| Telles e Ventura, dois estilos quase antagónicos. E um público demasiado faccioso... Praça esgotada, noite grande ontem na "Palha Blanco"! |
| Lide soberba de António Telles ao primeiro da noite, um toiro de Prudêncio que o público aplaudiu quando era recolhido |
| Atitude a maestria. António Telles recebeu o terceiro toiro, de Palha, à porta dos curros, lidando-o à maneira antiga. António ontem estava ali para ganhar a "guerra"! |
| No quinto toiro, de Guiomar Moura, de excelente nota, Vila Franca veio abaixo com a lide memorável de António Ribeiro Telles - que esteve simplesmente enorme, magistral |
| Dois grandes momentos de Ventura no segundo toiro da noite, da ganadaria Prudêncio |
| Ventura frente ao quarto toiro, de Palha, sério e exigente. Toureou assim, teve volta autorizava, mas não a quis dar. No toiro seguinte virou a praça - e o público - do avesso! |
Noite de grandes emoções, com praça esgotada, a que se viveu ontem em Vila Franca de Xira. Noite magistral do toureio clássico e da cátedra, única, do Maestro António Telles. Noite de entrega total do grande Diego Ventura frente a um público demasiado adverso ao seu toureio, mas que ele conquistou e convenceu de forma inquestionável no último toiro da corrida, virando a praça do avesso. Noite grande dos Forcados de Vila Franca. A Festa no seu melhor
Miguel Alvarenga - Só o facto de estar ali, com 35 anos de alternativa e sem ter que provar absolutamente nada a ninguém, a debater-se com o número um do toureio equestre mundial, na máxima pujança da sua força e da sua carreira, fazia ontem de António Ribeiro Telles um triunfador.
Só o facto de estar ali, a dar a cara num terreno minado por todos os lados e perante um público conhecedor, exigente, mas infelizmente demasiado faccioso, fazia ontem também de Diego Ventura um triunfador.
É na actualidade o expoente máximo do toureio a cavalo mundial, vive o seu grande momento, cortou um rabo em Madrid, onde ninguém cortava um rabo há mais de quarenta anos, encheu Las Ventas para afirmar a sua atitude e a sua magnitude de grande toureiro frente a seis toiros - mas mesmo assim, o público que ontem esgotou a "Palha Blanco" não demonstrou respeito nenhum por isso, nem por ele.
António Telles, lá dizia o meu querido e amigo amigo Bacatum, está para a "Palha Blanco" como o mítico Curro Romero esteve para a Real Maestranza de Sevilha. António é o toureiro de Vila Franca, sempre o foi. Ontem esteve verdadeiramente magistral e foi perfeitamente legítima e merecida a glória que o público vilafranquense lhe tributou.
Ninguém esperava que Ventura fosse a Vila Franca fazer também a apologia do toureio clássico. O seu estilo é distinto e não tem a ver com o de António Telles. Como aliás, nenhum outro tem, além do seu sobrinho Manuel. Todo o mundo sabia que a forma de tourear de Diego Ventura é outra. E goste-se ou não se goste, é preciso ter respeito por um Toureiro como ele. E ontem o público faltou-lhe ao respeito nos dois primeiros toiros que lidou. Os toques que se perdoam em Vila Franca a Telles, assobiam-se a apupam-se a Ventura. Tanto facciosismo, também não!
O público, ontem, era claramente pró-António e anti-Ventura. Chegou mesmo a haver uma cena de pancadaria na bancada, que não sei se teve a ver com alguma discussão entre partidários de um e partidários de outro. Indiferente a tudo isso, apenas concentrado na sua arte e na sua entrega, Ventura teve a classe de até brindar uma das suas lides aos Ribeiro Telles, como forma de selar o esquecimento de um desaguisado que estalou há poucos anos em Alcochete. Todos os Telles foram à praça receber o brinde, menos João (pai), talvez ainda não refeito dessa guerra que Ventura já esqueceu.
