Rigorosa, serena, aficionada, a direcção de corrida de Manuel Gama foi ontem meio caminho andado para o grande sucesso da noite |
Ventura fez definitivamente as pazes com o público de Lisboa. Reconquistou o Campo Pequeno, reconciliou-se com os directores de corrida, mas sobretudo protagonizou um triunfo memorável |
Miguel Alvarenga - Diego Ventura é quem
é e chegou onde chegou pelo seu imenso valor, esse valor que ontem deixou bem
patente no Campo Pequeno e a que não fazem falta malabarismos, jogadas de
bastidores, toiros enfeitiçados e jogos viciados como os que marcaram a sua
anterior apresentação nesta mesma praça e que tão mau ambiente deixaram à sua
volta.
Ontem, Ventura bateu os pés, aqui quem
manda e é figura sou eu, foi sózinho ao sorteio, não permitiu interferências de
ninguém e saíu à arena, parecia ele que trazia o diabo no corpo, decidido a
cumprir a suprema missão de reconquistar Lisboa, pôr os pontos nos iis,
reconciliar-se com quem estava de candeias às avessas - o público e os
directores de corrida, até mesmo a empresa - e triunfar numa praça que, doa a
quem doer, é muito mais do seu rival Hermoso do que sua. Mas conseguiu virar
tudo do avesso. E são gestos como este que marcam a trajectória dos toureiros
grandes. Ventura é um deles, sem dúvida alguma.
O ambiente inicial não era propriamente
favorável, o que se entende na perfeição, depois dos escândalos que marcaram a
anterior corrida de Ventura nesta praça. Houve assobios nas cortesias e na sua
entrada na arena, assobios aos bandarilheiros de cada vez que intervieram,
assobios a Ventura quando sofreu um violento toque logo no princípio da
primeira actuação. Mas, aos poucos, ele foi invertendo tudo.
A primeira faena foi "diabólica"
e o público terminou rendido. A segunda, com um toiro com muito mais presença,
a pedir contas e sem facilitar (nem cair...), foi enorme, primeiro com o cavalo
"Puerta Grande", depois com a égua "Milagros". Ventura foi
finalmente Ventura sem artifícios pelo meio - e Lisboa rendeu-se-lhe. O director de corrida Manuel Gama,
rigoroso, mas sensato, permitiu-lhe mais três ferros e a festa acabou em
grande, com uma segunda volta à arena acompanhado pelos cavalos e tudo! No
final, deitou-se para beijar a arena e o público explodiu numa estrondosa
ovação. Bom para Ventura, bom para o Campo Pequeno e bom, sobretudo, para a
Festa. A praça encheu à custa dele, na expectativa e na surpresa de ver o que
acontecia desta vez. A lotação não esgotou, havia sobretudo muitas barreiras e
contra-barreiras (os lugares mais caros) por ocupar, mas o Campo Pequeno
registou uma das maiores enchentes deste ano - e isso a Ventura se deve.
Os toiros de Herdeiros de Cunhal
Patrício tiveram excelente comportamento e deram bom jogo. Muito bom o
primeiro, apesar de pequenote, algo reservado o segundo (também pequeno),
fabuloso o terceiro, de boa nota o quarto, complicado o quinto (um
"toirão") e bom o sexto. Exceptuando os dois primeiros, os restantes
tinham inquestionável presença e trapio. Já vi ganadeiros chamados à arena por
muito menos - ontem, esqueceram-se desse pormenor...
Frente a um Ventura que ontem foi mesmo
um autêntico "furacão", eu diria mesmo, um "tsunami" de
proporções incalculáveis, Luis Rouxinol deu ontem o litro, como sempre, e logo
no primeiro toiro fez questão de dizer que se tinham ido ali para ver Diego,
também haveriam de sair dali a falar dele. Lide brilhante e reveladora da
imensa maturidade e maestria de um toureiro que nunca sai de uma arena vencido.
Esteve enorme e enorme voltou a estar no seu segundo toiro.
Filipe Gonçalves é um toureiro valoroso
e em fase de permanente afirmação, mas está ainda numa "galáxia"
inferior e ontem, no seu primeiro, acusou os nervos de querer superar o que não
se supera: as lides anteriores de Rouxinol e de Ventura.
No último da noite, começou por cravar
un fabuloso comprido de poder a poder, veio depois outra vez abaixo, mas
conseguiu subir o tom da sua actuação nos curtos e terminou com o adorno dos
"violinos" no cavalo "Xique", o que bate palmas, acabando
por conquistar também o público.
A noite de ontem em Lisboa ficou também
marcada pela extraordinária e elevada competição entre os grupos de forcados de
Santarém e de Vila Franca, que executaram seis "pegões" à primeira
tentativa - com destaque para todas as pegas, mas em particular para as duas
últimas, enormes, de António Grave de Jesus (Santarém) e Pedro Castelo (Vila
Franca).
Por Santarém foram ainda solistas
o cabo Diogo Sepúlveda (tecnicamente perfeito, numa grande pega) e António
Taurino (bem, emendando-se na cara do toiro e fechando-se com decisão); e por
Vila Franca, também abriu praça o cabo Ricardo Castelo (muito bem, como é seu
timbre) e pegou depois Bruno Casquinha (numa pega emotiva e poderosa). Os dois
grupos estiveram muito bem a ajudar.
O grupo de Santarém brindou uma pega a
Duarte Cortes, irmão do saudoso José Maria Cortes; e o de Vila Franca dedicou a
sua última intervenção ao companheiro Ricardo Patusco, vítima de lesão numa
perna por colhida na corrida do Colete Encarnado.
Numa noite de alguma (incompreensível)
hostilidade para com os bandarilheiros, ressalve-se as boas intervenções de
David Antunes e Josué Salvado, Paco Cartagena e Mário Figueiredo, Cláudio
Miguel e Duarte Alegrete.
A terminar, renovo os meus aplausos à
excelente direcção de corrida de Manuel Gama, assessorado pelo Dr. Carlos
Santana (de Évora), que foi meio caminho andado para o sucesso da corrida e
para a reconcilicação de Ventura com a aficion lisboeta. No início da corrida,
guardou-se um minuto de silêncio em memória de Francisco Lobo de Vasconcellos,
filho do ganadeiro do mesmo nome, que morreu terça-feira no Algarve, vítima de
ataque cardíaco.
Já a seguir, não perca: as pegas uma a
uma, os Momentos de Glória e o registo dos Famosos que ontem estiveram no Campo
Pequeno.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com