segunda-feira, 17 de março de 2025

Diego Ventura: "O público português e eu estamos cheios de vontade de nos voltarmos a ver, de nos reencontramos!"


Já falta menos de um mês para o termos de volta a uma praça portuguesa, mais concretamente à Monumental do Montijo, onde na tarde de 12 de Abril vai tourear mano-a-mano com a nova estrela do toureio equestre nacional, Duarte Fernandes - Diego Ventura toureou pela última vez nos seu país natal em 2023 na Moita. Ao Campo Pequeno não vai há oito anos. É o toureiro “mais desejado” pela aficion nacional. Nesta entrevista ao “Farpas”, Diego, que verdadeiramente é Diogo, “abre o coração” aos aficionados do país onde nasceu. Considera que estar tanto tempo sem cá tourear “até pode ser bom” porque, pelo menos, aumenta a expectativa do público para o rever, mas confessa sentir alguma tristeza cada vez que saem os cartéis de Lisboa e ele não está lá. “É a praça mais importante para o toureio a cavalo e foi uma praça onde sempre triunfei”, recorda. Diz que com Rui Bento a contratação não resultou por “umas coisas” e agora com Pombeiro não tem funcionado por “outras”, mas acredita que tudo se há-de solucionar. Sobre a corrida do Montijo, as suas expectativas são muitas e grandes. “Era bom para Portugal e para a Festa que o público acorresse e esgotasse a praça com antecedência. Vai ser uma corrida diferente, Deus queira que seja uma grande tarde para mim e para o Duarte”, afirma.

Entrevista de Miguel Alvarenga

- Diego, tantos anos sem tourear em Portugal (excepção feita há dois, na Moita) tem sido prejudicial para a tua carreira ou não?

- Acho que tantos anos sem tourear em Portugal, só toureei aquela corrida na Moita há dois anos, não foi prejudicial, pelo contrário. Acho que, por um lado, até foi bom, no sentido de que os aficionados estiveram um tempo sem me ver, eu também perdi um tempo de desfrutar do público de Portugal, que sempre adorei, mas por um lado acho que foi bom porque, no final de contas, o púbico ficou à espera, eu também fiquei à espera, sabia perfeitamente que os anos passavam e que o público ia ficar com mais vontade e com mais expectativa para eu voltar. E eu também estava com essa mentalidade de que o público tivesse essa vontade, essas ganas de ver-me tourear de novo, até porque antes já levava muitos anos a tourear em Portugal, muitas corridas seguidas e acho que se estava a transformar numa monotonia. E por isso acho que prejudicial não foi. O público, às tantas, fica com essa vontade de ir ver um toureiro que não vê há muito tempo e acho que é isso que se passa agora. O público está com vontade e está com imensas ganas, igual que eu. Estamos ambos cheios de vontade de nos reencontramos, é isso.


- Se não estou em erro, já lá vão oito anos sem marcares presença no Campo Pequeno, em Lisboa. O que tem dificultado essa contratação, primeiro com Rui Bento e a Drª Paula Mattamouros, agora com Luis Miguel Pombeiro? O cachet? Os toiros? O cartel?

- Sim, já são oito anos sem tourear em Lisboa, a primeira praça do país e a primeira praça do mundo para o toureio a cavalo. Para mim, não é fácil, não é mesmo nada fácil. Cada vez que saem os cartéis da temporada, levo um dia ou dois com sentimentos desencontrados, porque não podemos esquecer que Lisboa é a cidade onde eu nasci. Desde a primeira vez  que toureei e debutei em Lisboa, em que abri a porta grande, o púbico entregou-se sempre. Também houve dias em que uma parte do púbico estava contra e depois acabou a corrida a favor. É um público muito especial para mim. Um público que tenho no meu coração, tal como posso ter o público de Sevilha, de Madrid, da Plaza México. A praça de Lisboa é uma praça que me tem marcado muito, uma praça que me tem dado muito como toureiro e como pessoa… e estar fora dela há tantos anos não é fácil e, sobretudo, sentimentalmente, cá por centro, só eu é que sei o que sofro. O público nunca chega a aperceber-se disso, nunca chega a perceber o que pode sentir um toureiro como eu ao não estar lá, nessa praça tão importante e tão especial. O que tem dificultado a contratação, perguntas… No princípio, com o Rui Bento e com a Doutora, foi por umas coisas; agora com o Pombeiro tem sido por outras. Eu não vou revelar as negociações, não vou dizer aqui se tenho razão ou não, não vou por aí, eu sei bem o que faço e sei bem que as coisas quando não vão pelo sítio certo e quando não são faladas pelo sítio certo, quando há coisas que não vão na linha recta, eu não entro no jogo… e é o que tem acontecido, eu para estar num cartel, ou para entrar numa corrida, ou para fazer qualquer coisa na vida, seja o que seja, gosto que as coisas sejam numa linha recta, nunca gosto de que haja traços pelo meio ou curvas, ou coisas que não sejam aquilo que tenho na minha cabeça…


- Tem havido desencontros, sobretudo de ideias, é isso?

