sexta-feira, 20 de junho de 2014

Grandes toiros, enormes toureiros e o despertar dos génios - ontem no Campo Pequeno




Miguel Alvarenga - Pouquíssimo público ontem no Campo Pequeno no terceiro espectáculo da temporada, depois de duas lotações esgotadas por cartéis altamente mediáticos. O festejo de ontem era de juventude, com nomes menos sonantes e há que reconhecer que a empresa, infelizmente, não o promoveu como devia, tendo-o inclusivé praticamente ignorado, ao publicitar, desde há duas semanas, no cartaz gigante da fachada da praça, a corrida do próximo dia 3 de Julho, esquecendo a novilhada. Depois, há outro factor que é importante ter em conta: quem enche hoje o Campo Pequeno é o chamado grande público e não propriamente o aficionado. E ao grande público, os nomes dos toureiros de ontem nada diziam, exceptuando o de Rouxinol (filho). A corrida (novilhada) de ontem era para aficionados. E já há poucos aficionados nesta terra...
Enfim, por tudo isto - e se calhar, mais alguma coisa... - a praça ontem registava uma fraquíssima presença de público nas bancadas, cerca de um terço das mesmas preenchido, se tanto. E foi pena, porque os que faltaram perderam aquele que é, para já, um dos grandes espectáculos taurinos do ano, daqueles que fazem novos aficionados.
Primeiro, porque foi brilhante e notável o comportamento geral dos seus novilhos/toiros da ganadaria dos grandes êxitos, a de Murteira Grave, que lidava pela terceira vez esta temporada e que uma vez mais levou à praça o Dr. Joaquim Grave para dar a volta à arena com José Garrido no final da lide do quarto (foto da direita). Um triunfo importantíssimo da ganadaria, a viver momento fora de série. Seis toiros, toiros mesmo (porque já vimos toiros anunciados sem o trapio, a presença, a codícia e a bravura destes seis novilhos que foram sempre "a mais"), de bandeira, que proporcionaram emoção e entusiasmo nas bancadas e muita arte na arena. O quarto, de nome "Palomo", superiormente lidado pelo espanhol José Garrido, foi aplaudido no final e pediram mesmo a volta à arena, que não chegou a dar, mas merecia. A novilhada de Murteira Grave foi a primeira grande triunfadora da nocturna de ontem no Campo Pequeno, deixando enorme apetite para a repetição da ganadaria no próximo dia 3 de Julho na 50ª Corrida TV. Mas houve mais triunfadores.
O toureio a pé tem adeptos - doa a quem doer. Desde que cuidado, como ontem acontecia, com boas ganadarias e bons toureiros. Ontem no Campo Pequeno, é preciso dizê-lo, o público vibrou e emocionou-se com a força e a arte de um jovem que já abriu a Porta do Príncipe em Sevilha, que no próximo dia 3 é repetido na Real Maestranza - e que na próxima semana toureia aqui ao lado, em Badajoz - e que caminha a passos largos para ser a grande figura do futuro em Espanha. José Garrido mostrou ontem em Lisboa a diferença, o querer, a vontade, o placeamento, o temple, a garra e o sonho de ser rico e se tornar famoso. Reúne todas as condições para chegar lá acima num ápice.
Toureou com imenso bom gosto o seu primeiro toiro, o "Pajaro", que saíu em segundo lugar e deu excelente jogo. Mas foi no segundo, o quarto, o "Palomo", que pôs a praça de pé, tal a raça, o mando, o temple, a força que imprimiu numa faena daquelas que mostram mesmo o querer de um jovem que esteve ali a dizer-nos que quer ser e vai ser um caso e um caso muito importante. Aqui está um toureiro que podia ajudar a levantar o gosto pelo toureio a pé em Portugal - assim o entendessem e o repetissem as empresas. Rui Bento sabe o que faz e certamente que o repetirá ainda este ano.
Diogo Peseiro, a jovem estrela da Academia do Campo Pequeno, não se ficou atrás. Tem azar de ser português e todos sabermos que, à partida, não chegará onde vai chegar Garrido, o que é pena, a não ser que haja um milagre como o que houve com Vitor Mendes, ainda e sempre, a última grande vedeta internacional do nosso toureio a pé. Sinceramente, acredito que Peseiro pode ir muito longe, até porque já tem dado nas vistas na vizinha Espanha.
