quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Vergonha em Vila Franca: borregos em vez de toiros... e um êxito magistral de João Telles com o único toiro a sério!

João Telles quase não chegou a lidar o seu primeiro, o tal borrego inconcebível
de Santa Maria. No segundo, um Passanha com 550 quilos, abriu o livro e foi uma
verdadeira loucura, empolgando (e acalmando) o exaltado público de Vila Franca
Mesmo sem toiros à altura da sua maestria, com uma queda aparatosa e com o
alvoroço constante do público a protestar, António Telles encastou-se e deu a
volta nas duas lides, saindo por cima, não beliscado minimamente
Irregular no seu primeiro toirinho, de Santa Maria, Manuel Telles Bastos esteve
depois ao seu melhor nível com o toiro de Passanha, que cumpriu
O cabo Ricardo Castelo escorregou e caíu na cara do toiro ao primeiro intento,
exactamente no mesmo local da arena onde escorregou e caíu o cavalo de António
Telles. Concretizou com brilhantismo à segunda
Márcio Francisco pegou à primeira o segundo toiro da noite. Esteve grande, como
sempre!
A pega de Tiago Oliveira, à primeira, ao terceiro toirinho, o borrego de Santa
Maria, foi a sua despedida. Na hora da partida, as nossas homenagens a um
Forcado completo e que se distinguiu, sobretudo, como grande nas ajudas
Quem sei aos seus, não degenera. E Francisco Faria, autor da brilhante pega ao
quarto toiro, à primeira, é filho do grande Jorge Faria, forcado de referência e
antigo cabo do Grupo de Vila Franca
A quinta grande pega de Vasco Pereira e, em baixo, a última, enorme, por
intermédio do enorme Rui Godinho, forcado de eleição e méritos consagrados,
ambas à primeira






Paulo Pessoa de Carvalho ficou ontem com os dias contados como gestor da “Palha Blanco”, depois da vergonhosa presença na arena de alguns toiros (pareciam borreguinhos…) sem o mínimo trapio, escorridos, alvos de protestos do público ao longo de toda a noite. Foi uma tourada à antiga portuguesa, mais ao estilo da garraiada da sardinha assada do que de uma corrida de toiros, como estava anunciada… Ninguém se terá dado ao trabalho de ir ver os toiros ao campo? Não havia uma chamada Comissão de Vedores nomeada pela Santa Casa? O empresário não viu os toiros? Encomendou-os pelo telefone? E os toureiros, não têm apoderados, vedores, sei lá, quem vá primeiro ver aquilo que vão tourear em praça? Foi uma vergonha. Vila Franca não merecia isto.

Miguel Alvarenga - Pareceu-me ver ontem na “Palha Blanco”, lá em cima, dois senhores de fato e gravata que, presumivelmente, seriam o director de corrida e o médico veterinário. Mas custa-me a acreditar que o fossem. Porque um director de corrida e um veterinário não teriam, certamente, dado a sua aprovação a alguns dos toirecos que sairam à arena, o terceiro, então, tinha mesmo carinha de borreguinho e que motivaram quase uma “revolução” de protesto ao longo de toda a noite. O público foi enganado e o empresário Paulo Pessoa de Carvalho tem agora os dias contados como gestor da carismática - e tão confusa… - praça de Vila Franca de Xira.
O público de Vila Franca é um público especial, sempre o foi. Contestatário, protestante, revoltado contra tudo e contra todos por natureza. Se toca a música é porque não devia tocar e protestam, se não toca a música é porque devia tocar e protestam, se se anunciam os nomes dos toureiros e dos forcados ao microfone é porque se não deviam anunciar, há sempre qualquer coisa que não devia ser como eles querem - mas não deixa de ser um público engraçado, pela diferença, e eu sempre gostei da animação e da exaltação que se vive nas bancadas da “Palha Blanco”. Ontem, o ambiente parecia mais o da garraiada da sardinha assada. Pelo tamanhinho ridículo de alguns “toiros” e pelo comportamento agitado e revoltado do público.
Não sou adepto do toiro com 600 ou mais quilos, a morfologia da raça não tem nada a ver com isso, é o mesmo que a minha cadela “salsicha” ter de repente 20 quilos, quando o peso normal é de 4 ou 5. E lembro-me bem dos toiros dos anos 60 e 70, dos êxitos de Batista e Veiga, de Mestre Núncio, com toiros que pesavam 420, 450 quilos no máximo - e tinham toda a mobilidade do mundo. E davam emoção. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Borregos como o terceiro toiro de Santa Maria de ontem são coisas inconcebíveis para uma praça qualquer, quanto mais para a de Vila Franca.
Por outro lado, também não aprovo a conduta do público vilafranquense com o protesto “por dá cá aquela palha”. Com o nem deixar os toureiros tourearem só porque não gosta do toiro. Pode-se - e deve-se - protestar. Mas com educação. Com seriedade. E com serenidade. Sem copos a mais… Não estamos propriamente nos tempos do PREC e do Poder Popular, do povo é quem mais ordena. Mas...