- Mais ou menos isso. Mas acredito que um dias as coisas se vão solucionar.



- Este ano, esteve para ser em Santarém, depois falou-se de Lisboa, na alternativa de Duarte Fernandes. Ainda não é desta que te voltamos a ver no Campo Pequeno?
- O caso de Santarém: é verdade que os empresários foram ter uma reunião com o meu apoderado Andrés Caballero, dois dias antes falaram comigo, perguntaram se eu tinha vontade de tourear, eu disse que sim, que tinha muita vontade de tourear em Santarém, porque é também uma praça muito importante em Portugal e onde eu adorava voltar a tourear, mas avisei-os para que tivessem uma coisa muito clara - que quando se fossem sentar com o meu apoderado, o meu apoderado ia pôr as condições, qual seria o cartel, quais seriam os toiros, qual seria a data. E eles foram para lá com umas outras ideias, eu tinha-os avisado, foram para lá com umas ideias de toiros e de cartel que não eram as nossas, que não eram as do meu apoderado, e não se chegou a acordo. Foi só esse o motivo. Depois de Santarém, falou-se de Lisboa e da alternativa do Duarte, e o que eu mais adorava era estar em Lisboa na corrida da alternativa dele, uma corrida que acho que pode ter impacto, pode ser um cartel bonito, e acho que o sítio onde o Duarte tem que tomar a alternativa é em Lisboa. Vamos ver…


- Montijo é uma praça que te diz muito. Teu Pai tem aí as suas raízes, sempre triunfaste quando ali te apresentaste. Que significado especial tem esta corrida de 12 de Abril?

- O Montijo para mim é também uma das praças especiais, uma praça com categoria, uma praça sempre com uma quantidade de pessoas importantes na bancada, é uma praça onde triunfei muito, é a cidade onde o meu pai nasceu e onde tem as suas raízes e a sua família, é uma praça onde eu fui muito feliz e voltar à Monumental do Montijo neste dia 12 de Abril é para mim um prazer enorme, estou com muita vontade, vontade de que as coisas saiam bem, de que seja uma corrida boa e de que o público desfrute e que possa ver o Diego Ventura de que eu gosto e que eu sinto. Deus queira que seja uma corrida importante para mim e que seja uma corrida importante para o Duarte e que o público saia satisfeito. 


- Haverá sempre os “contra”… E os “contra”, desta vez, dizem que não vens tourear com um companheiro de estatuto igual ao teu, mas antes com um cavaleiro praticante… Comentários, Diego?

- Bom, quanto ao tema do cartel e já que algumas pessoas podem criticar que eu vá com um toureiro praticante, devo dizer que num princípio falou-se ao António Telles para tourear a corrida e ele não viu oportuno entrar no cartel, eu também concordo com o António e com as palavras que ele me disse aqui em La Puebla del Rio na novilhada que montou o Morante, disse-me que não tinha uma quadra verdadeiramente boa para poder competir, que gostava imenso de tourear comigo, mas que neste momento não tinha  os cavalos de que precisava para tourear uma corrida de tanta importância. Eu entendi perfeitamente, o António, para mim, é dos Maestros mais importante que deu Portugal, para mim tem sido um Maestro muito importante, respeito a sua opinião, respeito muito que ele tivesse vindo falar comigo e me tivesse dito essas palavras que considero de muita consideração. Depois tentou-se o João Salgueiro (pai), mas também não podia ser porque ele neste momento não queria tourear. E depois, repensando a situação, a empresa queria pôr o Rui Fernandes, mas optámos por ficar este mano-a-mano com o Duarte. O Rui Fernandes é como um irmão para mim, mas acho que neste momento fica um cartel mais atractivo com o Duarte e com este mano-a-mano, ainda por cima acho que é uma oportunidade muito grande para ele. E eu também tenho vontade de tourear mais um toiro em Portugal, que sejam três! Acho que fica um cartel rematadíssimo, mas entendo perfeitamente que haja algumas pessoas que digam que gostavam de ver-me com outro toureiro, com um profissional e não com um praticante, mas não podemos estar sempre ao gosto de todo o mundo…



