Momentos das actuações de João Ribeiro Telles ontem no Campo Pequeno, sobressaindo em ferros de muita emoção e a entrar pelos toiros dentro, em terrenos de muita verdade |
Miguel Alvarenga - Embora o mano-a-mano
tenha acontecido na hora e no local exactos, a verdade é que o público
aficionado não correspondeu como se previa - e mais que isso, se exigia -
ocupando apenas dois terços das bancadas do Campo Pequeno para assistir ontem à
noite ao duelo entre João Moura Júnior e João Ribeiro Telles, sem margem para
dúvidas, os dois cavaleiros mais destacados nesta temporada de 2015.
Em termos de público e de aficion (que é
feito dela, que é feito do entusiasmo que outrora acelerou paixões e dividiu
falanges em torno das competições Núncio/Simão, Batista/Veiga e outras? Ou
mesmo Moura/Telles, quando protagonizada pelos Pais dos dois jovens
cavaleiros?), perdeu-se uma oportunidade enorme e, talvez mesmo, única, de dar
um outro ânimo aos toureiros (uma praça esgotada ou cheia incentiva muito mais
um artista) e proporcionar uma noite muito mais redonda e apoteótica do que
aquela a que assistimos. Este foi o primeiro desaire do mano-a-mano.
O outro foi o quase empate entre os dois
toureiros. Já não há mano-a-manos como os de antigamente. O de ontem foi, em
termos artísticos, meio sonso e sem a picardia que se impunha. Ninguém comeu
ninguém, não houve um vencido e um vencedor, como também é exigível e se impõe
num duelo deste tipo entre dois toureiros que discutem entre si, ou deveriam
discutir, a supremacia. Moura não pregou um banho a Telles e Telles também não
pregou um banho a Moura. Andaram ela por ela. Houve momentos em que Moura
reafirmou clara e determinantemente a incontestável liderança desta temporada e momentos em que Telles a
ameaçou muito seriamente.
Só "arrearam" nos últimos toiros...
Só "arrearam" nos últimos toiros...
Faltou aos dois a raça, a garra e o
espírito de vencer dos toureiros de antigamente, dos mano-a-manos de outras
eras (e foram tantos... e tão bons). Só mesmo nos últimos toiros de cada um se
empenharam mais a fundo, estilo como quem afirma: "afinal estamos aqui e
viemos para guerrear". O que Moura fez no quinto da ordem, esperando-o
sózinho no centro da arena numa emotiva sorte de gaiola; e o que Telles fez no
sexto, também indo buscar o toiro à porta dos currais... deveriam tê-lo feito
logo nos primeiros toiros. Deveriam ter dado, logo a abrir, o mote da
competição que afinal, só se acabou por sentir nas últimas lides de cada um.
Faltou-lhes qualquer coisa para que a noite, o duelo, o confronto, a competição
tivesse tido o sabor e a emoção que, nas primeiras quatro lides, não se chegou
a sentir, parecia uma corrida vulgar, depois de se ter feito um alarido tão
grande e tão bem promocionado em torno de um mano-a-mano que, na verdade, era
por muitos esperado.
E quando tudo acabou, atravessaram
juntos à arena no final (foto ao lado) e foram calorosamente aplaudidos pelo público, assim
como quem diz estiveram os dois benzinho, mas não houve um que se destacasse
mais que o outro.
João Moura Júnior leva, de longe, a
dianteira do pelotão nesta temporada de 2015. Desde a primeira actuação (no
festival de Vila Viçosa) tem vindo a arrear forte em todas as praças e ninguém
tem dúvidas (ou tem?) de que é, até ao momento, o cavaleiro mais "à frente"
desta época. João Telles teve um início meio irregular e só nas últimas
corridas veio por aí acima, em força, tornando-se mais ou menos uma ameaça à
liderança de Moura, mas ainda não foi desta que o destronou.
Uma coisa é certa e ontem foi claramente
reafirmada: apesar dos importantes triunfos que outros cavaleiros têm tido,
Moura e Telles são, até pelos palcos que têm pisado e ontem têm triunfado, os
dois mais destacados da temporada de 2015. E constituem, sem dúvida alguma, a
parelha que pode voltar a suscitar entre os aficionados a paixão que Núncio e
Simão, Batista e Veiga provocaram, a seu tempo, na tauromaquia nacional.
São dois toureiros de estilos distintos
e que se completam. Em Moura sobressai acima de tudo a arte e o temple, a
brega, a forma como mexe com os toiros, fazendo o difícil parecer fácil; em
Telles destaca-se a classe, a arte, a veia artística de um toureiro de bom
gosto e de toureio ousado.
Moura pôs ontem o público em alvoroço
muoto mais quando ladeou, quando interptetou a "hermosina" a
milímetros do toiro, causando emoção e grande impacto nas bancadas. É o toureio
mourista, o temple e a raça que trazem a marca da casa.
Telles teve os melhores momentos a
cravar, destacando-se em diversos ferros, nas três lides, de parar corações e
arrepiar, pela forma como esperou, consentiu e depois entrou pelos toiros
dentro.
Triunfo dos ganadeiros
Triunfo dos ganadeiros
Há que aplaudir os dois toiros de cada
ganadaria que ontem sairam à arena do Campo Pequeno - de Pinto Barreiros, de
Murteira Grave e de António Charrua - que, a meu ver, mereciam, pelo excelente
comportamento e pela seriedade que impuseram, no final a chamada à arena dos
três ganadeiros. Foi outra falha que é preciso lamentar.
João Moura abriu praça com um fantástico
toiro de Charrua, que investiu de todos os lados com alegria e emoção e só foi
pena que o público e o próprio toureiro estivessem ainda algo frios para que
dali tivesse saído uma lide redonda. Mesmo assim, Moura empolgou com a forma
como bregou, como se recortou e como cravou.