O público foi enganado!

Mas ontem, diga-se em abono da verdade - e eu escrevo sempre a verdade, ao contrário do que gritava um espectador exaltado nos corredores, ao intervalo… -, o público foi enganado, foi ludibriado. E enganar o público é muito feio. E muito grave, quando o próprio empresário da praça é o presidente da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos e também da folclórica PróToiro. Pessoa de Carvalho ficou ontem muito mal no retrato.
Ouvi também dizer, em tempos, que a praça de Vila Franca tinha uma pomposa Comissão de Vedores de Toiros, nomeada pela própria Santa Casa da Misericórdia e que tinha por missão ir ao campo ver sempre os toiros (foi desta vez?…) e desta feita zelar pelos interesses do público e dos artistas, não permitindo vergonhas como a de ontem à noite. Mas devo ter ouvido mal e não deve haver Comissão nenhuma. Se não, isto não teria certamente acontecido…
Mas no caso de ser verdade que existe mesmo essa tal Comissão de Vedores e que terão ido ao campo ver os toiros, repito o que escrevi no ano passado àcerca da também vergonhosa apresentação de três Miuritas: foram ao Jardim da Celeste, giroflé giroflá, e o que foram lá fazer, girofléfléflá…
E também há que dizê-lo: os toureiros não têm apoderados, vedores de toiros, sei lá, gente da sua confiança que vá ao campo ver os toiros? Vêm assim para as praças de qualquer maneira sem saber sequer o que vêm enfrentar?…
Ao sorteio, três dos toiros da ganadaria Santa Maria foram reprovados por falta de peso, de apresentação e de trapo. Mas foi permitido que saísse à arena aquele borrego que tocou a João Ribeiro Telles em terceiro lugar… Estranho. Vergonhoso.
O primeiro toiro da noite - lidaram-se na primeira parte os três de Santa Maria - tinha apresentação regular e ninguém protestou. O segundo, para Manuel Telles Bastos, era escorrido de carnes, pequenote - e deu azo a que se iniciasse o coro de protestos que viria a marcar a noite toda. O terceiro era apenas e só uma vergonha. João Telles cravou-lhe dois compridos e dois curtos, sempre com o público a berrar e a chamar nomes feios ao director de corrida, ao veterinário e ao empresário - e deu por terminada a sua actuação. Uma vergonha.

Passanhas salvaram a noite

Na segunda parte lidaram-se três toiros da ganadaria Passanha - que salvaram a noite. O primeiro não tinha grande apresentação também, o segundo já era aceitável e o último, com 550 quilos, foi finalmente um toiraço com apresentação e com o trapio exigível de uma praça da categoria da “Palha Blanco”. Mas esta disparidade de pesos (a balança também devia estar avariada ou em alguns casos foram pesados dois toiros ao mesmo tempo, já acredito em tudo…) e esta tão grande diferença de apresentação gerou, na realidade, uma fortíssima e muito justificada onda de revolta e de protesto que marcou toda a tourada e em nada dignifica ou enaltece a Festa e muito menos a centenária e carismática praça de Vila Franca de Xira. Uma vergonha.
Apesar da inexistência de trapio, os toiritos de Santa Maria nem destoaram por aí além no que toca ao comportamento. Investiram com alguma agressividade e a cortar terreno em demasia e para os forcados foram nobres e suaves. Os de Passanha foram melhores, obviamente, trata-se de uma ganadaria de êxitos firmados e tiveram excelente comportamento, nobreza e codícia, deixaram-se lidar sem transmitir muito.
O empresário Paulo Pessoa de Carvalho nem voltou a pôr os pés na trincheira na segunda parte do espectáculo e no fim até a PSP se prontificou para o escoltar à saída da praça, tão exaltados que estavam os ânimos do público enganado - mas ele declinou a protecção e saiu pelo seu pé pacatamente.
Errou, claro que errou. Vila Franca exige sempre toiros de verdade. Não sabia que ia defraudar o público apresentando aqueles borregos de Santa Maria? Mais grave: anuncia para a corrida de amanhã toiros da mesma ganadaria. Acham que depois da bronca de ontem, alguém vai amanhã à “Palha Blanco”?…
Paulo Pessoa de Carvalho perdeu ontem a “Palha Blanco”. Pela falta de trapio, de apresentação e de peso dos toiros. Mas perdeu-a por culpa sua. Não deu só um tiro no pé. Deu vários tiros no corpo inteiro…
O agitado e sempre exaltado público vilafranquense teve ontem mais que razão para protestar e se revoltar. Ninguém merece ser enganado.

