Miguel Alvarenga - Em mais de quarenta anos de jornalismo, nunca deixei de brincar, em todos os jornais por onde passei, no Dia das Mentiras, tradição secular que toda a imprensa jamais deixou passar ao lado.
Hoje, porém, não me apetece. Brincar não se adequa aos tempos dramáticos que estamos a viver. Os aficionados estão ansiosos por que as touradas comecem. Mas primeiro é preciso vencer esta guerra.
Muito pior que os homens dos toiros estão os técnicos de som, os cantores, os actores e outros profissionais de actividades culturais que se encontram parados há mais de um ano. Às vezes, quando reclamamos desenfreadamente o recomeço das touradas e acusamos o Governo de o estar a travar, esquecemo-nos deles. E esquecemos que, mais importante que voltarmos aos toiros, é vencermos esta guerra e salvarmos vidas humanas. Nós, ainda tivemos a sorte de ter corridas de toiros no primeiro ano da pandemia. Mas perdemos alguns dos que foram os nossos maiores e mais emblemáticos representantes desta arte que amamos - e por que vamos continuar a lutar.
E é precisamente para honrar as memórias de Figuras como Mário Coelho, como José Júlio, como Simão Comenda, como João Manuel Vacas de Carvalho e como Joaquim Azeda - vítimas deste maldito vírus - que hoje renuncio a brincar no Dia da Mentiras.
Era giro, era engraçado e daria que falar inventar hoje aqui meia dúzia de disparates, como todos os anos é tradicional fazer. Ao fim e ao cabo, muitas das mentiras do 1 de Abril não passaram de verdades que se esqueceram de acontecer.
Mas hoje a verdade é outra. Antes fosse mentira. Estamos em guerra. E em tempo de guerra não se brinca.
Foto D.R.