Gilberto Filipe abriu praça com um toiro que cresceu ao castigo e a que deu a lide perfeita, valendo-se da sua experiência e da sua exímia arte de grande equitador |
Filipe Gonçalves pôs, como sempre põe, a carne no assador e teve momentos empolgantes com ferros de emoção |
Com o seu toureio de verdade e a arrepiar o público pela entrega e o risco, Duarte Pinto foi ontem autor da lide mais rematada na Moita |
Parreirita Cigano marcou a diferença, "chegou-se ao toiro", pisou a linha de fogo |
David Gomes não esteve ontem na Moita... apenas andou à deriva numa lide em que foi o Teixeira quem pôs e dispôs e quem mandou o tempo todo |
Ousado, temerário, diferente. António Prates voltou ontem a afirmar-se |
Fábio Silva, dos Amadores da Moita, na primeira pega da corrida, vencedora do prémio que estava em disputa pelos dois grupos de forcados da terra |
Toiros sérios, com sentido, a pedir contas e a pôr tudo no seu lugar. Ontem na Moita houve emoção e aconteceu verdade. Nem todos os toureiros souberam estar à altura. E se viessem mais toiros como os de Veiga Teixeira às nossas corridas, alguns “lidadores” teriam mesmo que apanhar o comboio e regressar a suas casas…
Miguel Alvarenga - Nem sempre as tradições são para sempre aquilo que outrora foram - as tradições também acabam ou obrigatoriamente se mudam. A tradição da corrida de toiros pela Feira de Maio na Moita perdeu-se há muito e por mais boa vontade que tenha em mantê-la o empresário Rafael Vilhais e a própria Sociedade Moitense de Tauromaquia (que a obriga a realizar-se), a verdade é que, tal como aconteceu em Montemor, onde também se realizava todos os anos uma corrida por esta ocasião, o melhor é mesmo acabar com esta realização… porque o público a mandou às malvas há já alguns anos.
E não por falta de importância ou atractivo nos cartéis. O de ontem não era de figuras, mas às vezes corridas destas, com seis cavaleiros diversificados, acabam por ter mais interesse do que aquelas em que actuam os consagrados e em que sabemos, de antemão e à partida, tudo o que se vai passar…
No ano passado, Rafael Vilhais montou um mano-mano entre Diego Ventura e Roca Rey, melhor era impossível, e a praça também não encheu. Ontem, ficou-se por pouco mais que um quartito de casa… sem ambiente.
Aliás, basta recordar o “buraco” que foi a, essa sim, tradicional Feira de Setembro do ano passado para constatar que o público e a aficion moitense andam meio arredados da sua praça, vá-se lá a entender porquê…
Teixeiras pediram contas…
e nem todos as deram
Foram bons os toiros de Duarte Pinto (terceiro), de Parreirita Cigano (quarto) e o de David Gomes (quinto). Os restantes, da triunfadora e séria ganadaria Veiga Teixeira, não facilitaram. Pediram contas, sairam ásperos e a bater, sérios e cheios de sentido, foram toiros com seriedade, a dar emoção, a pôr as coisas no seu lugar - no que respeita a toureiros e a forcados. Toiros daqueles que tiram o sono aos artistas e provocam calafrios nas bancadas. Se muitos mais saíssem destes, era um instantinho enquanto muitos “lidadores” iam para casa.
No que concerne a apresentação, não defraudaram, mas notou-se alguma diferença de uns para os outros. Não foi, neste aspecto, uma corrida totalmente homogénea.
Gilberto Filipe era o cabeça de cartaz e entrou em praça sob aplausos, depois de se ter anunciado que se sagrara recentemente Campeão Mundial de Equitação de Trabalho, uma honra nacional a que as televisões não deram, anormal seria se tivessem dado, o merecido destaque e a importância que isso teve. Mas Gilberto é toureiro, não é futebolista e por mais que seja o Ronaldo da Equitação de Trabalho, isso não conta para os media deste país… para quem só o futebol (e os seus escândalos permanentes) tem importância.
Excelente equitador, a justificar a honraria com que o elevaram a nível mundial, Gilberto Filipe tem com isso meio caminho andado para o seu desempenho nas arenas. Teve sempre.
O toiro de Teixeira era reservado e de investidas repentinas, mas cresceu ao castigo e Gilberto lidou-o na perfeição. Uma lide nada fácil - que brindou a João Simões -, mas a que o cavaleiro pôs emoção e verdade, ultrapassando, com nível e com saber, as adversidades de um toiro complicado.
Filipe Gonçalves, que substituiu Miguel Moura, andou com a usual desenvoltura e com garra diante de outro Teixeira nada fácil. Sofreu alguns toques por pôr a carne no assador, mas pisou terrenos de compromisso e os ferros resultaram, na maioria, emotivos. Terminou com o cavalo que bate palmas com um “violino” aplaudido.
Filipe é um toureiro de luta e um profissional de gabarito. Cumpria ontem o 13º aniversário da sua alternativa, recebida nesta mesma praça numa Corrida “Farpas” em que foi apadrinhado por João Moura com o testemunho de Rui Fernandes.
Duarte Pinto lidou em terceiro lugar um toiro de Teixeira de investidas francas e que se arrancava com alegria de todos os terrenos.