João Telles triunfador no único toiro da noite

Artisticamente, a corrida valeu pelo triunfo memorável do embalado João Ribeiro Telles no último toiro, o único apresentável, de Passanha, que investiu com clareza, que foi nobre e que permitiu, por fim, ao cavaleiro expressar toda a sua arte e toda a sua garra numa lide em crescendo e com ferros de alta emoção. Êxito rotundo de João Telles a reafirmar-se como um dos grandes triunfadores desta temporada nacional. O último ferro curto, parando, mandando e templando, cravado num palmo de terreno, foi um verdadeiro assombro! O ferro da noite e um dos grandes ferros da temporada.
António Ribeiro Telles esteve encastado nos dois toiros, sofreu aparatosa colhida no primeiro por escorregadela do cavalo (o piso viria depois a causar mais escorregadelas, nomeadamente do forcado Ricardo Castelo e de um cavalo de Manuel Telles Bastos), mas superou a adversidade constante do público com a sua imensa garra, alcançando dois triunfos com a sua marca e que apenas terão ficado menos valorizados pela falta de apresentação dos toiros.
Manuel Telles Bastos teve altos e baixos e sofreu alguns fortes encontrões com o seu primeiro toirito de Santa Maria, mas recompôs-se na lide do segundo, de Passanha, cravando belíssimos ferros e bregando e lidando com a classe que o caracteriza.

6 pegas com o valor que tiveram

As pegas dos Amadores de Vila Franca, em noite que costuma ser de exaltação ao Forcado, valeram pelo que valeram dada a falta de toiros e, por consequência, de emoção. O cabo Ricardo Castelo pegou o primeiro à segunda depois de na primeira tentativa ter escorregado e caído na cara do toiro; Márcio Francisco fez um pegão ao seu melhor jeito ao segundo; Tiago Oliveira, que estivera brilhante a ajudar Márcio na pega anterior, pegou o insignificante terceiro com audácia e valor, sendo esta a sua última pega; Francisco Faria brindou-lhe a quarta pega e esteve enorme, reafirmando a raça de grande forcado; Vasco Pereira também pegou muito bem o quinto; e Rui Godinho fez um verdadeiro pegão ao último, recuando a mandar na investida e fechando-se com braços de ferros, com o grupo a ajudar muito bem em todas as intervenções e o rabejador Carlos Silva a brilhar com a arte que é seu apanágio há muitos anos.
A tourada - porque foi mesmo uma tourada à antiga… - iniciou-se com um respeitoso minuto de silêncio em memória dos forcados Pedro Miguel Primo e Fernando Reynolds Quintella e do ganadero espanhol Victorino Martín, falecido ontem.
E antes do início do espectáculo rendeu-se a anunciada homenagem a José Carlos de Matos, uma referência da tauromaquia vilafranquense, que durante dez anos, desde 1973, elevou bem alto, como cabo, grande forcado e brilhante condutor de homens, os elevados e valorosos pergaminhos do conceituado Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca. O público aclamou-o de pé e esse foi um dos momentos mais emotivos e significativos de uma noite que decorreu, do princípio ao fim, sob o signo atribulado da bronca e dos constantes protestos do público, que preenchia meia casa forte, com jeito, quase três quartos.
Vila Franca não merecia isto. É feio enganar o público. E depois, quando um dia isto acabar, que ninguém tenha a ousadia de dizer que foi por acção dos anti-taurinos, coitados, esses não fazem mal a ninguém…

Fotos Maria Mil-Homens