Foi bonita, foi emotiva e foi de grandes triunfos a tarde da alternativa do valoroso cavaleiro João Soller Garcia ontem em Évora |
Évora fechou ontem a sua triunfal temporada com uma corrida emotiva e de absoluto sucesso para todos os cavaleiros e forcados e com toiros de alta qualidade das ganadarias Charrua e Passanha. Melhor era impossível. Consagração de Soller Garcia na tarde da alternativa, êxitos de todos e Moura Jr. a fechar a sua brilhante campanha marcando uma vez mais a diferença e reafirmando a lideramça
Miguel Alvarenga - A praça de toiros de Évora encerrou ontem aquela que fica na História como a sua mais brilhante temporada dos últimos anos, com duas lotações esgotadas e corridas de alto nível. E é mesmo por aqui que começo, felicitando o belíssimo trabalho levado a cabo pela jovem empresa composta por António Alfacinha, Carlos Ferreira, Francisco Mendonça Mira e a dupla António José e Margarida Cardoso, dignos sucessores do saudoso "Nené", a cujo labor e empenho souberam dar continuidade com toda a dignidade - e os melhores resultados.
A corrida de ontem era uma corrida diferente, uma corrida de amigos onde se festejava a alternativa de João Soller Garcia ladeado por alguns dos grandes triunfadores desta temporada e com o atractivo da reaparição de Manuel Lupi, que não actuava há cinco anos. A empresa reuniu todos os ingredientes para chamar público na sua última corrida e a verdade é que a praça registou uma bonita moldura humana com praticamente três quartos da lotação preenchidos e um enorme ambiente nas bancadas.
Em termos artísticos foi uma corrida memorável, agradável, divertida e em que todos os cavaleiros escutaram música (merecidamente) e os dois grupos de forcados estiveram à altura, frente a toiros de muita qualidade das ganadarias Charrua e Passanha, havendo a registar que o director de corrida Marco Gomes, em tarde festiva, premiou os dois ganaderos com volta à arena: o maioral José Bento (Passanha) no terceiro toiro e o ganadero Gustavo Charrua no quarto. Podem não ter sido super justificadas, mas foram merecidas, os toiros tiveram belíssimo comportamento, proporcionaram grandes lides, transmitiram emoção, pediram contas.
Apesar de ser Filipe Gonçalves o cabeça de cartaz, foi Moura Júnior quem deu a alternativa a João Soller Garcia, responsabilidade que assumiu pela primeira vez na sua carrreira, pela grande amizade que os une e porque assim ficou acordado entre todos os intervenientes. À maneira antiga, Soller teve também direito a escolher o seu toiro, sem o sortear. Escolheu - e bem - um belíssimo exemplar da ganadaria Charrua - que lidou primorosamente, protagonizando, indiscutivelmente, uma das mais brilhantes alternativas dos últimos tempos.
Embora já tenha toureado, em tempos, em praças nacionais, Soller Garcia, carinhosamente conhecido por Bão e que é sobrinho neto, pelo lado paterno, do saudoso Manuel Conde, era até ontem quase um ilustre desconhecido para muitos aficionados, pelo facto de nos últimos anos apenas actuar em praças da Califórnia, onde goza de grande cartel.
Como é natural nestas ocasiões, tinha ontem na praça uma enorme falange de amigos e apoiantes que o incentivaram e não lhe regatearam merecidas ovações pelo excelente desempenho em toda a lide, onde revelou ser um toureiro de arte e valor, de risco e emoção. Esteve bem do princípio ao fim, não acusando minimamente o peso da alternativa, antes pelo contrário, demonstrando enormes potencialidades.
Tomou a alternativa já tarde, não propriamente em início de carreira, mas também não se tratou de um acto meramente emblemático para dizer mais tarde aos netos que tinha sido cavaleiro profissional. Nada disso. Soller Garcia teve ontem a consagração de uma vida de trabalho, de esforço e de sacrifício em prol da conquista de um sonho que finalmente alcançou - e de maneira memorável.
Custa-me a acreditar, seria uma tremenda injustiça, que as empresas não passem agora a acreditar nela e a contar com a sua presença em importantes corridas nacionais já a partir da próxima temporada. Os que cá andam mais atentos já conheciam o seu valor. Os outros foram ontem surpreendidos pela existência de mais um cavaleiro que pode - e deve - trazer uma nova lufada de ar puro e de diferença às nossas corridas. Parabéns, Bão!
A segunda surpresa da corrida de ontem foi Manuel Lupi, que lidou o quarto toiro, também da ganadaria Charrua. um toiro sério e nobre que evidenciou qualidades muito boas e lhe proporcionou um grande triunfo. Ninguém diria que Lupi não toureava há cinco anos, tal a desenvoltura, a tranquilidade e a segurança com que esteve em praça, acertadíssimo na brega, emotivo e verdadeiro na cravagem dos ferros, nos remates, na forma superior como lidou e na serenidade e na classe que a todos transmitiu. Pena que o regresso às arenas tenha sido só por esta tarde. Oxalá Manuel se entusiasme e, incentivado com a brilhante tarde de ontem, ainda nos venha a proporcionar outras mais no próximo ano.