António, o Grande!
Não é fácil descrever as três actuações de sonho e de um fulgor inigualável que António Ribeiro Telles, o Grande, desenhou ontem na arena da "Palha Blanco". Fez até coisas que não costuma fazer, como a sorte da "hermosina" a ladear, como tirar as mãos das rédeas e com os braços levantados dar com o cavalo um capotazo de arte ao toiro. Ontem António estava mais inspirado do que o costume, sem que com isto queira dizer que não o esteja sempre - mas estava mais. Ontem, António estava ali para ganhar a guerra, custasse o que custasse. Para dar a cara, para abrir o livro e demonstrar que, nisso de tourear à maneira antiga, não há nenhum igual a ele.
O público era o seu e o lote de toiros que lhe tocou também foi, indiscutivelmente, o melhor. Mas não foi graças a esses factores que António teve o triunfo que teve. Ajudaram, claro que ajudaram. Mas o triunfo deveu-se a si, à sua inspiração, à forma como ontem soltou todos os seus sentimentos, toda a sua maneira, única de facto, de interpretar o toureio a cavalo. Com divina maestria e soberba arte.
António ontem vinha para dar cabo de tudo. Moralizado e com raça. Viu-se isso na determinação com que recebeu o primeiro toiro com uma sorte de gaiola, na ousadia com que esperou o segundo à porta dos curros, na forma magistral com que lidou e toureou o quinto, na verdade que imprimiu em todos os ferros, na emoção e no bom gosto que pôs em todas as sortes nas três lides.
Com o primeiro toiro, um toiro extraordinário de Prudêncio, aplaudido pelo público quando era recolhido, António esteve soberbo e senhor da situação. No seu segundo, um Palha com o sabor e a transmissão dos Palhas antigos, esteve simplesmente divino. E no quinto, também um bom toiro de Guiomar Moura, deu uma lição memorável de bom toureio, com o público sempre de pé a aplaudir, premiando-o no final com duas mais que merecidas voltas à arena. Ninguém entendeu porque não saíu ontem em ombros da "Palha Blanco". É preciso fazer mais o quê para conquistar essa suprema honraria?
"Ventura é o número um? Então tomem lá disto, que eu ainda cá estou!" - ao fim e ao cabo, foi mais ou menos isto que António Ribeiro Telles disse ontem em Vila Franca. Noite de consagração? Nada disso, António está mais que consagrado há muitos anos. E não precisa de provar nada. Só o facto de ali estar frente-a-frente com a maior figura do momento do toureio a cavalo mundial, fazia dele, volto a repetir, um triunfador. O resto, fez o António. Foi uma noite para a História.
Ventura, o Maior!
Goste-se ou não se goste do estilo, que é o seu e que ele impôs durante estes gloriosos 20 anos de alternativa, ninguém pode questionar o valor e o estatuto que Diego Ventura conquistou, vindo do nada, sagrando-se pelos seus próprios méritos como a primeira grande figura do toureio a cavalo no mundo. Um rabo em Madrid não se cortava há mais de quarenta anos, desde Palomo Linares - e ele cortou-o este ano na Feira de Santo Isidro. E nenhum rejoneador o tinha cortado, embora por lá tivessem passado todos os grandes de todos os tempos.
Ontem em Vila Franca, o público estava ali para aclamar Telles e assobiar Ventura. E isso é muito feio. E não se faz.
Diego aguentou, sereno, todas as hostilidades, todos os assobios, mesmo os imerecidos. Pôs um dos grandes ferros da noite no seu primeiro toiro, um Prudêncio de pior nota que o anterior, mais reservado e mais complicado. A lide valeu pela entrega e pelo profissionalismo do rejoneador. O director não o autorizou a dar a volta à arena. A meu ver, Ventura merecia-a.
