executado e com bom gosto. O público
esteve com Ana e a toureira deu aplaudida e merecida volta à arena.
Veio depois João Moura Caetano - para
rubricar aquela que era a sua última actuação de 2013, mais uma temporada de
triunfos em que consolidou a sua posição e se manteve por mérito próprio - e de
uma extraordinária quadra de belíssimos cavalos - entre os lugares da frente. E
Caetano fechou com chave de ouro (e que ouro!) mais um ano de êxitos.
Abriu praça com o "Zidane"
dando prioridade ao toiro, aguentando a investida até ao fim; seguiu o bailado
de maravilha com o extraordinário "Temperamento" e galvanizou o
público com o temple, a tranquilidade e a arrepiante serenidade com que torna
fácil o difícil. Foi um espanto!
Depois do intervalo - em que nos
corredores do Coliseu se prestou homenagem ao Maestro Bastinhas e também ao
presidente da Câmara, José Rondão de Almeida - e com a parada deixada bem alta
pelo primo, entrou em cena João Moura Jr., que este ano pouco foi visto em
arenas nacionais... mas que faz falta.
Lide primorosa, um assombro, praça em pé
- e fica assim tudo dito. Porque não há palavras que descrevam tamanho triunfo.
Se em Moura já dissera que em 2014 vai ser preciso (e bem preciso) nos cartéis
da temporada portuguesa, em Elvas reafirmou o jovem Moura que com ele as coisas
podem -e devem - ser diferentes.
Por fim e antes da apoteótica lide a duo
com seu pai, actuou Marcos Tenório. Com a raça, a verdade e a emoção que têm
marcado esta sua temporada de absoluta e inquestionável consagração. É um dos
grandes da época 2013. Está num momento "cumbre", triunfa com todos
toiros e encontra o êxito com que encaste lha saia. Foi uma actuação vibrante,
de emoção constante, variada e que deslumbrou.
No que à forcadagem diz respeito,
estavam em praça os consagrados Forcados Amadores de Évora e os cada vez mais
destacados Académicos de Elvas. Os toiros não fizeram mal, limitaram-se a
"empurrar" e por isso deram alguma emoção à intervenção dos dois
grupos.
João Madeira, dos eborenses, fez a
primeira e talvez mesmo a melhor pega da noite; pelo Grupo de Évora seguiu-se o
enorme Manuel Rovisco Paes, que concretizou a pega à terceira, reafirmando as
grandes qualidades e a raça que fazem dele um dos primeiros forcados do país;
por último, pegou Dinis Caeiro, à primeira, também numa rija pega.
Pelos forcados elvenses, pegaram - e bem
- David Barradas (à segunda), Joaquim Guerra (à primeira) e Afonso Martins, à
quarta tentativa, na mais complicada pega da noite.
Destaque-se a actuação e o desempenho de
todos os peões de brega, mas é justo que se ressalve a intervenção (já hoje
aqui referida) do veterano João José que, mesmo retirado das arenas há dois
anos, fez questão de marcar presença, outra vez vestido de luces, na festa dos
trinta anos de alternativa do Maestro a quem serviu ao longo de vários anos.
Nota altíssima, porque inteiramente
merecida, para a competente e aficionadíssima direcção de corrida desempenhada
por Rogério Jóia - que contribuiu em decisivo e também de forma notória para o
sucesso do espectáculo.
A corrida de Elvas fica na história. E
há-de ficar gravada na memória de Joaquim Bastinhas como a noite em que o
público da sua cidade - e não só - lhe tributou a mais bonita e mais sentida
das homenagens por um historial inigualável de trinta anos de glória nas arenas
e também de popularidade junto do púbico - que, repito, não tem nada, mas mesmo
nada, a ver com populismo e muito menos com "popularucho". Bastinhas
para sempre!
Não perca, já a seguir, a grande
reportagem de Emílio de Jesus desta memorável corrida em Elvas!
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com