José V. Claro - As corridas de toiros nas praças que ainda resistem a norte (destaque para as da Nazaré e Figueira da Foz, não esquecendo, obviamente, todas as outras da zona raiana lá de cima) têm um sabor - e um sentimento - cada vez mais especiais. O público enche as praças, como que a manifestar a sua adesão ao espectáculo tauromáquico e a dizer que não o quer ver acabado, como aconteceu em Viana e na Póvoa, sem que as gentes dos toiros tivessem feito grande coisa para o evitar (a chamada ProToiro, ao tempo, estava muito provavelmente de férias...).
O que aconteceu na inauguração da temporada na Nazaré (grande espectáculo e praça esgotada) e o que aconteceu este sábado, também na inauguração da temporada na Figueira da Foz, são exemplos do que atrás se referiu - o público nortenho gosta de toiros, não gosta que o privem de touradas, e vai à praça manifestar-se, afirmar a sua aficion, divertir-se com os toureiros. Sejam eles quais forem. E nem precisam de ser as chamadas primeiríssimas figuras.
O público nortenho gosta de corridas com diversificação. Não é propriamente adepto da corridas formal de três cavaleiros, cada qual a lidar dois toiros. Gosta de cartéis de muitos cavaleiros. Seis, sete se for o caso, como aconteceu este sábado na Figueira.
Há muito anos, o saudoso Raúl Nascimento, quando foi empresário do Coliseu Figueirense, organizou uma corrida de mano-a-mano entre os cavaleiros João Ribeiro Telles e Paulo Caetano. E os protestos choveram de todo o lado: "Ó senhor Raul, a gente aqui gosta é de ver seis cavaleiros, agora começam a anunciar corridas com três e o senhor aparece-nos com uma só com dois, valha-nos Deus, Nosso Senhor"!...
É assim. Os aficionados nortenhos gostam de fartura, de elencos diversificados. De ver muitos toureiros, muitos estilos.
Os empresários José Luis Zambujeira e João Anão Madureira, que gerem o Coliseu Figueirense em parceria com Luis Miguel Pombeiro, conhecem bem os gostos do público local. A primeira corrida era de sete cavaleiros, as duas que se seguem são de seis, mas nada de três e muito menos de dois...
Sábado, a abrir mais uma temporada, o bonito e bem cuidado Coliseu Figueirense encheu por completo. Não esgotou, mas andou lá perto. Corrida de praça cheia é sempre outro ambiente.
Lidaram-se sete toiros de Santo Silva, tendo sido guardado no início da corrida um respeitoso - e emotivo - minuto de silêncio em memória do seu falecido proprietário, o saudoso ganadeiro Isidro Silva.
Bem apresentados, a denotar excelente jogo, os toiros cumpriram a sua missão, sairam bem, proporcionaram um grande espectáculo a cavaleiros e forcados. No final das lides do quarto e do sétimo, o representante da ganadaria foi muito justamente premiado com voltas à arena. Um triunfo que foi também uma grande homenagem à memória do ganadeiro.
Homenagens houve também ao cavaleiro Rui Salvador, pelos seus 40 anos de alternativa e pela sua despedida das arenas; e aos valentes forcados Académicos de Coimbra, que celebram o seu 60º aniversário e se encerraram (antigos e actuais elementos variados e a intervir nas pegas) com os sete toiros, realizando seis pegas à primeira e só uma à segunda, a do cabo Ricardo Marques. Um triunfo grande do Grupo!
Foram forcados de cara Martins Rodrigues, Pinto Basto, João Gonçalo Gama, o cabo Ricardo Marques, Francisco Gonçalves, João Tavares e Guilherme Carvalho.
Dos sete cavaleiros em praça, só não funcionou Salgueiro da Costa, que esteve em noite menos inspirada e menos feliz, coisas que acontecem, sem que daí tenha obrigatoriamente que se diminuir o valor e a arte deste bom ginete.
Rui Salvador deu uma lição à maneira antiga. Despediu-se da Figueira da Foz com uma daquelas noites incríveis de ferros impossíveis - como só ele sabe!
Gonçalo Fernandes voltou a dar, como dera na véspera em Idanha, um grupo de alerta, mais de revolta, contra as injustiças de que tem sido alvo. É um cavaleiro de muito valor e que merecia estar onde as empresas teimem em não o colocar, isto é, nas primeiras praças e nos cartéis importantes. Não se pode deixar esquecido em Seia um toureiro com este valor. Lide brilhante e de risco, a reafirmar a classe e o mérito de um cavaleiro que não pode continuar esquecido e injustiçado. Força, Gonçalo!
O mexicano Emiliano Gamero foi logo aplaudido mal entrou em praça - e isso são coisas - e são toureiros - que fazem falta à Festa. Esteve valente e a tourear de verdade com os ferros compridos e depois demonstrou ousadia nos curtos. Primeiro toureou a sério. Depois deu o seu show. Resultado: público eufórico, praça de pé. Isto não é bom para a Festa? Claro que é.
Marcelo Mendes é outro cavaleiro "desaparecido em combate" e que também tem o seu valor - e o seu lugar. Deixou ambiente na Figueira da Foz, protagonizou uma lide variada e com ritmo, terminou com um aplaudido par de bandarilhas.
Luis Rouxinol Júnior começou com alguma irregularidade, depois a casta veio por ali acima e a sua actuação foi sempre de menos a mais, em crescendo de euforia. O público está com ele. Terminou com dois palmitos de nota alta.
Já a corrida ia em mais de três horas, com tantos tributos ao início e até um momento de fado em homenagem aos forcados das jaquetas azuis, quando entrou em praça David Gomes para lidar o sério - e último - toiro. Recebeu o oponente com uma espectacular e emotiva sorte de gaiola, aguentou a carga do toiro em três voltas à arena e depois desenvolveu uma lide de muito mérito e grande impacto, com excelente brega e grandes ferros. Um êxito importante de David Gomes, moralizado com o recente triunfo na Ilha Terceira e agora com três compromissos importantes pela frente na primeira quinzena de Agosto.
Em suma, uma grande e variada corrida, de que o público saíu satisfeito e com vontade de voltar. Dia 10 de Agosto há a segunda da temporada.
Esta foi bem dirigida por Paulo Valente, assessorado pelo médico veterinário José Luis Cruz.
Video D.R.