domingo, 22 de junho de 2014

A sequência dramática da colhida de "Nené" ontem em Alcochete

O brinde ao público de Alcochete
Cite garboso, praça em silêncio
Um valente forcado cobrindo com o seu próprio corpo o de "Nené"
Sequência dos momentos de angústia, aflição e dramatismo vividos na arena
de Alcochete, ontem, quando o antigo cabo António Manuel Cardoso "Nené"
sofreu violenta colhida ao tentar pegar o segundo toiro da corrida

Fortemente combalido, muito maltratado pelo toiro e com o braço esquerdo
já aqui amparado pelo bombeiro, "Nené" foi pelo seu pé para a enfermaria
A filha de "Nené", com o Avô, António José Pinto (de costas) e Carlos Ferreira,
quando esperavam notícias à porta da enfermaria. O ex-cabo dos Amadores de
Alcochete seria depois transportado ao Hospital do Barreiro, onde sob anestesia
lhe recolocaram o ombro no sítio. Imobilizado, teve alta ao final da noite e amanhã
vai ser examinado em Lisboa pelo Dr. Manuel Passarinho
Momentos de angústia: Maria Margarida, a filha de "Nené", à porta da enfermaria,
com seu Avô, Américo Carvalho, sogro do famoso forcado
Miguel Alvarenga - Fez-se na praça um arrepiante silêncio quando "Nené" colocou o barrete e citou o potente toiro da ganadaria Lopes Branco, segundo da noite, um "tio" com 515 quilos que acabara de ser lidado pelo cavaleiro Gilberto Filipe. Há muitos anos afastado das arenas, apenas dedicado aos apoderamentos e à actividade empresarial, António Manuel Cardoso pegara pela última vez naquela mesma arena, há três anos, na comemoração dos 40 anos do Grupo de Alcochete. Queria voltar a fazê-lo, sentia-se em forma e fazia gala de contar e mostrar aos amigos que não bebia nem fumava há mais de um mês, estava a preparar-se a sério. Aos 60 anos de idade, um filho já forcado no grupo (que o viria a dobrar e a brilhar com valente pega ao primeiro intento), "Nené" foi ontem a imagem da glória e do estoicismo de um forcadão que jamais foi de torcer, antes quebrar, que dos fracos não reza a história. Sabia ao que ia e tinha plena consciência, via-se-lhe no rosto e nos gestos, dos riscos que estava a correr. Mas foi. Por nada. Só pela vontade, pelo querer, pelo espírito de ser forcado para sempre. Esteve garboso e elegante no cite, como sempre estava. Toureiro na cara do toiro, recuando bem, fechando-se com decisão. Depois, sofreu um violento derrote e saíu pelo lado. Já no chão, o toiro foi várias vezes por ele, não o largou. Viveram-se momentos de angústia e dramatismo. Ainda tentou voltar, mas já não conseguiu. O ombro saira fora do lugar. Dorido, todo rasgado, vencido, mas não convencido, ingressou na enfermaria pelo seu próprio pé, enquanto nas bancadas o público se ia levantando e aplaudindo à medida que percorria a trincheira, amparado pelos bombeiros. O grande "Nené" foi ontem a imagem da raça de um Forcado que se não esquece. Esta manhã, telefonei-lhe. Disse-me que estava "todo partido" mas que daqui a dois anos, nos 45 anos do grupo, lá voltaria a estar. Antes quebrar que torcer.

Fotos M. Alvarenga