Ontem demonstrou, uma vez mais, decisão e muita vontade, imensos progressos também, uma serenidade e um saber que já começam a notar-se em cada passe, em cada detalhe e, sobretudo, também, um querer muito, muito mesmo. Destacou-se ousadamente com as bandarilhas, esteve artista com o capote e entendeu os seus dois toiros com a muleta, mandando, templando, recriando-se. A decisão com que foi à porta da gaiola receber o seu segundo toiro, depois da fasquia altíssima deixada pelo importante triunfo de Garrido, demonstram bem a vontade que tem Peseiro de chegar longe. E a forma pouco ortodoxa com que no fim "entrou a matar", "matando-se", sem muleta e atirando-se que nem um leão para a cara do toiro, foram pormenores bem elucidativos das metas que pretende alcançar e dos patamares onde pretende chegar. Diogo Peseiro reafirmou ontem no Campo Pequeno que é, na verdade, a grande esperança da actualidade do nosso toureio a pé. Com essa "suicida" maneira com que entrou a matar, quis deixar algo diferente na sua passagem por Lisboa, quis dizer-nos que se íamos falar de Garrido também tínhamos que falar dele. É demonstrativo do querer e da ambição de um jovem que ombreava ontem no Campo Pequeno com um toureiro que se encontra uns bons patamares acima dele, mas que não quis ficar por baixo. Que Deus te acompanhe sempre, Diogo Peseiro. Vais longe! Muito, mesmo.
A cavalo e em desvantagem em relação aos companheiros de cartel, já que enfrentavam só um toiro cada, actuaram o praticante Manuel Vacas de Carvalho e o amador Luis Rouxinol Jr., a quem as autoridades não permitiram, ao abrigo das novas leis (ninguém as conhecia?...) que fizesse a prova para cavaleiro praticante. Permitam que diga, houve aqui um gritante e preocupante amadorismo de todos ao anunciar nos cartazes uma prova de praticante que, afinal, não podia ser feita. Os profissionais da nossa Festa - empresários, apoderados e os próprios toureiros - vivem há séculos iludidos com as facilidades do "deixa andar, que depois se resolve", mas as coisas não podem ser assim. Ao anunciarem, com a antecedência com o que o fizeram, a prova de praticante do jovem Rouxinol, teria sido de bom tom informarem-se primeiro se a mesma poderia ser feita ou não. Evitava-se assim aquela confusão de última hora - acontece sempre tudo à última hora... - do pode, não pode e do dúbio aviso afixado à entrada e que nos dava contas de que o toureiro continuava a ser amador "visto não ter sido autorizada pela IGAC a prestação da prova de praticante" (foto da esquerda), sem se explicar os porquês dessa não autorização.
Enfim, coisas à portuguesa, como o cozido e as sardinhas, mas que em nada alteraram o curso da brilhante trajectória do pequeno Rouxinol. Amador, praticante, que importa isso?, fechou a corrida com uma lide monumental, apoteótica, bem demonstrativa da Figura que vai ser. Luis Rouxinol Jr. optou por um estilo distinto do de seu Pai e isso só demonstra inteligência. Vai ser famoso não por ser "o filho do Rouxinol", mas por ser um toureiro que promete marcar. Deu mais força à lide, à brega, ao mexer com o toiro (não se admirem por chamar toiros aos novilhos, porque o eram, repito, muito mais toiros do que alguns toiros que se têm visto por aí) do que propriamente ao momento da reunião, do cravar, mas não houve nada a apontar na ferragem. Rouxinol esteve simplesmente apoteótico, assinou um dos grande triunfos "a cavalo" desta temporada. E pronto! Glória a um Toureiro que vai ser grande! Força, Luis!
Manuel Vacas de Carvalho abriu praça com uma bonita casaca azul e ouro. Abrir praça, sem o público ainda todo nas bancadas, com o público ainda frio, não é tarefa fácil. E o jovem clássico de Montemor, pupilo do que foi Mestre dos Mestres, o grande Luis Miguel da Veiga, ainda por cima, não esteve feliz na ferragem comprida, deixando três bandarilhas muito descaídas, o que tirou brilho ao início da lide. Depois recompôs-se nos curtos, entrou de frente e com a arte dos marialvas antigos, ouviu música e terminou com dois "violinos" de boa nota.
Os dois toiros a cavalo foram pegados pelos Amadores da Arruda dos Vinhos, ao primeiro intento e sem grande dificuldade, por Bruno Silva e Rodolfo Costa, este último na melhor pega. O grupo ajudou coeso e a passagem por Lisboa deste agrupamento de valor fica também marcada pelo êxito. Merecem vir um dia numa corrida "à séria".
Excelente e séria direcção do competente Manuel Gama, que ajudou e apoiou o triunfo dos toureiros com a usual competência e saber. Findo o espectáculo, o público ficou na rua a comentar as incidências de uma grande noite de toiros - pena, apenas, que tivesse tão escassa assistência. Joaquim Grave saíu mais uma vez em grande. A ganadaria Murteira Grave é a ganadaria do ano!

Não perca, mais logo: a grande reportagem fotográfica de Emílio de Jesus.

Fotos M. Alvarenga e Duarte Justino/aficionadosdeportugal.blogspot