Num toiro melhor (o seu primeiro) e num toiro complicadíssimo, que exigia e transmitia, sem facilitar, vimos ontem abrir-se o compêndio de sabedoria de António Ribeiro Telles |
Miguel Alvarenga - Qual Agosto, quais
férias, qual data complicada... os Maestros encheram ontem a praça do Campo
Pequeno. Encheram-na por serem Maestros. Ela encheu-se porque já é moda estarem
cheias as nocturnas do Campo Pequeno. Esta é, sem dúvidas, a mais sensacional
das últimas temporadas. E, como eu disse no princípio, e houve atém quem não
gostasse (haverá sempre...), não será propriamente o caso de o resto ser só
paisagem, mas a verdade é que as grandes corridas, as grandes emoções e os
momentos marcantes deste ano de 2015 estão todos acontecer no Campo Pequeno - e
só no Campo Pequeno.
Ontem, João Moura, António Telles e Luis
Rouxinol pareciam três gaiatos a dar os primeiros passos e com uma ansiedade e uma necessidade loucas de se afirmarem, de mostrarem que valem e que podem andar. Foi a noite da
apoteose do toureio a cavalo. E velhos... são só mesmo os trapos.
Os toiros de Santa Maria ajudaram
certamente ao sucesso e ao ritmo em que decorreu toda a corrida. Destacaram-se
o primeiro, o segundo e o quarto. Os restantes foram mais reservados, mais
complicados e a dificultar. Mas o curro, na generalidade, de apresentação
excepcional, trouxe emoção à praça. Os toiros transmitiram, exigiram, pediram
contas a quem os enfrentou. Não foram toiros para meninos...
João Moura deu o mote, a abrir a noite,
para uma competição que viria a confirmar-se aguerrida. Trinta anos depois, os
três Maestros continuam iguais a si próprios, com a mesma garra, a mesma casta
- e a mesma vontade. Ninguém cruzou ontem os braços.
A primeira actuação de Moura foi
correcta e marcada por pormenores de brega e de lide com a marca da casa, que é
e continua a ser a marca da diferença - ainda e sempre.
No quarto da ordem, o Maestro deslumbrou
pela casta, pela raça, pela entrega, pelo temple, pela arte, coisas que não têm
fim e que crescem a todo o momento na alma de um Toureiro para a História.
Outra vez o "Niño Moura" de outras eras. Outra vez a praça de pé, a
aplaudir, a pedir mais.
António Ribeiro Telles pôde dar a
verdadeira dimensão da sua séria e clássica interpretação do toureio a cavalo
no seu primeiro toiro, em que lidou e cravou de alto a baixo, reunindo na
perfeição, ensinando. Ensinando, sim, que com ele aprende-se.
Em segundo lugar enfrentou um toiro
mansote e reservado, que se adiantava e a que deu a volta por obra e graça do
seu saber, da sua maestria. Foi uma lide de valor pelo perigo que o toiro punha
no momento de investir, pela emoção que António transmitiu ao público sempre
que o abordou com verdade e com ousadia para cravar os ferros. Uma lição.
Grandes lições foram as duas actuações de
Luis Rouxinol, que teve ontem o azar de bailar com as mais feias. Sairam-lhe os
dois toiros mais difíceis, daqueles que nenhum toureiro merece e que não eram
flores que se cheirassem. À custa de muito porfiar, de muito arriscar, de fazer
tudo o que podia e devia e mais não lhe era exigido, Rouxinol reafirmou - não
era preciso, todos lhe reconhecemos o valor - a maestria do seu toureio. Pode
com todos os toiros e tem argumentos para tudo e mais alguma coisa.
A sua primeira actuação foi um
verdadeiro assombro. Pela forma como resolveu todas as dificuldades impostas
pelo manso, mas sério toiro de Santa Maria. Valha-me Santa Maria, teriam dito
muitos, mas ele não. Foi-se à luta com um pundonor, uma raça e um
profissionalismo - que significa o maior dos respeitos pelo público - e
triunfou. Um triunfo que valeu mais por ter sido com a "encomenda"
que foi.
