O ilustre ganadeiro António da Veiga Teixeira com sua Mulher e sua filha. Grande triunfador na sexta-feira em Montemor |
João Moura Júnior foi, de longe, o grande triunfador de Montemor e continua a distanciar-se, a léguas, do pelotão. É o primeiro e é a figura do momento |
João Ribeiro Telles encastou-se depois de ter sido colhido. Teve ferros de muita emoção numa tarde de muita decisão e muito querer |
Miguel Alvarenga - Nada acontece por
acaso e tudo tem uma explicação. A corrida de Maio em Montemor estava
esquecida, morta, enterrada e foi ressuscitada, regressou em grande força ao
calendário e se para o ano a repetirem volta de novo a encher, apenas e só, por
obra e graça de quatro jovens empreendedores que a decidiram voltar a pôr de pé
e, para isso, limitaram-se a fazer as coisas bem feitas. O que nem sempre
acontece. Afinal, nada é tão difícil e tão impossível como às vezes sustentam
os complicadinhos que julgam saber tudo e não fazem nada.
Bons toiros, que à partida dêm garantias
e assegurem a emoção - que é, não se esqueçam, a essência de tudo isto - bons
toureiros e bons forcados. E uma boa promoção, que foi o que eles fizeram. Já
lá vai o tempo em que as corridas eram promovidas com cartazes (sempre iguais)
colados nas paredes e nas estradas. Hoje tudo mudou. Os jovens organizadores da
corrida de sexta-feira em Montemor promoveram-na em grande, excederam-se mesmo - e bem. E nos
sítios certos. Resultado: praça cheia, como antigamente. E mais importante que
isso: uma data louvavelmente recuperada.
Por isso e antes de tudo, um olé muito
alto e muito grande para o empenho, para a seriedade, para a humildade e para a
lição que estes quatro meninos deram aos caducos. Olé, João Braga, João
Caldeira, Frederico Caldeira e João Cabral. Cá esperamos por vós em Maio do ano
que vem - outra vez em Montemor.
A praça não encheu apenas. Encheu - e
isso foi outro facto a ressalvar - de público "à antiga", gente do
toiro, gente da Festa, toureiros, empresários, forcados, aficionados de solera.
Houve um ambiente enorme. Como se viu e como ficou provado, não é preciso
"descobrir a pólvora" para ter sucesso empresarial no mundo da
tauromaquia. Basta só não fazer igual aos que fazem mal feito... e há tantos
anos.
Os toiros de Veiga Teixeira foram a
primeira aposta certa dos organizadores da corrida. Seriedade, trapio, verdade,
emoção - foi o que bastou e o que, à partida, estava garantido com a eleição
desta histórica ganadaria, a tal que "dá pesadelos" aos toureiros. E
que provoca suspiros na bancada. Houve toiros, houve sustos, houve seriedade no
espectáculo. E houve toureiros e forcados que lograram estar à altura de toiros
assim. Mas também aí havia garantias previamente asseguradas: três dos principais
cavaleiros da nova vaga, os dois melhores grupos de forcados.
João Moura Júnior confirmou tudo aquilo
que já mostrou no último ano e que já não é novidade nenhuma: dos novos, ele é
indiscutivelmente o primeiro, cavalga a passos largos para o trono, em Montemor
voltou a marcar a diferença e a sair triunfador. Há solidez, consistência,
maturidade, segurança e há, sobretudo, uma clara afirmação: Moura Jr. é a
figura do momento. Demonstrou-o em Montemor na forma como lidou os dois toiros
do seu lote, na forma como fez frente a deu a volta a toiros que pediam contas
e não tinha nada, mesmo nada, a ver com os "toirinhos da corda" que
tanto facilitam a arte em que ele é mestre. Moura Jr. pode com todos os toiros,
os fáceis e os duros. Está montado para isso e para tudo mais. E é essa raça, esse
momento de solidez que alcançou, que molda e caracteriza, foi sempre assim ao
longo da História, os grandes toureiros. Foi mais um passão em frente de João Moura Jr., a provar que se está a destacar a léguas do pelotão.
João Ribeiro Telles lidou em primeiro
lugar o toiro mais complicado da corrida, o segundo da tarde. Foi
aparatosamente colhido, podia ter sido uma desgraça. Saíu, ele o cavalo, ileso
do arrepiante acidente. Encastou-se e foi para a guerra, pôs "a carne toda
no assador", evidenciou todo o seu querer, mostrando que não anda aqui a
brincar. Pisou terrenos de compromisso, sabendo de antemão o quanto arriscava
diante de um toiro que não perdoava deslizes. Os ferros que cravou a seguir
deram a nota alta da ambição de um jovem que também quer marcar.
No seu segundo voltou a estar decidido.
Mesmo assim, eu sei que João Telles pode mais e tem que ser mais. Não atrasou
nem adiantou mais nada - mas todos sabemos que ele é muito melhor e que pode,
quando quer, estar muito superior ao que esteve em Montemor. Força, toureiro!
