domingo, 28 de abril de 2019

Beja: o triunfo da verdade numa tarde de emoção

Corrida séria, a transmitir, muito bem apresentada e superiormente rematada.
Um triunfo da verdade e do ganadero Pedro Canas Vigouroux ontem em Beja
Luis Rouxinol "não sabe estar mal". Duas actuações de um valor desmedido e de
um profissionalismo que até arrepia marcaram ontem a sua apoteótica passagem
pela arena de Beja
João Ribeiro Telles vive um momento alto e ontem teve duas lides ao seu
melhor estilo, sendo seus os dois grandes ferros da tarde no quinto toiro. Um
grande prenúncio para os decisivos desafios que aí vêm: o regresso a Madrid
a 26 de Maio e a "encerrona" a 2 de Junho em Coruche
Andrés Romero, que andara desacertado no seu primeiro toiro, reencontrou-se
no último da tarde, um oponente sério e que pedia contas, protagonizando uma
lide muito aplaudida e onde deu a verdadeira dimensão do seu valor


Luis Rouxinol abriu o livro e deu largas ao seu estatuto de primeira figura e de um profissionalismo sem fim. João Ribeiro Telles encantou pela arte e pela ousadia com que pisa a linha de fogo, foram seus os dois monumentais ferros da tarde. Andrés Romero pôde com o sexto toiro e demonstrou como é bonita, quando bem executada, a arte do rejoneio à antiga. Grandes toiros de Canas Vigouroux, exigentes e a transmitir, deram o toque da verdade e da emoção numa excelente tarde ontem na praça de Beja. Houve ambiente. Houve toureio bom. E houve sobretudo verdade e emoção, risco e desafios. Com corridas como esta, dá gosto ser aficionado

Miguel Alvarenga - Quando Luis Rouxinol abre o livro, e ele abre-o sempre, não perde nem a feijões, acontece toureio do bom. Ontem em Beja, primeiro a dar a volta, tornando o difícil fácil, a um toiro mais reservadote de Canas Vigouroux, depois frente a um segundo toiro de melhor nota, codicioso e bravo, o Mestre deu duas lições de toureio, distintas, fazendo jus ao seu estatuto de primeiríssima figura e ao seu elevado profissionalismo.
Toureiro com argumentos para todos os toiros e que não sabe nem consegue nunca "estar mal" ou apenas regular, Rouxinol é um triunfador nato e um toureiro de um valor desmedido. As suas actuações primam sempre pela grandeza, pela arte, pela entrega e pelo rigor de tudo sair bem feito. Ontem foi assim em Beja - como é sempre. Mais palavras para quê?
João Ribeiro Telles vive um momento de sonho, tem uma quadra de cavalos magnífica, pisa sempre a linha de fogo e ontem foram seus, no quinto toiro da tarde, outro grande exemplar de Canas Vigouroux, os dois melhores e mais emotivos ferros da corrida. Primorosa brega, lide brilhante, público de pé, um grande prenúncio para os dois decisivos desafios que vai enfrentar a seguir: o regresso a Madrid, na Isidrada, a 26 de Maio e a esperada "encerrona" em Coruche a 2 de Junho.
No seu primeiro toiro, menos claro nas investidas e com uma clara deficiência de visão. João Telles empenhou-se e contornou todas as dificuldades acabando por levar o barco a bom porto, mas sem o brilhantismo com que esteve depois no segundo, pela menor transmissão do oponente. A sua segunda actuação, essa foi enorme e deu-lhe, com merecimento, o direito de levar para casa o prémio que estava em disputa para a melhor lide. Ninguém protestou, nem tinha que protestar, o público foi unânime em apoiar a decisão do júri, tributando ao toureiro uma calorosa ovação.
Andrés Romero é um novo valor do rejoneio espanhol e ontem voltou a demonstrá-lo na lide do último toiro da tarde, um sério exemplar de Canas Vigouroux que pedia contas e transmitia seriedade. Brega vistosa e entradas de verdade ao piton contrário marcaram uma lide muito acertada do toureiro espanhol, depois de no seu primeiro, um toiro complicado, ter andado desacertado e ter sofrido violentos encontrões que só não originaram quedas por manifesta falta de força do oponente.
Romero tem valor, tem "gancho" para entusiasmar o público e esteve a gosto, viu-se com agrado, como atrás referi, na lide do último toiro. Injustiçado este ano pela empresa de Sevilha, que não o repetiu depois de na Feira de Abril de 2018 ter sido o triunfador, foi contudo compensado em Madrid pela orelha que ali cortou no ano passado e vai este ano voltar à Isidrada a 19 de Maio para pela primeira vez enfrentar dois toiros em Las Ventas. Em Portugal vamos voltar a vê-lo em Julho na Foz do Sizandro e em Agosto na Nazaré, praça onde na última temporada saíu em ombros. Na mira do toureiro - e dos apoderados - está ainda o possível regresso a Lisboa na segunda parte da temporada, depois de na época anterior ali ter triunfado na confirmação da alternativa.
As pegas, como já aqui foi referido e retratado em pormenor, estiveram ontem a cargo dos grupos de forcados Amadores de São Manços, Real Grupo de Moura e Amadores de Beja. Os três grupos estiveram à altura de uma grande e bem rematada corrida de Canas Vigouroux e ontem foram os rapazes de Moura quem levou a melhor, tendo Gonçalo Borges (segunda pega da tarde, imponente, momento de grande emoção, público de pé a aplaudir) ganho, merecida e justamente, o troféu que estava em disputa para a melhor pega da tarde.
O antigo cavaleiro António Ventura, o empresário Rafael Vilhais e o ganadero e antigo forcado Joaquim Brito Paes constituiram o júri do prémio para a melhor lide, enquanto que o da melhor pega foi decidido pelos antigos forcados João Marujo Caixinha, Fernando Navas e Manuel Caetano. Não houve da parte do público, ao contrário do que acontecera uma semana antes em São Manços, um único protesto às acertadíssimas decisões que tomaram.
Excelente desempenho, diga-se em abono da justiça, dos bandarilheiros Manuel dos Santos "Becas" e João Bretes, Nuno Oliveira e Duarte Alegrete, Cláudio Miguel e Francisco Beltrán.
Os toiros de Canas Vigouroux, sérios, a transmitir, extraordinariamente bem rematados e "a assustar", mais reservados os três da primeira parte, de nota superior os três últimos, não foram propriamente e como a publicidade anunciava, os maiores toiros da temporada, mas foram toiros de verdade e que pediram contas, dando emoção e muita seriedade ao espectáculo. Não tinha vindo nenhum mal ao mundo se o ganadero tivesse sido premiado, pelo menos no fim, com uma chamada à praça.
A corrida foi dirigida com acerto - e com saber, seriedade, rigor e aficion - pelo novo director Domingos Jeremias, antigo cabo dos Forcados do Redondo, que esteve assessorado pela médica veterinária Drª Ana Gião Gomes.
Ao início da corrida foi guardado um respeitoso minuto de silêncio em memória do cavaleiro Joaquim Bastinhas e do matador Ricardo Chibanga.
Por fim, e porque é de inteira justiça fazê-lo, uma palavra de apreço para o empenho de José Maria Charraz e Tiago Graça, os dois organizadores desta memorável corrida de ontem na praça "José Varela Crujo" de Beja. Quando as coisas são feitas com seriedade e bom gosto, o sucesso acontece. O segredo não é assim tão difícil...

Fotos M. Alvarenga