E a história repetiu-se no último toiro
da noite, outra "prenda" a que o valente e todo-poderoso Rouxinol deu
também a volta, como se as coisas fossem fáceis, como se tudo o que fez não
tivesse, com um toiro assim, fechado em tábuas, que esperava e se arrancava
para o "comer", um valor acrescido - e não satisfeito, arriscou ainda
um par de bandarilhas, que colocou de modo imponente, magistral mesmo, já todo
o mundo estava de pé, em delírio, a pedir mais, a aplaudir, a consagrá-lo como
Maestro entre os Maestros. Foi importante. E há que destacar que enfrentou os
seus dois toiros praticamente por conta própria e com raríssimas intervenções
dos seus bandarilheiros.
Importantes foram também as pegas, que
os toiros bateram e não foram pêras doces, bem pelo contrário. Três grandes
grupos de forcados num ano que está a ser marcado pelos valentes das jaquetas
de ramagens e pelas pegas que já fizeram história no Campo Pequeno e noutras
praças. O mote deu-o Marcelo Loia na Corrida TV de Lisboa e a verdade é que,
depois dessa pega histórica, parece que os forcados se encastaram e estão agora
a viver o melhor ano de sempre. Ontem, voltou a haver emoção e pegas incríveis.
Estavam em praça os grupos de S. Manços
(a assinalar 50 anos de actividade), os de Moura (Real Grupo, assim designado
por honraria concedida por S.A.R. o Duque de Bragança) e os Amadores da Chamusca.
Pelos de S. Manços, pegaram João
Fortunato (um pegão ao segundo intento) e Pedro Fonseca (na pega da noite, à
primeira), havendo que destacar que, a ajudar, o grupo teve nota altíssima no
Campo Pequeno.
Pelo Real Grupo de Moura foram caras
Xavier Cortegano (à segunda, mas numa pega fantástica) e o cabo Valter Rico,
que dobrou (ao primeiro intento e numa pega tecnicamente perfeita) o lesionado
João Cabrita, que recolheu à enfermaria e depois ao hospital para ser
examinado, sem haver sofrido, felizmente, nenhuma lesão de maior gravidade.
Merecia o cabo dar a volta, aliás, autorizada pelo director de corrida, mas
recusou-a.
Pelos Amadores da Chamusca foram caras
João Vasconcelos (numa rija pega à segunda) e fechou praça Luis Isidro, à
terceira, não dando volta à arena.
Mas apesar de só ter havido uma pega à
primeira, há que destacar as seis como grandes pegas a toiros que exigiam e que
deram grande emoção.
Destaque para o esforçado labor, sobretudo na colocação para as pegas, dos brilhantes "toureiros de prata" que ontem coadjuvaram as lides: João Ganhão e Nuno Oliveira, João Ribeiro "Curro" e António Telles Bastos, Josué Salvado e David Antunes. Olés para todos eles. Toureiros dos pés à cabeça.
Ontem houve verdade e houve toiros a
sério. Mais bravos, menos bravos, mais mansos, menos mansos, mas a transmitir e
a exigir. Já chegava de tanta facilidade, de tanto "nhoc-nhoc" nos últimos anos (quanta razão teve o João Salgueiro naquela célebre entrevista que tanto deu que falar e onde falou desses "toirinhos da corda"...). A
verdadeira essência da Festa Brava, a luta de vida e de morte que foi durante
anos e anos a razão de ser desta arte ancestral, está de volta. E isso pode ser
a justificação para as praças cheias que se têm visto. O público aficionado
está outra vez de regresso às praças. E o Campo Pequeno tem sido o motor dessa
transformação. Por todas as emoções que ali se têm vivido e vão continuar a
viver nas próximas corridas. O mano-a-mano Moura/Telles, no próximo dia 3 de
Setembro, será, sem dúvida, mais um marco de uma temporada que tem sido
verdadeiramente sensacional na primeira praça do país. Melhor era impossível.
No camarote vip, presidiram à corrida os
presidente das Câmaras da Chamusca e de Moura e a presidente da Junta de
Freguesia de S. Manços, a quem os respectivos grupos de forcados brindaram.
A corrida de ontem teve na direcção a
competência e a aficion, também o sentido de espectáculo e do ritmo que o mesmo
deve ter, do antigo forcado Manuel Gama, assessorado pelo médico veterinário
Dr. Jorge Moreira da Silva.
Era o Confronto dos Maestros. Acabou por
ser muito mais que isso. Foi a noite da apoteose do toureiro a cavalo,
interpretado por três dos seus mais antigos valores. Que se mantêm na ribalta.
E ontem mais pareciam, repito, três jovenzitos à procura de um lugar ao sol.
Grandes Toureiros!
Fotos Emílio de
Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com