João Salgueiro da Costa é o eterno
praticante e é o eterno promissor. Sente-se que tem nas veias o sangue e a raça
do génio seu Pai. Também ele tem ferros que evidenciam um rasgo tremendo de
genialidade, como aqueles em que entrou pelos toiros dentro e disse bem alto
que "desta é que vai ser". As suas faenas têm sempre altos e baixos,
mas os baixos nunca são tão baixos e os altos são sempre altíssimos.
No último toiro da corrida, Salgueirinho
esteve ao melhor nível, com ferros "de parar corações", a deixar a
marca da casa. Espera-se mais deste toureiro e deste valor. Tem que caminhar
depressa para a alternativa. Não é só "mais um" e isso todos sabemos
desde que se apresentou em Lisboa.
A praça de Montemor é, foi sempre, um
santuário de grandes forcados. Voltava a disputar-se o troféu "Barra
d'Ouro". Podia ter ganho Santarém (e ganhou), podia ter ganho Montemor.
Não era fácil a decisão do júri. Ganhou Santarém, que cumpre este ano cem anos
de actividade ininterrupta. Não houve um único protesto. Ganharam,
principalmente, os forcados e ganhou a arte imensa destes dois grandes grupos.
Por Santarém, abriu praça o cabo Diogo
Sepúlveda. Com a arte, com o saber, com a técnica e com o coração que o
carcaterizam. Foi uma pega "de parar o trânsito", desde o garboso
cite, à maestria com que recuou e levou o toiro toureado, à reunião de braços e
pernas, à garra com que ficou na cara do toiro, depois muito bem ajudado por
todos os companheiros. Foi uma lição de bem pegar. Como o são sempre as pegas
de Diogo Sepúlveda - um forcadão.
António Grave de Jesus, outro
"compêndio" da nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros, foi autor
da segunda pega dos Amadores de Santarém, ao terceiro toiro da tarde. Enorme,
também. E o grupo, coeso, e oportuno, outra vez a ajudar muito bem.
João Brito, fortemente derrotado na
primeira tentativa, pegou com galhardia e decisão, à segunda, o último toiro
que cabia ao grupo centenário. E bem.
Pelos Amadores de Montemor, abriu praça
o cabo António Vacas de Carvalho e não se pode dizer que tenha estado bem ou
que os forcados "da casa" tenham iniciado da melhor forma esta
competição com os rivais ribatejanos. Consumou à quarta tentativa a pega ao
mais complicado dos Veiga Teixeiras, mas também Vacas de Carvalho complicou,
não foi só o toiro.
As duas pegas seguintes dos
montemorenses foram enormes e por intermédio, precisamente, de dois dos
organizadores da corrida, os grandes João Braga e Frederico Caldeira. Um e
outro estiveram como se deve estar na cara de um toiro. A citar, a recuar, a
fechar-se, a aguentar os derrotes, fechados que nem lapas, até o grupo chegar e
ajudar com decisão e a usual coesão. Muito bem Soller Garcia nas primeiras
ajudas.
Houve brindes de lado a lado e isso é
saudável. Competição, competição, amizade à parte. Santarém brindou a Montemor
e Montemor brindou a Santarém. Houve também brindes dos dois grupos ao irmão do malogrado cavaleiro desportivo Francisco Seabra, recentemente
falecido durante uma prova em Espanha. Houve brindes aos quatro organizadores
da corrida. Houve o brinde de Moura Jr. aos cabos dos dois grupos. E houve um
significativo brinde de um ferro por João Telles ao Mestre José Maldonado
Cortes.
A corrida decorreu com bom ritmo e sem
tempos mortos e Agostinho Borges dirigiu-a com a habitual competência. Excelente desempenho de todos os bandarilheiros, numa tarde em que o trabalho maior foi dos próprios cavaleiros, mas em que não se pode deixar de louvar a brega dos seus "braços-direitos", todos, sem exepção.
O público saíu da praça radiante - e
quando assim é, ganha a Festa e sai enaltecida a arte tauromáquica.
Recolocou-se no calendário taurino nacional uma data tradicional que perdera a
tradição e, por isso, nunca será de mais aplaudir o excelente trabalho desenvolvido
pelos quatro jovens "empresários" - que era bom que continuassem a
organizar corridas. Só ganharíamos com isso. À Festa - e, principalmente, aos
"velhos do Restelo" - eles deram uma verdadeira lição. Não é difícil
ter sucesso neste mundo da tauromaquia. Basta, repito, saber fazer as coisas
bem feitas. Parabéns aos quatro.
Hoje, aqui, não perca: os momentos altos da corrida, as pegas uma a uma, o esplendor e os Famosos numa grande tarde de toiros - uma foto-reportagem de Maria João Mil-Homens.
Fotos Hugo Teixeira e Maria João Mil-Homens