2023 em Portugal: toureio a pé teve um nome - Tomás Bastos. E Manuel Dias Gomes (em baixo) consagrou-se como o grande triunfador do Campo Pequeno, juntamente com o cavaleiro Miguel Moura |
Miguel Alvarenga - Se algumas dúvidas ainda existissem, está aí o pequeno Tomás Bastos, de apenas 16 anos, para provar que o toureio a pé está vivo e bem vivo entre a aficion lusitana. Haja figuras - ou projectos de figuras -, que o público vai às praças.
Em Vila Franca (Outubro), lidaram-se oito toiros, a corrida nunca mais acabava, Tomás Bastos foi o último a actuar, a "Palha Blanco" estava cheia, e não houve um espectador que arredasse pé das bancadas. Ficaram todos até ao fim.
Tomás Bastos não toureia a cavalo, toureia a pé. E nas três vezes que toureou em Portugal nesta sua primeira temporada vestido de luces - duas em Vila Franca, uma na Moita - deixou o público em polvorosa. Há mais de trinta anos, desde a explosão de Pedrito, que não se sentia o público português tão entusiasmado e a sonhar tão alto com um toureiro. E isso, sendo obviamente importante para o futuro próximo de Tomás Bastos, é importante, sobretudo, para o futuro e a continuidade do nosso toureio a pé.
Mais: em arenas de Espanha e de França (onde foi considerado o novilheiro sem picadores triunfador da temporada), Tomás Bastos consolidou já uma posição invejável e sem igual entre os toureiros portugueses desde há muitos anos. Mais concretamente: desde os tempos de Vitor Mendes (salvaguardando-se, claro está, as devidas distâncias).
Conclusão: o toureio a pé em Portugal não está adormecido, como alguns diziam. Antes pelo contrário. Está vivo e bem vivo - desde que haja motivos de interesse para que assim seja. E este ano houve: chama-se Tomás Bastos. Mas não é o único. Como dizia o outro, "toureiros a pé há muitos, seu palerma!...".
Em 2022 despertara já Gonçalo Alves. Deu nas vistas, criou nome, ganhou o I Memorial Iván Fandiño em Bilbao, andou por Espanha a cortar orelhas.
Este ano manteve a áurea, voltou a representar com toda a dignidade a Escola de Vila Franca do outro lado da fronteira, sofreu a primeira cornada, vulgo "baptismo de sangue", mas não desanimou. Ficou apenas, valha a verdade, algo ofuscado com o boom repentino de Tomás Bastos. Mas é um toureiro promissor e há que continuar a contar com ele. Sem desânimo algum. Força, Gonçalo!
Por Espanha e França, num escalão mais acima, continuam a lutar Diogo Peseiro e João D'Alva.
Peseiro voltou esta temporada a dar a cara em importantes novilhadas em praças espanholas e francesas. Está há dois anos para tomar a alternativa - e este compasso de espera começa a criar algum desespero. Maurício Vale, o apoderado português, acusou "forças estranhas" de estarem a travar o passo em frente (alternativa) do promissor Peseiro. É um toureiro de valor - e que faz falta.
Em Portugal, este ano, nenhuma empresa o chamou. Tinha a apresentação como matador marcada para a Feira de Abiul, mas o projecto desmoronou-se com o atraso da esperada alternativa. Para o ano será - esperemos! Perder mais tempo seria mau.
João D'Alva, também ausente das arenas nacionais, é outro nome que continua na luta em Espanha. Teve este ano o azar de sofrer duas cornadas. Mas não virou a cara - e segue em frente, também, rumo à desejada alternativa.
Ainda a dar os primeiros passos, deram também nas vistas esta temporada, do outro lado da fronteira, mais dois jovens portugueses: António Gaio Grilo (da Escola de Badajoz, ex-aluno da Escola da Chamusca) e João Mexia (da Escola da Moita).
Quanto aos matadores de toiros, estiveram em cena Manuel Dias Gomes, Joaquim Ribeiro "Cuqui", João Silva "Juanito" e António João Ferreira.
Nuno Casquinha anunciou que voltava às arenas depois de ter estado dois anos afastado, mas a reaparição ficou-se por uma única tarde - triunfal, diga-se de passagem, com saída em ombros - na praça de Arruda dos Vinhos, sem ter depois sequência.
Radicado em Espanha, mas toureando muito pouco (praticamente nada), continua João Diogo Fera, outro toureiro bom. Vai actuar no próximo dia 29 num festival taurino em Manzanilla (Huelva).
O mais destacado dos matadores lusitanos na nossa temporada de 2023 foi, sem dúvida alguma, Manuel Dias Gomes.
Com passagens triunfais pelas praças de Sobral de Monte Agraço (festival de Abril), Chamusca (Ascensão), Vila Franca (Outubro) e sobretudo Lisboa, sagrando-se ao lado do cavaleiro Miguel Moura como grande triunfador da temporada do Campo Pequeno, Manuel Dias Gomes teve esta temporada um desempenho (e uns resultados) mais importante que em anos anteriores.
Em Lisboa, ao lado de "El Cid", numa corrida transmitida em directo pelo canal OneToro para todo o mundo, Manuel Dias Gomes teve uma projecção mediática de fortíssimas proporções. Resta agora saber se isso lhe terá servido para alguma coisa e se, como se fala, o levará no próximo ano a Las Ventas para confirmar a alternativa.