Começou meio aliviado nos compridos, mas confiou-se nos curtos e desenvolveu a partir de então uma lide de valor, com entradas temerárias ao piton contrário e brega vistosa. Foi a lide mais rematada da tarde e o público reconheceu o excelente desempenho do cavaleiro - que iniciou esta temporada em grande nível.
Parreirita e Prates,
os “meninos atrevidos”
Depois de um desnecessário intervalo que veio quebrar de alguma forma o bom ritmo em que a corrida decorria, Parreirita Cigano veio entusiasmar o público com os seus ferros “atrevidos” e a pisar a linha de fogo. “Chegou-se a toiro” e entrou por ele dentro. É um toureiro valente e ousado, de antes quebrar que torcer. Entrou de frente e foi à cara do toiro para deixar ferros de grande emoção e com a sua marca, já bem vincada, de toureiro de risco. Um êxito com sabor e a marcar, uma vez mais, a ascendente trajectória de um jovem cavaleiro que “incomoda” e que já todos vimos que não vai ser apenas mais um.
David Gomes foi à Moita substituir Marcos Bastinhas, mas não se entendeu com um toiro que apesar de ser Teixeira (e por isso, sério, a pedir contas e a assustar), era perfeitamente lidável. Andou à deriva e foi o toiro quem mandou em todos os momentos da lide. David foi o único que não teve música e que não deu volta. Decididamente, ele ontem não esteve na Moita. Apenas por lá passou sem deixar história...
Fechou praça o jovem e irreverente praticante António Prates com um toiro que se deixava sem problemas de maior pela frente, mas que “apertava” por trás. Independentemente de alguns toques violentos que sofreu, precisamente porque arriscou em demasia, o que ficou foi a garra, a raça e a intuição de um toureiro que muito promete e está a subir a pulso, pelo seu valor e pelo seu querer, a escadaria da glória.
Prates não dorme na fila, quer sempre fazer a diferença e é um jovem com ganas de triunfador. Valeram os ferros ousados, os terrenos que pisou, a noção de lide que tem e o raríssimo e marcante condão que possui de chegar ao público e transmitir a emoção que põe no que faz. E no que faz bem feito.
Amadores ganharam a taça
Como era de prever, os toiros de Veiga Teixeira deram alguma água pela barba aos forcados, sobretudo os dois últimos.
Confrontavam-se os dois grupos da Moita e a taça para a melhor pega foi ganha pelos Amadores, atribuída à primeira, que foi enorme, executada por Fábio Silva sózinho, sem ajudas, com enorme brilhantismo pessoal, aguentando derrotes e percorrendo a arena sem sair da cara do toiro, com os companheiros por terra, um momento alto de justificada e aplaudida emoção.
O júri era composto pelos consagrados forcados Francisco Costa Montezo e Francisco Marques “Chalana” e pelo crítico taurino Fernando Marques e a decisão não teve um protesto.
Pelos Amadores da Moita - com grandes forcados de cara, mas com notadas deficiências nas ajudas - foram também caras Luis Lourenço, numa boa pega à primeira ao terceiro toiro da tarde; e João Raposo, no quinto, que saiu lesionado após três duras tentativas, foi dobrado numa quarta por outro colega que também não concretizou, acabando o toiro por ser pegado à quinta pelo cabo Pedro Raposo, a sesgo e com as ajudas em cima, apenas e só para que a honra do convento fosse salva, sem brilhantismo.
O Grupo do Aposento, que acabou de cumprir, na véspera, 43 anos de actividade, teve uma primeira e perfeita intervenção a cargo do valoroso cabo José Maria Bettencourt (à primeira), que brindou a todos os forcados que vestiram a jaqueta do grupo em mais de quatro décadas, recuando a mandar na investida e fechando-se com valor, aguentando derrotes sem nunca desarmar; uma pega enorme de Leonardo Mathias, também ao primeiro intento, tecnicamente perfeita e a reafirmar um grande forcado, com o grupo a ajudar bem; e por fim, uma pega complicadíssima de Ruben Serafim, só concretizada à sexta e sem o brilho que se queria, a sesgo e com o grupo “ao molho”, mas onde há que enaltecer o estoicismo e a galhardia deste valente forcado.
Tiago Tavares redimiu-se
do escândalo de Lisboa
O director de corrida Tiago Tavares - que esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Carlos Santos - cumpriu o seu desempenho com muito acerto, bom senso e rigor, havendo mesmo que enaltecer a condescendência demonstrada no que aos forcados diz respeito nas últimas duas pegas.
Redimiu-se do escândalo de Lisboa, em que ninguém entendeu os porquês de não autorizar a volta à arena a António Telles no primeiro toiro e sobretudo a Caetano no terceiro.
Sempre louvei e enalteci a forma correcta como o vi dirigir corridas e ainda hoje estou para entender que loucura lhe passou pela cabeça para ter o inaceitável comportamento que teve no Campo Pequeno. Ontem redimiu-se. E ainda bem.
Mais logo, não perca: as pegas uma a uma, os Momentos de Glória - as reportagens de Emílio de Jesus e Maria João Mil-Homens.
Fotos Emílio de Jesus