Miguel Alvarenga - Saldou-se por uma verdadeira decepção a nocturna de ontem em Vila Franca, que teve praça cheia (sem esgotar) e que era aguardada com muita expectativa pelo confronto entre as ganadarias Miuras e Palha. Os exemplares da ganadaria lusa - de que apenas se lidaram dois, por o segundo ter sido devolvido aos currais por manifesta inferioridade de locomoção depois de ter sido quebrado à saída por um capote - venceram claramente os Miuras por 2 a 1. A ganadaria espanhola, mítica e temida depois de "Islero" ter morto o famoso "Manolete" em 1947 em Linares, enviou dois toiros da sua linha característica (o primeiro e o terceiro) e um exemplar indecoroso (o segundo), esquálido, deficiente, protestado pelo público ao longo da lide possível que lhe deu Vitor Ribeiro e que foi a nota negra da corrida. O senhor que se sentava ao lado do director de corrida Lourenço Luzio era suposto ser o médico veterinário, costuma ser assim - era ou não era? Permitiu que saísse à respeitosa arena da "Palha Blanco" um animalzinho assim, sem o mínimo de trapio, sem apresentação? E a pomposa Comissão de Vedores da Santa Casa da Misericórdia, foi a Lora del Rio, à herdade dos Miuras, fazer o quê, giroflé, giroflá?
O valor de Rouxinol e um ferro de Ribeiro...
Houve perigo e alguma emoção, houve, sim senhor. Os Miuras e os Palhas são toiros de alto risco e a pedir homens de barba rija. O primeiro Miura era um assassino, um toiro sério e que impôs emoção na praça, não deixava pensar, valeu a experiência e a técnica do valente Luis Rouxinol para que pudessemos ver alguma coisa. Fez a vida negra ao heróico Ricardo Castelo, o cabo dos Amadores de Vila Franca, que só o pegou à quarta, estoicamente, gesta enorme de um forcado de eleição.
O Miurita de Vitor Ribeiro foi apenas e só uma coisinha ridícula que tirou todo e qualquer brilho ao desempenho do cavaleiro. O terceiro Miura tinha o tipo da ganadaria, também não era toiro para brincadeiras e o jovem Salgueiro da Costa acusou ter pela frente um oponente que pedia contas, limitando-se a mostrar que tinha vontade de triunfar. mas...
Na segunda parte, o caso mudou de figura. O primeiro Palha era um toiro de verdade e teve por diante um toureiro grande. Rouxinol puxou dos seus galões, demonstrou toda a sua técnica e todo o seu valor, não houve par de bandarilhas, mas houve o saber de um cavaleiro experiente e que se não deixa vencer. O toiro foi aplaudido quando entrou na arena, era uma estampa.
Mansote, mas outra estampa (610 quilos!), cheio de poder e com enorme sentido, sempre atento ao que se passava na trincheira, o segundo Palha foi para Salgueiro da Costa, já que o anterior recolheu aos currais. O cavaleiro de Valada esteve bem nos compridos e na brega inicial. Depois, nos curtos, cravou-os como pôde, quase sempre a defender-se e a deixá-los a cilhas passadas.
Vitor Ribeiro lidou no fim o sobrero que pertencia à ganadaria Oliveira Irmãos (agora propriedade de João Folque, o dono da ganadaria Palha), que já nada tem a ver com a antiga e histórica ganadaria dos irmãos Calisto e Urgel de Oliveira. O toureiro teve vontade e cravou o ferro da noite, um curto do outro mundo, em terrenos de aflição, frente à porta dos cavalos. Pena que o director de corrida estivesse tão distraído e se esquecesse de lhe conceder música nesse momento. Ribeiro merecia-a.
Resumindo e concluindo, no que aos cavaleiros diz respeito, a corrida valeu pelas duas experientes actuações de Rouxinol, toureiro que pode com qualquer toiro e com que ganadaria seja e isso viu-se ontem; e por aquele ferro de Vitor Ribeiro. O jovem Salgueiro continuou sendo uma promessa adiada...
Forcados, as estrelas da noite
Com toiros tão sérios e tão perigosos, os Forcados de Vila Franca - grande grupo! - foram as estrelas da noite. Noite de Exaltação do Forcado. anunciava-se. E foi mesmo.
Ricardo Castelo pegou o primeiro Miura à quarta tentativa, sofreu derrotes monumentais, só por milagre não se lesionou. Gonçalo Salitre concretizou à primeira a pega ao Miurita que saíu em segundo e para a cara do terceiro foi, com a decisão de sempre, o grande Pedro Castelo, que se despediu sem despir a jaqueta depois de consumar valentemente à segunda tentativa. O primeiro Palha foi pegado por Bruno Casquinha com a raça e o poder que passeou ao longo de anos pelas arenas, despedindo-se também. O grande Ricardo Patusco pegou à terceira o segundo Palha da noite, uma pega de valor, com as ajudas em cima, depois de ter passado as passas do Algarve nas duas primeiras tentativas. O último toiro, de Oliveiras, foi pegado com galhardia e perfeita técnica por outro grande forcado vilafranquense, Rui Godinho.
Por amor da Santa...
O espectáculo iniciou-se com uma cerimónia de atribuição de troféus aos melhores grupos e melhores forcados da temporada passada, distinguidos pelo blog "forcado amador". Foram galardoados os grupos de Montemor e de Vila Franca (ex-aequo), o de Coimbra (grupo revelação) e os forcados Nuno Marques, ex-cabo dos Amadores da Chamusca (forcado do ano), João Pedro Tavares, dos Amadores de Montemor (melhor forcado da cara), André Tavares, dos Amadores de Alcochete (melhor ajuda) e Carlos Silva, dos Amadores de Vila Franca (melhor rabejador), que ontem voltou a fazer jus a esta honrosa distinção.
Acho muito bem que se tomem iniciativas destas, aplaudo o blog de referência da forcadagem mas, por amor da Santa, hoje era dia de trabalho, façam isso num jantar e não numa praça, antes de uma corrida...
O sistema de som da "Palha Blanco" não estava nos seus melhores dias e ao longo da noite deu lamentáveis sinais disso, ferindo os tímpanos do pessoal...
Os bandarilheiros abusaram dos capotazos aos toiros, os cavaleiros permitiram-no e o público protestou com inteira razão.
Ao director Lourenço Luzio direi apenas que Vitor Ribeiro merecia música depois daquele ferro, de resto, esteve certinho e diligente, como é seu timbre.
Ao empresário Paulo Pessoa de Carvalho e ao seu parceiro Jorge Vicente, aplaudo pela ousadia e pelo risco. Quiseram fazer o melhor. Aquele Miurita estragou a festa. Mas por morrer uma andorinha, nunca acabou a Primavera. Na sexta-feira há mais e esperemos que os Murteira Grave salvem, por fim, a honra do convento ganadero lusitano...
Mais logo, não percam: as grandes foto-reportagens de Emílio de Jesus e Maria Mil-Homens.
Fotos D.R.