- Pela minha parte, já aqui o escrevi, considero até que é uma lição que dás ao disponibilizar-te para vires “arriscar” um mano-a-mano com um jovem em ebulição, que “incomoda”, como “incomodou” no final do ano passado em Zaragoza, que não é um companheiro “fácil”. O mesmo vai passar-se em Madrid, na Isidrada, onde te anuncias outra vez com o Duarte e com o espanhol Sebastián Fernández, outro jovem em ascensão. Depois de 27 anos de glória e sem ter já nada que provar a ninguém, podias perfeitamente optar pela comodidade, mas não o fizeste, nem com os toiros para o Montijo. Isso quer dizer que te encontras preparado para todos os desafios?…

- Sim, acho que me encontro num momento muito bom da minha carreira e volto a repetir o mesmo que disse no dia da apresentação do cartel, ou seja, acho que sempre haverá pessoas que me compreendem, outras que não me compreendem, mas acho que já não tenho que demonstrar nada a ninguém, acho que depois de 27 anos de carreira, com 19 portas grandes em Madrid, com 10 Portas do Príncipe em Sevilha, com tantos triunfos na Plaza México, noutras praças do México, na Venezuela, no Peru, na Colômbia, com mais de 100 cavalos postos por mim a tourear, toureei muitos toiros de Adolfo Martín, toureei corridas de Victorino, de Murteira Grave, de Veiga Teixeira, toureei corridas de Pablo Romero, enfim, não merece a pena continuar a falar das corridas que toureei, acho que não tenho que demonstrar nada a ninguém. Estou num momento feliz, tenho que aportar ao toureio a cavalo as coisas que eu sinto, e o que eu sinto neste momento é tourear com toureiros jovens, toureiros que podem ser umas grandes figuras, como o caso do Duarte Fernandes ou o caso do Sebastián Fernández aqui em Espanha, acho que são dois miúdos que têm muito boas maneiras para poderem funcionar e não posso  dizer-te mais nada… entendo perfeitamente que há pessoas que me compreendem, outras que não me compreendem… antigamente, tentava que todas as pessoas que compreendessem,  com o passar do tempo e da vida chegas a um ponto em que sabes perfeitamente que não podes cair em graça a todo o mundo e pronto, a vida é assim mesmo.


- A retirada de Pablo Hermoso de Mendoza significa uma mudança no rejoneio em Espanha? Ele recusou sempre a competição contigo e isso terá sido prejudicial para o rejoneio, não foi?

- A retirada do Pablo, por uma parte deixa-me um pouco triste porque foi, quiçá, junto com o Maestro João Moura, os Maestros que mais aportaram na minha carreira, essa competição com os dois fez com que eu aprendesse, 'apertasse', fez-me pensar em coisas que seguramente eu não pensaria se não tivesse vivido essa competição com os dois. Tentar ser melhor toureiro, tentar pôr os cavalos melhores, tudo isso foi graças aos dois e neste momento fico triste por essa atitude dele recusando a competição comigo, mas acho que também pode haver agora uma mudança no toureio a cavalo, tanto em Espanha, como em Portugal. Pela minha parte, o que quero e sempre quis é tourear com todos, sobretudo com os toureiros jovens, com os que eu penso que têm mais facilidades para ser figuras, porque muitas vezes dá-se oportunidades a quem não as merece e há muitos toureiros estiveram em muitas feiras e não aproveitaram, e neste momento eu quero dar oportunidade a toureiros novos e que eu sinta que podem chegar muito longe. Em primeiro lugar, porque eu preciso desses toureiros para me manter. Para me manter fisicamente, para me manter espiritualmente, manter-me com ilusão e, sobretudo, manter o aficionado com ganas de ver a todos.


- O rejoneio em Espanha vive um momento menos feliz? De menor importância? Deixou de haver corridas de rejoneadores em todas as feiras, Madrid passou de quatro para duas, etc.

- Fala-se muitas vezes que baixou o número de corridas de rejoneio, eu não sou partidário dessas opiniões. É verdade que as corridas a cavalo baixaram, igual que baixaram as corridas a pé. Antigamente, um matador toureava 100 ou 115 corridas e neste momento o que mais toureia chega às 70. Quer dizer que também a pé baixou muitíssimo. Porquê? Porque antigamente nos pueblos havia muita corrida, coisa que agora não há, agora há muitos concursos de recortadores, muitas festas de campo e não se fazem as corridas tanto a pé, como a cavalo. Por isso baixou o número de corridas. Lembro-me antigamente de os rejoneadores  figuras irem aos pueblos tourear novilhos de dois e de três anos, e somavam como uma corrida mais e nos dias de hoje isso não acontece. Não mudou o número de corridas, mudou foi o sistema em geral, tanto das corridas a cavalo, como das corridas a pé. Nos dias de hoje é muito caro montar uma corrida, os gastos são enormes, e é muito mais fácil e mais barato fazer um concurso de recortadores ou largar cinco ou seis toiros no campo e as pessoas divertem e não tem os gastos de uma corrida. Por isso baixou o número de corridas a pé e a cavalo, assim como o número de novilhadas, dão-se hoje muito menos.



