Miguel Alvarenga - Tocou o telefone, era o Pedro Gonçalves. Eu acabadinho de chegar de Istanbul e logo uma notícia destas. Taurinamente, contam-me, a semana foi pacífica. Mais corrida, menos corrida, uma que não se realizou em Viana do Castelo e ainda uma agitadíssima assembleia-geral da Associação de Forcados. Pouco mais. Muito pouca coisa numa semana em que a grande expectativa está centrada na próxima, no mano-a-mano Moura/Telles de quinta-feira em Lisboa, na Feira de Montemor, na corrida do regresso de Francisco Cortes a Estremoz.
Tudo calmo e sem alvoroços. Menos o teu, Filipe, que partiste assim tão de repente na madrugada de hoje, sem tempo sequer para um último abraço, um último copo que fosse, como tantos que bebemos juntos ao longo de muitos anos.
Guardarei de ti a imagem que era a de teu Pai, o velho e tão querido Joaquim de Oliveira. Pacato, discreto, sempre ao lado de teu irmão Manuel Jorge naqueles anos quentes dos anos 70 e 80, era ele primeiríssima figura e tu andavas de praça em praça a torcer por quem tinhas que torcer nas grandes competições daquele tempo, sem nunca da tua boca ter ouvido qualquer comentário menos favorável ou menos agradável sobre nenhum dos que com teu irmão rivalizavam, sem nunca ter dado por ti em nenhuma polémica, em nenhuma questiúncula. Mantinhas e mantiveste até ao fim a serenidade de quem sabia estar no seu lugar - e eras sempre igual a ti mesmo. Aprendeste de teus Pais a educação, a cordialidade, a amabilidade, o saber estar com que passeaste uma vida inteira pelas trincheiras das praças de toiros, sem nunca procurar protagonismo, sem nunca te tentares evidenciar. A única coisa que te roubava o ar discreto e afável com que sempre pretendeste andar na sombra, à margem dos holofotes, era mesmo o charutinho característico que te acompanhava permanentemente - e marcava a tua diferença. Sim, que neste conturbado mundo dos toiros, tu foste um Homem diferente. Como o foi teu Pai. Como o é o Manuel Jorge, como o são os teus filhos.
Lembro-me de tanta coisa, Filipe - e não me lembro de nada. Tenho as ideias baralhadas, não quero acreditar no telefonema do Pedro Gonçalves. Que tinhas vindo ontem de um jantar de amigos, que chegaste a casa e sofreste um ataque cardíaco e que acabou assim tudo de repente, Filipe, que coisa tão estúpida, que coisa sem sentido.
Eras um homem do campo, do toiro, do cavalo. Andaste uma vida ao lado de teu irmão, acompanhaste com entusiasmo e sempre com uma palavra de incentivo, um ensinamento, um sorriso que dizia tudo, as carreiras de todos os jovens que receberam ensinamentos do saber do Manuel Jorge e se fizeram também eles toureiros. Ultimamente, vivias com intensidade os triunfos de teu filho Joaquim, um dos melhores bandarilheiros do momento - e andavas outra vez orgulhoso com mais uma carreira de sucesso a deslumbrar-te, a do teu outro filho, o João Filipe, a dar os primeiros passos na mesma arte do irmão.
Morreste sem sofrer, assim de repente. E essa é a única consolação que podemos todos ter, os teus familiares, os teus amigos, todos aqueles que tiveram a honra e o orgulho - que era mesmo uma honra e um orgulho - de te ter conhecido, de contigo ter repartido alguns momentos, poucos que fossem, das suas vidas.
Vou ter saudades. De tudo. Dos nossos tempos primeiros, tu menino e moço, em todas as praças deste país, ao lado do Manuel Jorge, eu a começar nestas andanças do jornalismo, sei lá, Filipe, tanta coisa. Gostava de te ter dado um último abraço. Mas sei que o farei um dia.
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com