Miguel Alvarenga - O colóquio sobre
Imprensa Taurina promovido pelo Grupo Tauromáquico "Sector 1" na
passada sexta-feira, na sua sede, em Lisboa, foi um serão agradável e animado,
com a sala cheia de bons aficionados e marcado, como era de prever (ou não seria?)
pela ausência de toureiros...
Durou três horas e um quarto, em clima
de cordialidade - sem lhe faltar alguma polémica por parte de todos os
intervenientes, o que é natural quando, como aconteceu, se põe o dedo nas feridas
e se fala frontalmente sobre um tema que é delicado - e foi interessante ouvir
as opiniões de quem está na escrita com profissionalismo e há largos anos,
sobretudo se atentarmos a que "la prensa", hoje em dia, em Portugal,
é de um amadorismo gritante... doa a quem doer e, pelos vistos, doeu muito à
triste Solange, que esta manhã voltou a querer dar nas vistas, pondo-se em
bicos dos pés e disparando impropérios em todas as direcções...
Entre a assistência, que encheu a sala,
estavam o antigo bandarilheiro e também ex-director de corridas Francisco
Farinha, Hélder Milheiro (da Comissão Executiva da Federação Prótoiro), o
forcado João Lucas, os apoderados Luis Miguel Pombeiro e João Anão e, além de
muitos aficionados, alguns jovens responsáveis por sites (poucos) e
praticamente todo o "Estado-Maior" da revista "Novo
Burladero", cujo director, João Queiroz, era um dos participantes,
juntamente comigo, com António Lúcio e José Cáceres e com o espanhol Álvaro
Acevedo.
Paulo Pereira moderou superiormente as
intervenções e atirou para a mesa pernitentes questões. Procurava-se entender o
estado actual da Imprensa Taurina em Portugal e Espanha, saber se andamos ou
não bem informados, se a amizade de críticos com toureiros influencia ou não a
sua escrita, se os críticos taurinos devem ou não ter um papel didáctico e
formador de novos aficionados, porque razões a imprensa generalista (os grandes
jornais, as rádios e as televisões) praticamente ignora a tauromaquia - e
outras coisas mais.
Fundamentalmente e depois de muitas
análises feitas pelos críticos taurinos participantes, a maior conclusão que se
tirou de mais de três horas de colóquio foi a de que, nos dias de correm, a
Imprensa Taurina em Portugal reflecte, sem tirar nem pôr, a própria Festa que
temos e é, por consequência, o retrato do estado em que a mesma se encontra -
trocando por miúdos, é desempenhada com um gritante e preocupante amadorismo,
muito por culpa da facilidade com que hoje, qualquer um, faz um site ou um blog
na internet e escreve sobre o que muito bem lhe dá na gana, inclusivé sobre
toiros e toureiros...
Não há hoje, como havia antigamente, um
jornalismo taurino praticado por jornalistas profissionais. Há, isso sim, alguns
jovens com vontade e que, nalguns casos sabem escrever e, noutros, percebem de
toiros (sem que, por norma, as duas coisas se conjuguem...) - o que é, a meu ver, altamente insuficiente para que se passa falar na existência de uma Imprensa Taurina a sério, pelo menos em Portugal. Não falo de Espanha, obviamente,
porque, como disse na sexta-feira no "Sector 1", considero que
comparar o mundo da tauromaquia em Espanha com o de Portugal é exactamente o
mesmo que comparar a Feira de Sevilha com a Feira do Relógio...
O tema principal era a crítica taurina,
mas é óbvio que, sobretudo no período de perguntas, a conversa descambou para
outras realidades e, nomeadamente, para a forma como se deixou perder a
tradição de bem montar e de bem trazer apresentados os cavalos, tema abordado
com entusiasmo e a usual pertinência pelo nosso amigo Guilherme do Sobral.
Falou-se também do classicismo dos "ferros ao estribo" e dessas
coisas e da evolução que teve a arte de tourear, havendo quem frisasse, por
exemplo, que hoje em dia há maior furor na bancada quando um cavalo morde o
toiro... falou-se dos toirinhos mansos que foram criados em encastes bondosos
para permitir a prática do "novo toureio", mas concluiu-se que, na
verdade, eles (toiros e toureiros que praticam essa "nova arte") são
quem enchem as praças e levantam o público das bancadas. João Queiroz lamentou
que se chame a isso "evolução", mas reconheceu que o público de hoje,
pouco entendido, enche mais facilmente uma praça com esses toureiros do que
propriamente com os clássicos praticantes do toureiro que nos foi ensinado
noutros tempos.
