A verdade do toureio de António Telles, cara-a-cara com o poderoso e bravo toiro de Passanha (quarto da corrida) |
Rui Salvador aguentando a carga do toiro de Pinto Barreiros e, na foto de baixo, uma imagem de triunfo que se repete em todas as actuações do grande Luis Rouxinol |
O triunfo dos Heróis. Três cavaleiros veteranos encheram ontem a praça de Évora no 60º Concurso de Ganadarias e demonstraram as razões por que ainda levam e hão-de levar público às praças para os ver. Há trinta anos que marcam. Há trinta anos que são bons. Muito bons
Miguel Alvarenga - António Ribeiro Telles, Rui Salvador e Luis Rouxinol, três cavaleiros da velha guarda, demonstraram ontem na praça de Évora as razões porque continuam a arrastar multidões para os ver. Cada qual no seu estilo, são os três bons demais e há mais de trinta anos que marcam a diferença. A nova e jovem empresa apostou num cartel de veteranos para o tradicional Concurso de Ganadarias e o público encheu mais de três quartos das bancadas para os seguir, consciente de que já sabia o que ia ver, mas desejoso de rever a arte destes Maestros. E valeu a pena.
António Telles não é só uma garrafa, é um garrafão ou mesmo uma pipa de belíssimo vinho do Porto, melhor de ano para ano, com um toureio de paladar incrível e cada vez mais apurado. Com o seu saber, a sua arte clássica e a sua sempre enorme e surpreendente maestria, lidou superiormente o primeiro e bravo toiro de Veiga Teixeira e depois o também bravo e fantástico exemplar da ganadaria Passanha - que foram os dois grandes toiros da tarde e aqueles onde todo o mundo esperava, num ou noutro ou mesmo nos dois, que recaísse o prémio de bravura. Mas há razões que a razão nunca vai entender e o premiado foi o toiro de Murteira Grave, decisão que surpreendeu todos os aficionados e até mesmo o sério e consciente ganadero Dr. Joaquim Grave.
Num toiro e no outro, António Telles deu lições de cátedra e de maestria, com lides brilhantes, brega de quem sabe o que faz, entradas temerárias ao piton contrário e ferros emotivos cravados ao estribo, a rigor, como as leis mandam e os aficionados da verdade e da emoção exigem.
Rui Salvador participava ontem na primeira corrida da temporada dos seus 35 anos de alternativa, depois de uma acidentada actuação em Fevereiro no festival do Campo Pequeno e de outra presença no festival de Sobral de Monte Agraço, onde caíu quando aquecia um cavalo e agravou a lesão no ombro que sofrera em Lisboa, perdendo a corrida de Maio em Vila Franca. Reapareceu ontem em Évora com o ombro ligado e sabe-se lá com que esforço o fez, reafirmando, se alguém ainda tivesse dúvidas, o grande profissional que é. Tem um novo cavalo bom que lhe vai servir.
Lide brilhante e emotiva, com ferros daqueles que marcaram os 35 anos de glória da sua brilhante e aplaudida carreira, no primeiro toiro do seu lote, o exemplar de Fernandes de Castro, que não primou pela bravura, mas teve comportamento sério e foi um toiro exigente.
O quinto foi o toiro de Pinto Barreiros, desligado, solto, mansote. Rui fez das tripas coração e levou o barco a bom porto mercê de muita entrega e muito ofício. O toiro deu-lhe poucas opções, a lide foi valorosa, mas sem aquele brilhantismo que se deseja e no final Salvador recusou dar volta à arena, apesar de a mesma ter sido, com justiça, autorizada pelo director da corrida.
Luis Rouxinol é um triunfador permanente. Já cansa dizer isto, mas a realidade é que ele não sabe estar mal e todas as tardes, com que toiros for, tem sempre a mesma atitude de vencedor, a mesma raça e as mesmas ganas de um principiante que quer à força afirmar-se, dar nas vistas, triunfar.
Duas actuações magistrais e precisamente com os dois toiros que ganharam o concurso, primeiro o de Murteira Grave, terceiro da tarde (prémio bravura... altamente discutível, apesar de ter sido um toiro sério e que impôs respeito, sobretudo na primeira parte da lide), em último o de Branco Núncio, uma estampa de 610 quilos, um toiro exigente, sério e que pedia contas.
Rouxinol lidou com o saber e o fulgor habituais o toiro de Grave e pôs o público em alvoroço com a ousada actuação frente ao de Núncio. Depois de terminar a brilhante lide com um ferro de palmo, exigiram-lhe mais um e Luis cravou um arrojado par de bandarilhas. Mesmo assim o público quis mais e fechou com outro palmo que foi uma verdadeira chave de ouro. À saída da praça o público não parou de o acarinhar, de o felicitar e de pedir fotografias a seu lado. Ídolo das multidões, toureiro de um valor que não tem fim.
Tarde grande, como já aqui se referiu em pormenor, para os valentes forcados dos grupos de Amadores de Montemor e Amadores de Évora, que fizeram jus à grandeza do seu historial e ao indiscutível estatuto de primeiras figuras, grandes e valorosos intérpretes que são dessa tão nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros.
Arte a valor nos capotes dos bandarilheiros das quadrilhas dos três Maestros. Quer a receber e a lidar, quer a colocar os toiros para os forcados. João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos, João Pedro Silva e Paulo Sérgio, Manuel dos Santos "Becas" e João Bretes estiveram muitíssimo bem no desempenho do seu esforçado labor frente a toiros de verdade e que exigiam máxima concentração.
Dispensável, se tem havido justiça e verdade, a vaia com que o público protestou no final pela atribuição do prémio de bravura ao toiro de Murteira Grave. Não foi um toiro mau nem um toiro manso. Hoje já não se vêem toiros maus, tão grande é o esplendor que vivem as nossas ganadarias. Mas não foi um toiro merecedor desta honraria de ganhar o troféu de bravura num concurso tão sério e prestigiado como é, há sessenta anos, este de Évora. O prémio cabia ao toiro de Veiga Teixeira ou ao toiro de Passanha. Ou mesmo aos dois. Restou, como consolação para a desdita e confirmação do erro dos jurados, a estupefacção e a admiração com que o próprio Dr. Joaquim Grave, homem sério e vertical, justo e consciente, recebeu na arena a notícia de que tinha sido o seu toiro o eleito...
Quanto ao prémio de apresentação, numa tarde em que todos os toiros tiveram notável e aplaudido trapio, não houve um único protesto na escolha da estampa da ganadaria Branco Núncio.
Àparte isto, o público saíu ontem satisfeito da praça e a comentar todas as grandes incidências de uma magnífica tarde de toiros. Agostinho Borges foi o competente - como o é sempre - director de corrida e esteve assessorado pela médica veterinária Drª Ana Gomes.
Évora tem sempre um encanto especial no seu histórico Concurso de Ganadarias. E ontem a profecia cumpriu-se uma vez mais. Tarde grande de toiros. E de toureiros. E de forcados.
Fotos M. Alvarenga