Joaquim Ribeiro "Cuqui" é outro matador de valor com quem os raros empresários que apostam no toureio a pé têm contado. Toureou praticamente só nas praças de Ricardo Levesinho - Vila Franca e Moita - e foi duas vezes à Califórnia e uma à Ilha Terceira.
Deixou rasgos de triunfo e sucesso nas arenas por onde passou. "Cuqui" é um todo-poderoso que domina na perfeição os três tércios e fica bem em qualquer cartel misto. O problema é as corrida mistas não serem muitas e haver apenas dois ou três empresários (Pombeiro é outro) a apostar no toureio a pé.
"Juanito" é a nova estrela e continuou, um ano mais, a ser o matador português com mais corridas em Espanha e ao lado das primeiras figuras. Cortou orelhas e rabos. Mas não passou ainda a raia da Extremadura. Falta-lhe - e já se justificava que isso acontecesse - dar o salto, sair da zona raiana e entrar por Espanha dentro, nas grandes praças e nas principais feiras.
"Juanito" está, agora sim, calejado, moralizado e maduro para dar finalmente o salto - e reúne todas as potencialidades para que isso aconteça.
Em Portugal, compareceu em apenas duas ocasiões - e ainda não foi desta que voltou ao Campo Pequeno. Toureou em Agosto em Abiul - e triunfou, deixou grande ambiente. E toureou em Setembro na Moita - onde também triunfou, mas acabou ofuscado pela apoteose e saída em ombros de Tomás Bastos.
Já depois disso, cortou orelhas e saíu em ombros em Zafra com Miguel Ángel Perera e Talavante; e fechou a sua campanha no sábado passado em Fregenal de la Sierra cortando um rabo e saindo em ombros com "El Fandi" e Miguel Ángel Perera. Tardes importantes, sem dúvida. Mas em praças menos importantes. "Juanito" precisa - e merece - ir mais longe, saltar a raia da Extremadura e entrar pela Espanha dentro à conquista de um lugar ao sol.
António João Ferreira, outro matador de muito valor, comemorou esta temporada quinze anos de alternativa, toureando mais corridas que o habitual, graças ao empenho do seu novo apoderado José Nunes.
Entrou em corridas com cartéis de cavaleiros - até em Messejana, onde há muitos anos não actuava um matador! - a lidar apenas um toiro, sem que isso trouxesse um grande prestígio ao toureio a pé ou mesmo à sua figura (os cavaleiros a lidar dois toiros cada e o matador "enfiado" no meio, sujeitando-se a integrar o cartel com um só toiro...), mas a realidade é que isso contou para somar actuações e António João não deixou passar em branco essas oportunidades, triunfando.
De Espanha vieram algumas figuras, na sua maioria engrandecendo com as suas presenças a temporada portuguesa.
Uma semana depois de ter sido colhido em Badajoz, Morante de la Puebla não quis faltar ao compromisso em Vila Franca e apresentou-se no Colete Encarnado com o bonito gesto de apoiar a apresentação em público de Tomás Bastos. Teve duas valorosas e aplaudidas faenas, mas nessa tarde acabou por tramar a sua temporada.
Colhido quando lidava de capote o seu primeiro toiro, sofreu uma lesão no pulso de que ainda não recuperou e que o acabou por levar a suspender a temporada, depois de alguns meses de incertezas quando às suas presenças nas praças (portuguesas, francesas e espanholas) em que estava anunciado. Faltou em Setembro ao Campo Pequeno e faltou em Outubro a Vila Franca.
De Espanha vieram também Manuel Jesús "El Cid" (que substituiu Morante em Lisboa), deixando na capital o perfume da sua arte; e Alejandro Talavante esteve agora em Outubro em Vila Franca, de onde saíu em ombros com Tomás Bastos. À Feira da Moita veio o sevilhano Juan Ortega, com toiros que lhe deram poucas opções, mas mesmo assim dando um ar da sua muita graça. E esteve "El Juli" em Coruche, a uma semana da despedida em Madrid e em Sevilha, com dois toiros sem presença e que retiraram brilho às suas faenas e à sua boa vontade.
Enfim, resumindo e concluindo: no que ao toureio a pé diz respeito, viveu-se em 2023 uma nova época de sonhos e de enorme esperança, como há mais de trinta anos tinha acontecido com Pedrito, agora com Tomás Bastos, a nova estrela.
E confirmou-se o enorme toureiro que é Manuel Dias Gomes, com a consagração no primeiro palco da tauromaquia nacional, o Campo Pequeno.
Tenham os empresários nacionais o bom senso - e o bom gosto - de voltar a promover as corridas mistas e depressa o toureio a pé volta a ter a força que teve no passado. É, apenas e só, uma questão de quererem dar esse passou. Porque "toureiros a pé há muitos, seu palerma!...".
Fotos M. Alvarenga e D.R.
Joaquim Ribeiro "Cuqui" |
João Silva "Juanito" |
António João Ferreira |
Diogo Peseiro |
João D'Alva |
Gonçalo Alves |
Morante de la Puebla em Julho em Vila Franca |
Alejandro Talavante em Outubro em Vila Franca |
"El Cid" em Setembro no Campo Pequeno |