Miguel Alvarenga - São atractivos, qualquer um deles, são equilibrados e bem rematados os cartéis de 2022 em Vila Franca - e estão todos, sem excepção, à altura do gosto e da preferência de um público tão entendido e tão exigente, mas às vezes tão complicado, como é o da carismática praça "Palha Blanco".
O empresário Ricardo Levesinho esmerou-se, apostou, arriscou, também pecou (já lá irei), mas a realidade é que nem sempre se pode agradar a gregos e a troianos - e também não é fácil meter o Rossio na Rua de Betesga, isto é, levar à "Palha Blanco" todos os toureiros em sete corridas. Há, no entanto, algumas ausências gritantes e que pecam por injustas (mas já lá irei, também). Vamos primeiro àquilo de que gostei, a seguir falarei do que não gostei.
Gostei das justíssimas homenagens que se vão fazer em Vila Franca à memória do saudoso e ilustre ganadeiro Fernando Palha (foto de cima), aos 90 anos das festas do Colete Encarnado, as mais portuguesas de todas elas, e também aos 90 anos de glória de um grupo de forcados tão importante - e tão bom - como o de Vila Franca.
Os dois primeiros cartéis são qualquer deles apelativos, a prometer competição, com toiros dos que Vila Franca gosta (Castros na primeira corrida e Vinhas na segunda) e cartéis bem rematados. Ana Batista e Duarte Pinto são já dois consagrados, Miguel Moura é um jovem toureiro em ebulição e em tempo de afirmação e que merece estar na "Palha Blanco" num elenco como este, rematado com as presenças dos forcados "da casa" e dos forcados do Ramo Grande, da Ilha Terceira, um grupo que já saiu triunfador de Vila Franca e assim ganhou o direito de regressar. Fez-se justiça!
A segunda corrida tem um cartel também de alta competição, com Manuel Telles Bastos, João Moura Júnior e João Ribeiro Telles - elenco com que concordo plenamente e a que tiro o meu chapéu, e que conta ainda com as presenças dos forcados de Vila Franca e das Caldas da Rainha, grupo em que pegam dois netos do saudoso Fernando Palha. Muito bom.
A corrida mista do Colete Encarnado, com oito toiros de duas ganadarias de postín (Vigouroux para cavalo e Grave para pé) é uma corrida para aficionados: João Telles tem aqui a sua segunda presença em Vila Franca, em competição com o primo Francisco Palha, outro cavaleiro com triunfos marcantes nesta praça em anos anteriores. O elenco a pé não podia ser melhor: António Ferrera, figurão de Espanha a celebrar 25 anos de alternativa nesta temporada; e "Juanito" (foto em baixo), a nova estrela do toureio a pé, que volta em Outubro noutra grande corrida, depois da sua memorável encerrona na última temporada nesta mesma arena. Cartel rematado com a presença dos Amadores de Vila Franca, como manda a tradição. Grande corrida, a que se acrescentará no mesmo fim-de-semana uma novilhada, com elenco ainda por apresentar.
E chegamos depois à Feira de Outubro, antecedida de uma corrida a 30 de Setembro, para celebrar o 121º aniversário da inauguração da "Palha Blanco", com um cartel histórico: João Salgueiro da Costa (o grande triunfador da temporada passada nesta praça) a solo com seis toiros de seis exigentes ganadarias (nada de facilitismos...), dois grandes grupos de forcados, Santarém e Vila Franca - e um sobressalente de honra especialíssimo: seu pai, João Salgueiro, que certamente vamos ver também actuar ao lado do filho e cuja presença considero uma grande mais valia para a corrida. Um gesto de Salgueiro da Costa e uma aposta brilhante do empresário Ricardo Levesinho.
Logo a seguir, nos dias 2, 4 e 5, as três grandes corridas da Feira de Outubro: importante a primeira, numa praça que tanto preza o toureio a pé, com seis toiros de Palha, o matador espanhol Manuel Escribano (toureiro sevilhano de raça, especialista em Miuras, Victorinos, etc.) e dois dos mais emblemáticos matadores nacionais do momento, António João Ferreira e "Cuqui". Uma corrida para aficionados - e de exaltação ao toureio a pé, que, aliás, tem presença bem significativa nesta Temporada de Sonho da "Palha Blanco".