- Algum dos teus filhos te vai seguir as pegadas? Gostavas que isso acontecesse?
- Os meus filhos... olha, um gosta muito de jogar à bola. É incrível que  é praticamente muito parecido comigo, fisicamente e na maneira de ser, mas monta a cavalo muito pouco e só gosta de jogar à bola e esta aficion que em pequeno eu tinha pelo toureio a cavalo é a mesma aficion que ele tem por jogar à bola. Leva todo o dia a jogar à bola, a treinar, com o telemóvel a ver os jogadores e é um apaixonado do jogo e tem uma grande aficion a isso, que eu respeito e apoio. E que ele siga no que sonha, que é ser jogador de futebol. O mais pequeno, o Jaime, tem uma grande aficion aos cavalos, já tem sete anos e desde os seis que já toureia bezerras. Gosta muito, não sei se ele um dia ver ser toureiro a cavalo, ele diz que sim, que quer, mas é muito pequeno ainda. Num princípio, confesso que não gostava que ele fosse toureiro a cavalo, mas também ao vê-lo montar, ao ver como desfruta e ao ver a aficion que ele tem, não tenho mais remédio que apoiá-lo e se ele um dia quiser ser toureiro, o pai estará aqui para o que ele quiser ser. O que eu lhe digo, o que digo aos dois é que eles sejam felizes, que os apoiarei sempre e que, o que quiserem ser, que sejam os melhores. Sejam futebolistas, sejam dentistas, sejam o que quiserem, mas que sejam os melhores e eu estarei aqui para os apoiar!


- Perspectivas para a tarde de 12 de Abril na Monumental do Montijo? Vamos ter lotação esgotada?

- As perspectivas são muito boas! Eu tenho muitas expectativas e muito boas. Acho que vai ser uma corrida importante, acho que o público vai ver uma coisa diferente e vai esgotar a praça dias antes. É o que eu sonho, é o que Portugal precisa, que as pessoas acorram, encham a praça. Já não se trata da minha corrida ou de eu lá estar, acho que o público e os aficionados devem apoiar e acorrer aos grandes acontecimentos, porque essa é a única maneira que fará os empresários ganharem ilusão e incentivo, coragem para montar cartéis especiais, coisas bonitas e novamente os aficionados e o público em geral tenham ilusão, tenham ganas e tenham outra vez vontade de ir ver uma corrida!


- Esta do Montijo será mesmo a tua única corrida da temporada em Portugal?

- Pela minha parte não seria! Gostava imenso de ir a Lisboa, é uma das praças onde eu adorava voltar, Deus queira que as coisas se consigam arranjar, as coisas estão a ir pelo bom caminho, vamos ver. Adorava tourear no Montijo e depois tourear em Lisboa neste ano de 2025.


- Como queres que os aficionados te recordem quando deixares de tourear?

- Gostava que me recordassem como um bom toureiro, como uma pessoa que trouxe coisas positivas à Festa, sobretudo como um toureiro que ajudou a muitos companheiros, a muitos ganadeiros e a muitos empresários. A muitas coisas, mas sobretudo a que eles pudessem tourear, a que os empresários pudessem montar corridas, que os ganadeiros pudessem lidar toiros e pudessem colocar as ganadarias em plano de figuras. Àparte de tudo isso, gostava que me recordassem como um toureiro de época e acho que para ser um toureiro de época ainda tenho que seguir lutando e seguir fazendo coisas importantes.


- Se não fosses toureiro…

- Se eu não fosse toureiro, sinceramente não sei o que eu poderia ser. Desde miúdo, desde pequeno, sempre tive na cabeça ser toureiro, montar a cavalo, tourear. Foi sempre a minha paixão. Não concebo a vida sem tourear e sem montar a cavalo. E se não fosse toureiro, não sei o que teria sido, sinceramente… Gosto muito criar, sou criador de cavalos, gosto muito de outras coisas, mas só me vejo a ser toureiro e também a ser criador de cavalos.


Fotos D.R./@Diego Ventura Oficial