Campo Charro, Salamanca, ontem. Tenta com temperaturas a rondar os graus negativos na ganadaria El Sierro, com ambiente aquecido pela arte de Juan del Álamo e do português João Silva "Juanito" |
Os ganaderos Ignacio e Luis Sánchez Urbina com o matador Juan del Álamo, Miguel Alvarenga e Rui Bento, ontem na tenta de El Sierro no Campo Charro em Salamanca |
Um detalhe de muleta do jovem Ignacio Sánchez Giralt, filho do ganadero Ignacio Sánchez Urbina e que se está a destacar como ilustradoer na nova revista espanhola "Monosabio", acaba de sair |
Miguel Alvarenga - A herdade (finca) da famosa ganadaria de El Sierro, uma das principais e das mais antigas do Campo Charro, por diversas vezes distinguida como triunfadora da temporada na Monumental de Barcelona e noutras, fica a meio caminho entre a fronteira de Vilar Fomoso e a cidade espanhola de Salamanca, a dois passos de Ciudad Rodrigo - onde ontem as temperaturas rondavam os graus negativos.
Mas nem o frio - de rachar, mesmo de rachar - impediu a realização da tenta cujo ambiente foi aquecido pelas brilhantes actuações do matador espanhol Juan del Álamo (apoderado por Rui Bento e que foi um dos triunfadores da última temporada no Campo Pequeno) e do valoroso novilheiro nacional João Silva "Juanito", ambos em preparação para o Festival de Figuras do próximo dia 4 de Fevereiro em Mourão.
Foram lidadas seis vacas com casta e "gatos na barriga", boas na minha modesta (e, certamente, menos entendida opinião), "más" na compreensível exigência de levar a ganadaria ao topo, pelos simpáticos proprietários, os irmãos Luis e Ignacio Sánchez Urbina, dignos seguidores do trabalho brilhante e frutífero construído e edificado por seu pai, Luis Sánchez Ortiz de Urbina, que a fundou em 1973, primeiro com reses de Moreno Yague e Samuel Flores até as substituir em 1977 por vacas e sementais de Atanasio Fernández.
As reses encontram-se hoje em um dos três quartos em que está actualmente dividida a finca Sepúlveda de Yeltes e onde num outro quarto da herdade pasta outra ganadaria conhec ida e independente, a que se anuncia com o ferro de Sepúlveda.
As seis vacas, mesmo algo complicadas, permitiram a Juan del Álamo e a "Juanito" bonitos detalhes e pormenores de arte e poderio. A terceira, a mais "danada" das seis, saíu a pedir contas e ainda bem que assim foi, pois com ela Juan del Álamo demonstrou o grande momento em que se encontra para fazer face aos muitos compromissos da próxima temporada. Num ápice, com denotado poder e muita sabedoria, o toureiro salmantino "deu-lhe a volta" e pô-la a investir na perfeição, acabando por sacar bonitas e profundas séries de muletazos, construindo uma bela faena, à partida impossível.
Nas outras duas, quer de capote, quer de muleta, Juan del Álamo evidenciou uma notável evolução e um momento alto, confirmando todas as expectativas com que a aficion espanhola o olha nesta que será certamente a temporada da sua definitiva consagração como um dos toureiros da linha da frente.
O português "Juanito" é, porventura, um dos novilheiros mais bem preparados da actualidade, pelo que não se avizinham difíceis os grandes compromissos que vai ter esta temporada, começando por Mourão e por Olivença e passando depois pelas catedrais sagradas que são Sevilha e Las Ventas, Madrid.
É um toureiro de raça, tem o temple e a arte dos eleitos e o seu toureio tem duende e, sobretudo, denota muito querer e uma imensa atitude. "Juanito" há muito que deixou de ser uma promessa para se transformar numa certeza das mais certas que nos últimos anos surgiram no que ao toureio a pé nacional diz respeito.
De muleta na mão, aproveitou também para nos mostrar os seus dotes o jovem Ignacio Sánchez Giralt, filho do ganadero Ignacio Sánchez Urbina e que está a fazer furor com os seus dibujos (ilustrações) na nova revista espanhola "Monosabio", não estando afastada a hipótese de este ano os expor em Lisboa, na praça do Campo Pequeno, na temporada do 125º aniversário da inauguração da praça, que além das tradicionais corridas de toiros vai ter também inúmeros eventos culturais a assinalar a efeméride.
A atitude lembrada de um Toureiro
Finda a tenta e quando já estávamos todos praticamente congelados, os ganaderos fizeram jus à sua arte de bem receber e brindaram-nos com um fantástico almoço que incluiu algumas das mais famosas iguarias gastronómicas características daquela zona.
A conversa fluiu em animado e agradável convívio e não resisto a partilhar aqui um episódio recordado e que só enaltece a humildade e a grandeza de um Toureiro chamado Rui Bento Vasques e que ali, nas terras de Salamanca, viveu vinte anos da sua vida, nos seus tempos de novilheiro e depois matador de toiros.
- O melhor toiro que toureei na minha vida foi precisamente da vossa ganadaria de El Sierro, aqui em Salamanca, na tarde em que dei a alternativa a Julián Guerra... mas não o matei! - lembrou Rui Bento.
- Pois não... e às duas da manhã telefonaste a meu pai a pedir-lhe desculpa por não ter conseguido matar o toiro... ele nunca mais se esqueceu - recordou Luis Sánchez Urbina.
- A essa hora, já devia ter bebido uns copitos, mas não quis deixar de fazer o que sentia na alma e telefonei ao vosso pai a pedir desculpa por não ter morto o toiro, que foi magnífico e se o matasse teria sido muito bom para mim e para ele, para a ganadaria - lembrou Rui Bento.
- Mas com copos ou seu copos, a realidade é que tiveste essa atitude. O nosso pai nunca a esqueceu e poucos toureiros a teriam tido - acrescentou o ganadero.
Uma hitsória, um episódio, que atesta a grandeza e também a humildade de um Toureiro que, por essa e por muitas outras razões, viria anos mais tarde a ser chamado para gerir a praça do Campo Pequeno, onde está há dez anos e onde continua a ser, de facto, o Homem certo no lugar certo.
Fotos M. Alvarenga