O seu segundo toiro (terceiro da noite)
era de Murteira Grave e foi um toiro muito sério, mas mansote e, por isso,
complicado e sem facilitar. Reservado, esperava e acudia ao chamamento do
cavaleiro com más intenções, para "comer tudo". Foi o toiro mais
difícil da noite e com ele Moura pôde dar conta da sua maestria, da sua
maturidade toureira e da grande forma em que se encontra, ele e os seus
cavalos. Foi uma lide esforçada, de imenso valor e de muito empenho para dar a
volta a um toiro que não era, nem de perto, nem de longe, muito pelo contrário,
uma pêra doce.
O último que enfrentou, o quinto, era de
Pinto Barreiros e proporcionou a Moura uma actuação genial, apenas manchada por
duas ou três passagens em falso e pelo falhanço incrível do primeiro curto.
Recebeu-o Moura com uma arrojada sorte de gaiola (que não é seu costume e
executava, salvo erro, apenas pela segunda vez, fê-lo ali há uns anos no
mano-a-mano com Ventura) a demonstrar afirmação e querer. O segundo ferro
comprido, de praça a praça, a consentir barbaridades, foi um verdadeiro assombro
e causou a primeira grande explosão da noite nas bancadas. Terminou com
palmitos, a primeira série em sortes de "violino", que causaram
verdadeira apoteose na praça e fizeram terminar em beleza e em grande a sua
participação na corrida de ontem.
Aliás, repito, foi nos seus últimos
toiros - quinto e sexto, respectivamente - que Moura e Telles mais deram tudo
por tudo, mais se empenharam e mais arriscaram, estilo "agora é que vão
ser elas", depois de nos primeiros terem apenas andado bem, muito bem mesmo
em algumas ocasiões, mas sem romperem em definitivo.
Foi no último da noite, um Murteira
Grave de grande qualidade e sério comportamento, que João Telles pôs a carne
toda no assador, sofrendo mesmo um forte encontrão e falhando a seguir um
ferro, certamente por nervosismo causado pelo violento toque. Mas recompôs-se e
terminou em grande com um "violino" de adorno, a culminar uma
actuação com ferros de grande valor e redobrada emoção.
O primeiro de Telles (segundo da noite)
era um toiro de Pinto Barreiros, que deu também excelente jogo e que o
cavaleiro aproveitou da melhor forma, com grandes pormenores de brega e
emocionantes ferros, sobretudo os curtos, vencendo o piton contrário e causando
enorme impacto e muitos suspiros nas bancadas. Foram ferros de parar a
respiração pela verdade e pela ousadia do jovem cavaleiro.
O seu segundo toiro (quarto da ordem)
foi outro excelente exemplar da ganadaria Charrua, sem contudo transmitir
muito, mas que proporcinou a João Telles mais uma empenhada actuação, voltando a
marcar terreno na ferragem curta em sortes de grande emoção.
Duelo aquém do que se esperava...
Duelo aquém do que se esperava...
No contexto final, espremendo todo o
sumo das seis actuações, não seria justo proclamar um triunfador absoluto, um
que tivesse superiorizado o outro. O duelo foi aguerrido, mas acabou por deixar
tudo como estava: João Moura Júnior permaneceu, pela trajectória que vem
desenhando desde o primeiro festejo em que participou este ano, como líder
incontestado da presente temporada; enquanto João Telles se consagrou/reafirmou como um
toureiro em plena fase de afirmação, sem andar para trás, antes pelo contrário,
de regresso aos grandes triunfos que alcançou em 2013 e depois não repetiu em
2014. É, sem dúvidas, a maior e mais séria ameaça ao trono onde se sentou Moura
e ambos formam, também sem quaiquer dúvidas, a parelha de grandes triunfadores
da actualidade. O mano-a-mano serviu para confirmar tudo isso - mas em termos
de "guerra", ficou algo aquém do que se esperava, do que se impunha e
das expectativas geradas pela fasquia bem alta em que este confronto tinha sido
posto pela brilhante campanha de marketing que se desencadeou nos dias que
antecederam a corrida.
Uma palavra de destaque para as intervenções dos seis bandarilheiros em praça, pelo elevado profissionalismo que demonstraram: Diogo Malafaia, Jorge Alegrias e Benito Moura, João Curto, Nuno Oliveira e Duarte Alegrete.
Resumindo e concluindo, afinal quem
manda aqui? Continua a mandar Moura, mas Telles ameaça seriamente, poder vir a
destroná-lo nos próximos confrontos (penso que não haverá mais nenhum este ano
e é pena que não se dê mais continuidade à competição desta dupla, porque é
destas "picardias" e destas rivalidades que renascem as paixões e as
grandes emoções nas arenas). Um e outro estão em grande momento. Um e outro são
grandes Toureiros e dignos seguidores da história que seus Pais escreveram por
aqui, nas nossas praças e no nosso país.
E foi assim a nocturna de ontem no Campo
Pequeno, uma corrida bem dirigida, com aficion, competência e rigor por Pedro
Reinhardt, que teve ritmo e momentos empolgantes e da qual o público saíu
satisfeito - embora se esperasse qualquer coisa mais. Para ser uma noite
redonda, teriam que ter saído os dois em ombros, ou um que fosse, pelo menos
para se poder dizer e escrever que tinha havido um claro vencedor, um
triunfador. Mas a verdade é que não houve. Houve dois. E tudo ficou, afinal,
como estava...
Nota - Do êxito e do também grande
confronto entre os dois grupos de forcados - Santarém e Montemor - já aqui se
disse tudo anteriormente (ver foto-reportagem publicada há momentos, com o
filme das seis pegas), pelo que se torna desnecessário repetir.
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com e Maria João Mil-Homens