sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Rodrigo Alves Taxa: O velcro será a antecâmara do fim dos toiros

Amigos aficionados, caríssimo Miguel:

No seguimento do debate que o “Farpas Blogue” iniciou ontem sobre o uso do velcro nas corridas de toiros em Portugal, debate esse em que teve a amabilidade de me citar, senti que deveria tentar contribuir para o aprofundamento deste tema pelo que agradeço a amabilidade e simpatia com que aceitou de imediato publicar este meu artigo.

Ainda assim, antes de me debruçar sobre a matéria em questão permitam-me fazer três declarações de intenção: 

A primeira para dizer que este debate não é somente útil como necessário e até tardio; A segunda para deixar claro que naturalmente respeito todas as opiniões e que com a minha apenas pretendendo partilhar reflexões sobre o tema; A terceira para referir que pese embora estando eu na vida política activa nesta sede escrevo sobretudo como aficionado e não querendo retirar quaisquer dividendos políticos da questão.

Posto isto, vamos ao toiro:

Em minha opinião a questão do Velcro é uma “não questão” e apresento quatro argumentos que a sustentam.

Primeiro argumento : “Sim ao velcro por causa do sangue”.

Em meu entendimento e não escamoteando que este talvez seja o argumento mais badalado quando se fala na tauromaquia, estou certo que haverá muitas outras formas de reduzir a presença deste elemento nas corridas de toiros sem que se tenha de partir para o velcro. 

Basta pensar (não que eu seja desse tempo mas várias vezes o ouvi de toureiros e ganaderos) que em tempos passados os arpões da ferragem eram substancialmente mais pequenos que os actuais. Claro que poder-me-ão dizer que nessa época o tipo de toiro que se lidava também era outro. De acordo. Mas um toiro rematado não tem que ter necessariamente 650 quilos.

Deixo a questão: porque não remodelar a ferragem ainda que se tenha de reduzir a pesagem dos toiros?

Segundo argumento: “O Velcro é evolução”.

A palavra evolução é quanto a mim uma das mais perigosas da nossa época. Sobretudo porque normalmente quando ouço esta palavra, paro, olho ao meu redor e apenas vejo inversão de valores e identidades.

Na tauromaquia é meu entendimento que a evolução só é atingível pelo aperfeiçoamento do toiro de lide nessa tão bela arte produtiva que mais se assemelha a alquimia tal como um dia considerou o Dr. Joaquim Grave num dos seus brilhantíssimos escritos. 

Sucede que se a tauromaquia só evolui com o toiro, o toiro por sua vez só evolui pela bravura. Colocar um velcro nas costas de um toiro é tirar-lhe a possibilidade de ser bravo. 

Não reagindo ao estímulo dos vários estados da lide não vejo como poderá um toiro demonstrar mansidão ou bravura. Já para não falar que uma vez aplicado em praça, o velcro terá também que ser parte das tentas e tudo isto ditará a destruição de um trabalho de décadas (senão séculos) de apuramento da raça de lide. 

Terceiro argumento: “Nos “States” não há? Então aqui também pode haver”.

Este argumento é de todos o mais fácil de rebater pelo simples facto que aquilo que há nos “States” não são corridas de toiros mas antes uma recriação de um espetáculo à luz dos padrões culturais do local onde é feito para que lá possa acontecer.

É uma realidade economicamente muito vantajosa para promotores e artistas, cenicamente próxima da versão originária mas ao que tecnicamente diz respeito é apenas uma versão apalhaçada do que é uma corrida de toiros. Nada mais que isso. Basta vermos uma dessas corridas (nem que seja por vídeo) e percebe-se o que estou a dizer. 

Que não sejam mal interpretadas as minhas palavras. Considero que estas corridas têm muitos pontos positivos quando observadas numa lógica económico-comercial e considero ainda, genuinamente, que há empresários que têm feito um trabalho notável em seu redor. No entanto, tourear é outra coisa.

Quarto argumento: “Se introduzirmos o velcro os PAN´S calam-se”.

Deixei propositadamente para o fim o argumento mais perigoso de todos que é o político. Neste contexto, atendendo aos duros e constantes ataques que a festa vem sofrendo, sinto que há em muitos aficionados a tentação de ceder nalgumas coisas para ver se assim os partidos anti toiros se calam. 

Meus amigos, acreditem em mim! Esse é o maior engano de todos. A agenda anti taurina em Portugal tem um único objectivo, leia-se, acabar com a festa.

Cito: “Da parte do PAN, conquista após conquista, o nosso objectivo final é única e exclusivamente um e não temos qualquer problema em afirmá-lo: a ABOLIÇÃO da tauromaquia”. Esta frase foi escrita na página oficial do PAN.

Não se deixem enganar! O caminho não é ceder. É afirmar e defender o que somos e vivemos na sua totalidade. Ceder no velcro é mais ou menos a mesma coisa que o guarda-redes do Sporting ir ter com o avançado do Benfica e dizer-lhe que escusa de cansar-se a rematar que ele próprio mete a bola na baliza.

Termino com uma nota final que me preocupa. É importante que nos toiros se debata tudo e mais alguma coisa mas é sobretudo fundamental que o sector seja unido. União verdadeira. Não estou com isto a enviar algum recado a quem quer que seja mas sinto, como aficionado, que isso nem sempre acontece.

Nos dias que correm ser toureiro é viver de uma profissão como um médico, um juiz, um advogado, um político, um pedreiro ou um canalizador vive da sua. Não se pode confundir “glamour” com “marialvismo bacoco”. 

Um agente taurino não consegue defender a festa sem o apoio de quem, tendo esse interesse e independentemente do quadrante político em que se inserir, estiver sentado na Assembleia da República. Mas também não há político nenhum que consiga fazer alguma coisa pela festa se na sua total multidisciplinaridade ela estiver desunida ou desarticulada.

Há que mudar isto porque a hora é grave!

Há muito caminho antes do velcro e pouco é aquele que para lá de si se vislumbra.

Rodrigo Alves Taxa

*Jurista, assessor jurídico do partido Chega, Rodrigo Alves Taxa escreve este artigo no "Farpas" a título pessoal e como aficionado


Foto D.R./Rodrigo Alves Taxa/Facebook