segunda-feira, 2 de março de 2015

Obrigado, Pai!

Brindando pela minha libertação com o meu Pai (a Maria Ana atrás) no dia em que
terminei a minha pena de prisão aos fins-de-semana (entrava ao sábado, saía ao
domingo) no Estabelecimento Prisional do Linhó. Em baixo, artigo publicado no
"Diário de Notícias" em Fevereiro de 2010


Em Março de 2011 terminei a minha pena (por um "crime" de "abuso de liberdade de expressão" motivado por um artigo que não escrevi, mas que assumi como director do jornal "Farpas", não denunciando o seu autor) de 54 fins-de-semana na cadeia do Linhó. Na altura, os meus companheiros de jornal fizeram-me uma surpresa e encheram duas páginas da edição dessa semana com artigos de amigos e familiares para assinalar a minha libertação e o final do cumprimento da pena. Houve dois em particular que me tocaram. O da minha querida filha Maria Ana e aquele que o meu Pai escreveu e que hoje, quando se assinala o 30º dia da sua partida, aqui quero recordar e partilhar com todos. Foi assim:

Meu bom, meu querido, meu filho muito amigo, Miguel

Escrevo-te hoje e só hoje, porque como sabes, nunca escrevi ou tive interferência nos teus jornais. Mas, hoje, escrevo para te falar de um facto que estás farto de conhecer, a solidarieadade, nunca é demais falar sobre este tema e a verdade é que, ao inscrever a mensagem que quero deixar-te, relevo, arrumo e questiono as minhas ideias. 
Com efeito já percorreste todos os caminhos normais, começaste muito cedo, muito cedo te tornaste um Homem. Lembro-te miúdo, no liceu D. Leonor, em Lisboa, lutando com 2 ou 3 amigos, contra infâmias e ideias subversivas que alguns marxistas, queriam inculcar nos miúdos e mais tarde, na Universidade.
Lutaste, com perigo, integridade, ousadia e algum sofrimento, contra tudo e contra todos. Venceste na execução dessa tarefa difícil.
Neste momento, terminas uma pena de prisão a que foste inocentemente condenado, pagando presumíveis erros cometidos por outros que, com a dignidade por serem teus colaboradores, teus dependentes, tu quiseste assumir.
É, por isso, altura de demonstrar publicamente o meu apoio e solidariedade perguntante, todavia, que mal tens feito ao mundo para a aplicação de tal justiça, para a injustiça resposta a um caduco delito de imprensa?
Pagaste... e bem, dirá, sem acreditar, a juíza! O preço esse, vai fazer parte da tua vida e também da minha. Fazes-me lembrar a caneta em prata que me ofereceste com a inscrição "aos seus 80 anos de luta". Este preço é, para mim, mais duro, porquanto não consegui auxiliar-te no combate que desenvolveste contra essa injustiça. Acompanhou-me sempre, porém, o conhecimento que tinha do teu ânimo, da tua coragem, da tua força moral face às tarefas difíceis em que foste envolvido. 
Perseguia-me a angústia, porém, não quis que tomasses consciência dela. Soube, sempre que ias reagir bem. "Talent de bien faire" transmitido, não se esquece facilmente...
Como já disse, tenho acompanhado a honestidade, o carácter, toda a dignidade com que tens vivido e sobrevivido à tua transformação plena num Homem sério.
Todos desejamos agora, renovada força, saúde e o dileto acompanhamento dos teus filhos.
Agradecendo a solidariedade manifestada por todos os teus amigos, um abraço bem apertado do

Pai

Foto D.R.