O quarto toiro era um Palha também duro de roer, toiro sério, a impôr respeito e Ventura lidou-o na perfeição, ao seu melhor estilo, mas a frieza do público continuou a marcar pontos negativos e voltaram a ouvir-se alguns assobios. Teve música e volta à arena autorizada, mas recusou-a. As coisas não corriam de feição.
O sexto, de Guiomar Moura, era um toiro de apresentação irrepreensível, nobre, sem transmitir muito, mas a permitir a Ventura as pinceladas de arte que deu e a possibilidade de demonstrar toda a magnitude do seu toureio diferente - mas a que ninguém fica indiferente.
E o mesmo público que antes o assobiara, rendeu-se agora por completo. Ventura tem esse condão, que é condão dos eleitos, dos génios e dos presdestinados: virou literalmente a praça do avesso e foi ainda a tempo de também se sagrar triunfador de uma noite marcada pela apoteose de António Telles. Quer queiram, quer não queiram, e por fim todos quiseram e todos se entregaram e renderam ao toureio de Ventura, a sua lide ao sexto toiro foi um espanto! Deu o seu grande espectáculo. Desde a brega, ao lidar, aos terrenos que pisou, às sortes de emoção e verdade que nos brindou, aos pares de bandarilhas com o cavalo sem cabeçada, público finalmente todo de pé e Ventura a conseguir impor, por fim, a razão da sua força - que é indiscutivelmente a força da sua razão. Doa lá a quem doer.
Noite especial para os Forcados
Para os Forcados Amadores de Vila Franca, foi deveras especial a noite de ontem. Fechou-se um ciclo, abriu-se outro e virou-se uma página. Ricardo Castelo despediu-se depois de chefiar o grupo desde 2010 e de ter sido um dos maiores forcados da sua geração. Disse adeus com uma pega magistral e passou o testemunho a Vasco Pereira, 18º cabo desde a formação do grupo em 1932, que pegou o segundo toiro só à quarta, um toiro com a velocidade e a força de um comboio, de Prudêncio, que levou tudo à frente nas três primeiras tentativas.
Francisco Faria fez um pegão enorme ao terceiro toiro, de Palha, à primeira tentativa. David Moreira pegou o quarto, também da ganadaria Palha, com brilhantismo, à primeira. O valoroso Márcio Francisco, violentamente derrotado na primeira tentativa, ficando mesmo caído na arena, levantou-se quando já o tinham deitado na maca e pegou com galhardia o quinto, de Guiomar Moura e, por fim, Rui Godinho pegou o sexto, da mesma ganadaria, um toiro nobre que foi pelo seu caminho sem maldade.
O grupo esteve grande nas ajudas e Carlos Silva enorme, como sempre, a rabejar. Ao início da corrida, o presidente da Câmara de Vila Franca homenageou o cabo que se despediu e o seu sucessor.
Os bandarilheiros das quadrilhas dos dois cavaleiros abusaram, em alguns casos, dos capotazos e o público não lhes tolerou tantas intervenções...
A corrida de ontem foi dirigida por Pedro Reinhardt, que à parte o facto, discutível, de não ter autorizado a volta a Ventura no segundo toiro da noite, esteve, como sempre, diligente e rigoroso, como se impõe e como é necessário para que o espectáculo tenha sobriedade e seriedade. Há quem não goste do rigor de Reinhardt e houve mesmo quem protestasse o atraso na concessão de música numa das lides de António Telles, mas a realidade é que sempre que ele dirige, o espectáculo tem uma seriedade que marca alguma diferença. Bem, Pedro!
A terminar, o meu aplauso à empresa. A equipa de Ricardo Levesinho, composta também por seu pai, Augusto e seu irmão, Rui, arriscou e apostou tudo num dos maiores cartéis da temporada. O público correspondeu, a lotação esgotou e o resultado foi altamente positivo para a Festa e para a força e o carisma da "Palha Blanco", a cuja gestão em boa hora regressaram esta temporada.
Fotos Emílio de Jesus