Miguel Alvarenga - As coisas têm a importância que têm e, sobretudo, a importância (ou não) que se lhes queira dar. E eu tinha decidido não dar qualquer relevância, e muito menos importância - porque a não teve em sentido algum - ao assunto de Évora. Mas sou obrigado, por uma questão de educação e deferência, a vir aqui esclarecer o que não precisava de esclarecimento algum, face ao texto solidário - que agradeço do fundo do coração, mas cujo teor, na parte que me toca, não corresponde minimamente à realidade - ontem dado à estampa no site "Touro e Ouro". De qualquer maneira, obrigado pela solidariedade manifestada.
Passo então a esclarecer: 50 anos depois dessa coisa a que chamaram revolução, não houve da parte da organização do concurso de pegas e do festival taurino da Gala da Tauromaquia - com a qual até mantivemos uma agradável e proveitosa parceria - qualquer tipo de censura ou impedimento de fazer o nosso trabalho. Pelo contrário.
Eu explico: rumei a Évora na manhã de sábado, bem cedo, na companhia do meu amigo António Nunes. Já aqui vos tenho dito, vocês não acreditam, mas eu já não tenho, nem de longe, nem de perto, a aficion que me movia nos primeiros anos. Hoje, ainda para mais com os cartéis todos iguais, tudo sempre mais do mesmo, quando vou a uma tourada, vou fazer um frete. Melhor dizendo: não vou por gosto e muito menos por paixão; vou em trabalho, mais nada.
Apetecia-me tanto ir ver o festival de Évora como atirar-me da Ponte Salazar ao Tejo... Mas fui. Fui, primeiro que tudo, por respeito aos antigos Forcados que se iam voltar a fardar e que adorava ter fotografado. Fui, também, por solidariedade para com o Mira, o Nuno e o Diogo, pelo brilhante trabalho que têm vindo a fazer em prol da tauromaquia - uma causa em que eles acreditam, em que eu já acreditei muito mais...
Chegado a Évora, acompanhei o António Nunes ao sorteio (é apoderado de Moura Caetano), que não se realizou na praça (onde estava a decorrer o Dia do Forcado), mas sim debaixo de uma árvore, num terreno ali próximo, onde estive com o Francisco Mira e o Nuno Santana, dois dos organizadores do festejo. Perguntei ao Mira se estava tudo controlado - o meu bilhete e a creditação que dias antes tinha solicitado para José Canhoto, nosso repórter fotográfico - e ele disse que sim, que as entradas estavam na bilheteira. Muito bem.
Fomos almoçar ao buffet do ÉvoraHotel, onde tive o gosto de encontrar o Inácio Ramos Júnior, que organizava a festa da noite depois do festival.
Rumámos então à praça, faltaria uma hora para o início do festival. Dirigi-me à bilheteira, onde estavam duas simpáticas meninas que nunca vira antes a desempenhar tal missão. Perguntei por um bilhete em meu nome. A menina foi buscar uma caixa de sapatos onde tinha alguns envelopes, passou-os todos a pente fino e informou-me de que não estava nada em meu nome. Percebi que haveria alguma confusão e até mesmo alguma desorganização, posteriormente confirmada por outras pessoas que tinham esbarrado na bilheteira com situações idênticas...
Fiquei feliz da vida. Assim já não tinha que gramar o festival "mais do mesmo". Informei o António Nunes do sucedido e disse-lhe que ia directo para o hotel (Mar de Ar-Muralhas), onde esperaria por ele. O António disse-me que ia só ver o Moura Caetano, que era o primeiro a tourear, e depois iria ter logo comigo.
Pelo meio, encontrei o Nuno Santana e contei-lhe o que acontecera, disse-lhe que me ia embora, que não tinha paciência (nem idade...) para trapalhadas dessas. Que não, que não, que ia já remediar o assunto. Mas arranquei, muito obrigado, amigo Nuno.
Uns segundos depois, toca o telemóvel, era o Nuno outra vez. Que tinha o meu bilhete na mão, que tinha havido um engano, que voltasse. Mas já não me apeteceu. Agradeci e rumei ao hotel.
Estava mesmo a chegar quando me telefona a Margarida Calqueiro, que é funcionária desta organização, como o é de outras. Que tinha o meu bilhete na mão, que me esperava na praça. Muito obrigado, Margarida, mas agora já estava no hotel e não me apetecia nada voltar para trás. Sentei-me no bar e bebi tranquilamente uma cervejinha (fotos de cima). E depois outra. E depois chegou o António e teve o bonito gesto de me trazer a Lisboa e voltar para Évora para jantar. Obrigado, António!
No dia seguinte ligou-me o Francisco Mira. Comprometidíssimo, aflito, a pedir mil desculpas, que o bilhete estava na bilheteira em nome de jornal "Farpas" e que tudo não passara de um equívoco - e eu perguntei por um bilhete em meu nome, não me passou pela cabeça que estivesse em nome do "Farpas". E o bilhete ficou lá... Resumindo: tudo sanado, amigos como dantes.
E perdi este tempo todo a escrever isto, apenas e só, para esclarecer que ninguém me vetou, ninguém me censurou 50 anos depois da revolução, ninguém me impediu de desempenhar o meu trabalho. Antes pelo contrário. E ao contrário de outros, que continuam, lamentavelmente, a ser indesejados na esmagadora maioria da praças - e esses, sim, vetados, censurados, proibidos.
O "Farpas", graças a Deus - e graças ao nosso trabalho - continua a ser desejadíssimo nas praças. E até nos pagam (e bem!) para lá irmos! Não nos deixam à porta, não nos vetam crepitações. Querem-nos lá.
Foto D.R.