Há dois meses, o regresso à trincheira do Campo Pequeno, 24 anos depois, com o clã Salgueiro da Costa |
"Cachapim" com António Paes de Sousa, antigo sócio de seu pai, Quintano Paulo |
Há uns bons anos, em Valada do Ribatejo: "Cachapim", Luis Domecq, João Salgueiro e Miguel Alvarenga |
Com Bernardo Zoio, filho de José João Zoio; e, em baixo, um bilhete da corrida de despedida do saudoso cavaleiro, há 24 anos, no Campo Pequeno (24 de Setembro de 1992) |
Vinte e quatro anos depois, José Manuel Ferreira Paulo, o empresário eborense que todos conhecem por “Cachapim”, voltou à trincheira da Campo Pequeno. Depois de aí ter sido empresário durante cinco anos (como sócio da SAT, com seu pai, Quintano Paulo e Paes de Sousa e com Fernando Camacho, Jorge Pereira dos Santos e Mário Freire, no início dos anos 90)) e, como ele diz, “fui mesmo empresário, não andei a brincar aos empresários”. Voltou à trincheira da primeira praça do país há dois meses, na corrida de homenagem a Mestre Luis Miguel da Veiga, como apoderado, posição que não quer admitir, do filho de um dos Toureiros que apoderava, nessa que foi a sua “última” corrida, o cavaleiro João Salgueiro da Costa. O que sentiu, o que está para vir, porque voltou a ser apoderado e o que pensa da Festa actual - temas para uma entrevista meio polémica - esta - onde diz de sua justiça com a frontalidade que todos lhe reconhecemos. “Cachapim” por si próprio.
Entrevista de Miguel Alvarenga
- O que o fez voltar?
- Fez-me voltar um Amigo. Há alturas na vida em que não se pode virar as costas. E mais ainda quando pensas que podes aportar um grãozinho de areia para contribuir a concretizar o sonho de alguém. Resisti a vários convites, mas o facto de me rever desde sempre na tauromaquia que penso que o João tem para dar, foi preponderante. Afirmei sempre em privado e em público que lhe via esse potencial, mas que não me revia na sua orientação. Se bem se lembram, escrevi- lhe uma carta aberta que tiveste a amabilidade de publicar, em que advertia que as coisas não iam no melhor caminho. Mas passado é passado e, como muito bem se diz, não se vive do passado, mas pagamos as facturas dos erros desse passado… Respondendo concretamente: fez-me voltar o facto de acreditar que o João vai ser figura do toureio.
- O que se sente ao regressar à trincheira do Campo Pequeno vinte e quatro anos depois?
- Por mim, não senti nada. Não vivo agarrado ao passado, como nessa altura não vivia agarrado ao lugar. Mas posso dizer que senti uma angústia enorme pelo João, pelo que representava essa corrida para ele e para o seu futuro. Não foi a sua melhor actuação, mas esteve a um muito bom nível, e tendo em conta a maneira como estava a decorrer a sua temporada, foi um verdadeiro virar de página. Era importante que acontecesse.
- Na última noite que tinha estado na trincheira da praça de toiros do Campo Pequeno foi como apoderado do João Salgueiro (pai) e do José João Zoio naquela que foi a sua despedida do toureio. O que sentiu e que coisas recordou neste regresso ao mesmo local?
- Senti que fui um privilegiado. Apoderar esses dois monstros da tauromaquia e ser o organizador dessa corrida e também empresário da mesma, foi inesquecível. Foi um cartel que idealizei: Zoio, Moura, Salgueiro e a prova de praticante do Francisco Núncio, foram muitas emoções. Ver o Zoio encerrar a sua carreira com duas actuações que foram duas lições do que é, ainda hoje, tourear a cavalo, foi inesquecível. Foi um recordar de emoções das fortes.
- Porquê apoderar o João Salgueiro da Costa e não outro ?
- Como já disse, a um amigo não se pode dizer que não em certas circunstâncias da vida. E mais ainda quando tu pensas que podes ser útil e ajudar no que te pedem. Pesou também o facto de ele ser a meu ver um potencial daquilo que entendo dever ser o toureio nos dias de hoje. Não há duvida que houve uma evolução, a meu ver excessiva, dos adornos e da insistência das passagens em falso e das batidas e do piton contrário a uma distância do toiro que não emociona. E porque pesa muito, foi-se perdendo a emoção no momento do ferro. E é disso que está pobre a nossa Festa. E o público é disso que gosta, porque quando há um ferro de verdade as palmas são outras e são espontâneas. Foi o João porque acredito que ele pode ser um toureiro diferente, juntando a tauromaquia moderna com a emoção de outros tempos. E é nesse caminho que nesta meia temporada o tenho visto evoluir. É um caminho que não é fácil. Mas sabemos de onde partimos, o que fazer, o que nos falta e onde chegar. E como acredito, aceitei.
- Que papel tem afinal nessa relação, uma vez que não se assumiu como apoderado?
- É uma “joint venture”. Não é um apoderamento porque ultrapassa aquilo que eu entendo que é um apoderado. Definimos uns moldes e actuamos dentro disso. Aquilo que um apoderado tradicional faz é fazer contratos e só fiz um. Temos uma relação moderna e uma forma não convencional de andar nisto. Acredito que o João vai dar a volta à sua carreira. Se o Manzanares esteve para se retirar e conseguiu ser figura do toureio, o Espartaco e o Ortega Cano para irem para bandarilheiros… o João vai ser figura do toureio. E eu estarei enquanto ele quiser, eu me sinta bem e útil e entenda que a minha maneira de ser não o prejudique, porque mudar… não mudo… mas antes que isso aconteça, já lá não estarei.
- E como encontrou a tauromaquia?
- Menos emoção, mais folclore e muitas trocas de cromos e isso não é bom. Os toureiros acomodam-se e não vêem os triunfos ser recompensados porque impera o pagamento de favores. E a falta de palavra de alguns engravatados. Não se tem em conta quem anda bem. Uns toureiam porque gastam os últimos tostões que têm a pagar a um empresário/apoderado e tudo isto faz com que não se sinta competição na praça. Mais parece um encontro de comadres… Hoje em dia não é preciso triunfar para ser contratado. Os toureiros que têm apoderados que são empresários, basta cruzarem os braços que as corridas aparecem... nas praças de outros empresários que também são apoderados e que fazem trocas com o dele, vive-se um momento de troca de favores e de benefício de influências, hoje ninguém é repetido por triunfar nem ninguém precisa de lutar por um contrato, eles estão feitos à partida no primeiro dia do ano para a temporada inteira... Mas também encontrei gente séria, à antiga. Mas isso será tema para outra conversa… pode ser que um dia voltemos aqui a falar.
Fotos Emílio de Jesus e D.R./Arquivo