José Cáceres lamentou a ausência de
notícias taurinas nos grandes orgãos nacionais de Comunicação Social. E eu
respondi que isso se deve ao facto de a tauromaquia, hoje em dia, não ter
importância nenhuma, nem haver quem lha dê, através de marketing e promoção,
dentro do próprio mundo taurino. A verdade é que depois de Pedrito de Portugal
ter esgotado por duas noites o Campo Pequeno, há vinte anos e ter arrastado as
tias, os tios e até os políticos às praças para o ver, não aconteceu
absolutamente mais nada de relevante em Portugal nas últimas duas décadas...
Terminado o colóquio, houve
intervenções de alguns presentes. Como atrás referi, o popular Guilherme do
Sobral defendeu a necessidade de os cavaleiros se apresentarem em público sem
"martingalas" nos arranjos dos cavalos e teceu duras críticas à forma
como todos se apresentaram no recente festival de Vila Viçosa e sobretudo ao
facto de João Maria Branco ter recebido o toiro à porta dos curros "com a
jaqueta ao ombro"...
João Anão lamentou a falta de apoio dos
críticos à toureira que apodera - Joana Andrade - "por ser pobre" e
lamentou também ter conversado nessa tarde com um empresário que lhe disse que
"ela esteve mal em Mourão"...
João Lucas teve uma intervenção notável,
referindo que lera nesse dia numa revista duras críticas ao estado em que a
Festa se encontra e ao facto de o Campo Pequeno ir abrir a temporada com dois
espanhóis... informando depois que essa revista e esse escrito eram de há vinte
anos... o que prova que em duas décadas, tudo continua na mesma...
Valter Anacleto, jovem cronista que há uns
anos escreveu na revista "Novo Burladero" e hoje se encontra afastado
dos meios taurinos, confessou que "perdeu a aficion" e por isso se
foi embora e frisou, com alguma pena, que "tudo o que aqui se discutiu e
abordou hoje é exactamente o que se discutia e abordava quando eu cá
andava"... Realmente, a evolução em termos de tauromaquia tem sido quase
nula e o Valter pôr o dedo certo na ferida certa...
Resumindo e concluindo: valeu a pena e
há que aplaudir a iniciativa do "Sector 1" de trazer para a praça
pública a discussão de um tema que normalmente se não aborda, o estado da
Imprensa Taurina.
Como conclusões principais, tirei estas:
hoje em dia, as coisas estão como estão porque qualquer um escreve de toiros. Basta ter um computador e ter
internet. A maioria (há honrosas excepções) dos meninos e meninas que hoje se
assumem como críticos tauromáquicos, noutros tempos, nem paquetes seriam dos
grandes jornais onde escreviam grandes cronistas. Com raríssimas e também
honrosas excepções, a Imprensa Taurina é hoje um "clubezinho" de
aprendizes de Jornalismo que têm imensa boa vontade, mas que não chegaram a aprender nada; e reflecte o estado
de preocupante amadorismo que grassa na nossa Festa. A grande referência
continua a ser a revista "Novo Burladero", há mais de trinta anos nas
bancas, bem feita e bem escrita, bem ilustrada e bem paginada, fruto da persistência,
da carolice e da enorme aficion de João Queiroz. Àparte essa referência e,
modéstia àparte, há o "Farpas Blogue" (e podia haver muito mais, mas a verdade é que não tenho, infelizmente, concorrência à altura). A imprensa generalista está-se nas
tintas para a Tauromaquia e ignora-a, apenas e só porque a Tauromaquia não tem
importância, não se dá ao respeito (são mais frutíferas, parece, as
questiúnculas e as invejazinhas internas do que propriamente a promoção, o
marketing e a procura de engrandecer com seriedade este espectáculo e esta
arte) e não se sabe promover dignamente, antes pelo contrário, despromove-se
aos olhos do mundo com parvoíves, inconsequências, guerrinhas de bastidores,
invejas e gritantes dores de cotovelo de quem não tem importância nenhuma, mas
pensa que a tem...
Enfim, Imprensa Taurina propriamente
dita, não existe quase nenhuma. Há, isso sim, uns amadores que brincam ao
Jornalismo, que pensam que sabem de toiros e que fazem sites para depois pedir
senhas de trincheira aos empresários e fazer uma espécie de
"assessoria" aos toureiros que "valem a pena"...
Mas também não se pode exigir muito mais. A Imprensa Taurina é, repito, proporcional à Festa que temos. Como tive oportunidade de referir no colóquio, se já quase não há toureiros a sério e se já nem os toiros "metem medo", como se pode exigir uma crítica taurina à séria?... Temos o que temos - e aquilo que merecemos. E já não é mau...
Foto Fernando Clemente/cortesia
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