Miguel Alvarenga - Venham daí, venham ver como Lisboa está. Triste, deserta, desolada e confinada. Fui à Baixa, ao coração da cidade, agora despovoada de gente, sem os turistas que lhe davam vida, com tudo fechado. Está aberta, felizmente, a emblemática Livraria Bertrand do Chiado, onde voltei a entrar - e onde matei saudades. Mas quase tudo o mais tem as portas fechadas. E não se vê quase ninguém. Uma ou outra pessoa nas ruas vazias de uma cidade entristecida.
Desci a Avenida da Liberdade e deparei com homens em cima do telhado do velho e histórico edifício do "Diário de Notícias" a repôr as letras gigantescas que fizeram desde 1940 a história de um dos maiores jornais nacionais. Edifício que é Prémio Valmor e símbolo de uma era modernista, um projecto do arquitecto Pardal Monteiro, onde agora já não se fazem notícias e que vai dar lugar a um hotel de charme. Quando desci a Avenida, com pouquíssimo trânsito, estavam a recolocar as letras, quando depois a subi no regresso a casa, já as tinham recolocado.
Vi o Restauradores e o Rossio vazios, fui espreitar o Terreiro do Paço sem vida, subi ao Chiado, encontrei Pessoa sózinho, confinado à porta da "Brasileira" ouvindo o som de um violino, fui até a Largo do Carmo, vi, junto à entrada (agora vedada) do Elevador de Santa Justa, a imagem vazia de uma Lisboa bonita mas tristonha, a Rua do Carmo deserta, o Teatro da Trindade com um cartaz de homenagem a Carmen Dolores, voltei a descer ao Rossio, a Estação sem movimento, um vendedor de castanhas, uma fadista que já não canta para quem (não) passa...
Se uma imagem vale mais que mil palavras, optei por não legendar as fotos. Vocês conhecem Lisboa. Conhecem os locais por onde andei. Venham daí revê-los. Um dia voltarão a estar povoados, movimentados, com a vida que agora não têm. Lisboa há-de voltar a ser a cidade bonita e alegre - e branca.
Fotos M. Alvarenga