Na tradicional nocturna de terça-feira (4 de Outubro), a grande homenagem aos 90 anos da fundação do GFA de Vila Franca de Xira (que pega em solitário, como manda a lei nesta data) e mais uma aposta do empresário Levesinho na diferença: um mano-a-mano entre António Ribeiro Telles e João Moura Júnior com seis toiros de ganadarias das que pedem contas, Ribeiro Telles, Vale de Sorraia e Murteira Grave.
E por fim, no feriado de 5 de Outubro, mais uma grande corrida mista com o génio do toureio a pé Morante de la Puebla e de novo "Juanito" e com a terceira inclusão de João Ribeiro Telles na temporada vilafranquense, aqui como único cavaleiro, mais os forcados de Vila Franca e toiros de Manuel Veiga, outra ganadaria carismática.
Tudo bem até aqui, não tenho nenhuma crítica a fazer aos sete elencos anunciados - antes pelo contrário. Aplaudo-os e aplaudo a coragem com que Ricardo Levesinho, provavelmente contra o gosto de alguns, teve a ousadia de montar sete elencos que não são "mais do mesmo", que primam pela diferença, pelo equilíbrio, pelo bom gosto, pela aficion e pelo saber de um empresário que conhece bem as preferências do exigente público de Vila Franca - e vai ao encontro delas.
Do que não gostei?
Não é propriamente não gostar, é, apenas e só, estranhar. Estranhei que, pela primeira vez em muitos anos, Ricardo Levesinho tenha apresentado com tanta antecipação todos os elencos da temporada vilafranquense, incluindo os da Feira de Outubro. Mas, pelos vistos, este ano isso está na moda. Outras empresas, de praças igualmente importantes, apressaram-se já também a anunciar todos os seus cartéis.
Eu sou do tempo em que Manuel dos Santos deixava em muitas corridas um posto em aberto para que entrasse o triunfador da corrida da semana anterior. Esta mania, agora na moda, de anunciar de uma assentada os cartéis todos da temporada, creio que nem incentiva os toureiros, já que, mesmo que triunfem, sabem que não serão repetidos, sabem que os elencos já estão todos fechados... e sem lugar para que os voltem a contratar. Por outras palavras: com as coisas assim, um triunfo nos dias de hoje não tem, nem de perto nem de longe, a importância que tinha antigamente. Nem os proveitos que daí advinham noutros temos para quem os conquistava.
Adiante. Não gostei de constatar algumas ausências na temporada de Vila Franca. Bem sei que não podem estar todos, mas há uns que deviam estar e cuja falta é mais notada que a de outros nos cartéis hoje apresentados.
E falo sobretudo da ausência dos dois Rouxinóis (nas fotos de cima). Luis celebra esta temporada 35 anos de alternativa e a "Palha Blanco" foi sempre para si uma praça talismã e onde desfruta de grande cartel e de muito carinho. Luis Júnior já marcou uma posição, em mais que uma ocasião, para merecer estar em Vila Franca. Não quero acreditar que esta falha seja um pecado de Levesinho, num momento em que muitos sabem que as suas relações com Rui Bento, apoderado dos dois cavaleiros referidos, já não são as que eram dantes...
Podia falar das ausências de muitos mais toureiros, nomeadamente dos cavaleiros Rui Fernandes, Filipe Gonçalves (que, curiosamente, é apoderado por Rui Levesinho), de Marcos Bastinhas, de António Prates, que nesta praça "explodiu" em 2019 e já lá triunfou mais vezes e de outros toureiros importantes e com provas dadas na "Palha Blanco", como é o caso do matador Manuel Dias Gomes (foto de baixo).
A ausência dos Rouxinóis, essa, é, a meu ver, gritante e injusta. As outras, sê-lo-ão ou não, consoante a interpretação de cada um. Mas, lá está, não se pode agradar a gregos e a troianos. Nem se consegue meter o Rossio na Rua da Betesga.
Mesmo assim, os meus parabéns à Tauroleve pela temporada de Vila Franca. Uma Temporada de Sonho, sim senhor. Mas também de algumas insónias... para alguns.
Fotos M. Alvarenga e Emílio de Jesus/Arquivo