A diferença marcou-a João Moura Júnior, como aliás o fez ao longo de toda esta temporada onde reafirmou clara a inequivocamente a liderança e onde gritou bem alto, se dúvidas ainda existissem, que há, na realidade, quarenta anos depois, um novo Moura a mandar na Festa.
Frente ao terceiro toiro da ordem, um extraordinário exemplar de Passanha, foi Moura Jr. protagonista de uma autêntica e empolgante sinfonia de bom toureio, recebendo o oponente com mando e maestria para depois cravar dois compridos de nota alta e fazer explodir o público com um primeiro ferro curto magistral, em terrenos de grande compromisso... como se não fosse nada complicado fazer o que fez. Teve a partir desse rasgo o público a seu lado e permanentemente a aplaudir ferro a ferro, levantando-se das bancadas. Terminou com a marca da casa introduzida nesta temporada, as emotivas "mourinas" - duas fantásticas - com o magnífico cavalo "Hostil", iguais às que levaram Vila Franca, finalmente, a render-se à inigualável arte mourista! Enorme, a fechar uma campanha a todos os títulos memorável e que o consagrou de uma vez por todas como número um do toureio a cavalo.
Hoje vai esta crónica mais ou menos desalinhada e sem relato por ordem de actuação - mas foi assim que me apeteceu, façam a fineza de me desculpar.
Importante e galvanizante foi ontem também a lide de João Ribeiro Telles ao quinto toiro da corroda, outro grande exemplar da ganadaria Charrua. Numa temporada de clara consagração para o valoroso cavaleiro da Torrinha, menos seguidor do estilo clássico de seus parentes, mais na onda que seu pai sempre seguiu, de emoção e inspiração artística a fugir às regras da casa, João reencontrou-se ontem depois de uma noite menos feliz na "Palha Blanco" pela Feira de Outubro. Não morrera uma andorinha, nem muito menos acabara a Primavera, mas ontem João Telles foi a Évora com a clara decisão de nos explicar ele próprio isso mesmo. E esteve em grande, transpirou emoção e risco por todos os poros, lidou admiravelmemte o toiro, fechou com dois grandes ferros nos terrenos complicadíssimos a que já nos habituou com o cavalo "Ilusionista" e o público consagrou este triunfo notável com uma entrega total ao toureiro. E ao seu sucesso.
Filipe Gonçalves lidou o segundo toiro da tarde, que era da ganadaria Passanha e foi também excelente. Teve a atitude de mandar recolher os bandarilheiros e esperar o toiro sózinho para uma emotiva e marcante sorte de gaiola com que deu o mote para uma actuação de muito bom nível a fechar uma temporada que fica marcada como um virar de página na sua louvável e empenhada trajectória. Já o escrevi várias vezes este ano, mas nunca é demais reforçar a nota de que Filipe se renovou e se aperfeiçoou. Está muito mais toureiro e solidificou uma posição no pelotão da frente que outrora era vista e classificada como a de um toureiro "popularucho" - que deixou decididamente de ser, fruto da maturidade que alcançou. Há um novo Filipe Gonçalves e esta foi a temporada da mudança. Para melhor. Encerrou-a ontem da melhor forma.
Com o toiro mais complicado da corrida, um Passanha sério, que apertava e exigia, Miguel Moura esteve ontem em praça com imensa atitude, recebeu-o também com uma sorte de gaiola, sofreu um toque violento de início, falhou um ou dois ferros, mas encastou-se e cresceu ao longo da lide, como a não se dar por vencido e a querer deixar a mensagem que o tempo da consagração vai finalmente chegar. Não é fácil ser um Moura mais e ainda por cima ter um irmão que está no patamar a que o João chegou, acredito que tudo isso constitui uma pressão e uma nervoseira constante para o jovem Miguel, mas a realidade é que ele também é muito bom, tem nas veias o mesmo sangue e a mesma raça do Maestro e não vai tardar muito a dar o salto que se impõe - e que se nota estar a um pequeno passo de alcançar. Ontem não foi o triunfo sonhado e, exigente como é consigo próprio, acredito que o Miguel não tenha saído verdadeiramente feliz daquela praça. Mas sábado ainda tem dois toiros para lidar no Redondo e vai muito a tempo de fechar a sua temporada com chave de ouro e deixar aberta a porta para a consagração definitiva em 2020.
Sobre as seis pegas dos valorosos grupos de forcados amadores de Évora e Real Grupo de Moura já anteriormente aqui ficou tudo dito em pormenor, acrescente-se apenas que os dois grupos estiveram à altura do brilhantismo que ontem rodeou todos os cavaleiros neste triunfal encerramento da temporada eborense.
Marco Gomes foi, como sempre, um acertado director de corrida, nada havendo a apontar à forma aficionada e participativa com que ajudou a proporcionar uma animada e agradável tarde de toiros a todos os que ontem estiveram em Évora. Ana Gomes foi a médica veterinária que o assessorou.
E até para o ano em Évora!
Fotos M. Alvarenga