Da esquerda para a direita: Nuno Castelão (Edições Castelão, editora do livro), Rui Lince Medinas Duarte (presidente da Câmara da Golegã), Manuel Jorge Diez dos Santos e Vitor Escudero |
Sala cheia, mais de 200 pessoas ontem na Quinta Guadalupe, na Golegã, na apresentação do livro sobre o grande Manuel dos Santos - um sucesso sem precedentes |
Miguel e Ana de Alvarenga ontem na Quinta Guadalupe, na apresentação do livro |
Miguel Alvarenga - Num eloquente e
sentido discurso, como é seu timbre há tantos anos, foi o meu querido amigo
Vitor Escudero (autor do prefácio do livro) quem ontem se encarregou de fazer a
apresentação do livro "Manuel dos Santos - O Homem e o Toureiro",
escrito pelo filho do saudoso matador de toiros e mais notável dos empresários
tauromáquicos nacionais, Dr. Manuel Jorge Diez dos Santos. Mais de duzentas
pessoas, entre as quais a fina-flor do mundo taurino português e muitos dos
homens "daquele tempo", marcaram ontem presença na cerimónia de
lançamento do livro, que decorreu numa tenda na Quinta Guadalupe, "a
menina dos olhos" de Manuel dos Santos.
Antes de Vitor Escudero, falaram o
presidente da Câmara da Golegã, Rui Lince Medinas Duarte e também Nuno Castelão,
proprietário das Edições Castelão, que editou a obra. Um e outro realçaram a
importância do livro para dar a conhecer aos mais novos a história de um Homem,
de um Toureiro e de um Empresário que para muitos é apenas e só "uma
grande referência", de que ouviram falar, de que conhecem fotos, mas cuja
essência desconhecem.
Felizmente - e dou eternas graças a Deus
por isso - ainda sou desse tempo. Foi Manuel dos Santos o primeiro que
acreditou em mim como "futuro crítico tauromáquico". Fruto da amizade
que mantinha há muitos anos com meu querido Pai e depois de saber por ele que
eu "escrevinhava" umas croniquetas "e até tinha jeitinho",
mandou-me um dia chamar ao seu escritório da praça do Campo Pequeno. Tinha eu
12 anos. O Manolo Escudero (pai do Vítor, antigo moço de espadas e homem da
confiança de Manuel dos Santos, falecido no mesmo acidente que o vitimou há 42 anos) abriu-me a porta e lá fui por ali acima até ao
primeiro andar. Tremia.
Sentei-me na frente de Manuel dos
Santos, ele leu alguns dos meus "escritozinhos" e riu-se. "Até
na crítica estamos a precisar de sangue novo. Por isso, vais trabalhar comigo e
um dia hei-de pôr-te a escrever num jornal", disse (ou melhor, decretou!). E depois fez este
"contrato" comigo:
"Vou-te dar um bilhete para as
corridas (era na primeira fila do primeiro balcão, umas cadeiras que havia entre
os camarotes e as bancadas, com apenas duas filas) e todas as sextas-feiras,
depois das corridas, vens cá ter comigo, trazes a tua crítica escrita e
discutimos os dois o que escreveste".
Aceitei, claro. E ainda hoje me arrepio
quando me lembro das suas palavras seguintes:
"Mas toma nota disto: quero que
escrevas a verdade e sem medo. E se tiveres que escrever mal de mim, escreve.
Não deixes de o fazer por te dar o bilhete, que eu dou-to na mesma".
Passou a tratar-me por
"Miguélito", acentuava o e de propósito. Punha-me a mão sobre o
ombro, dava-me uma palmada sempre que se despedia de mim naquele salão do
primeiro andar da praça de toiros, contíguo ao Salão Nobre. Lembro aquele
sorriso meigo, aqueles olhos expressivos, aquele homem visionário que viveu uns
anos à frente do seu tempo, como ontem tão bem lembrou o Vitor Escudero.
Durante dois anos, foi assim. Jamais
esqueço as tardes de sexta-feira, que passava santado diante de Manuel dos
Santos, a ouvir os reparos, os elogios ou as críticas que fazia aos meus
escritos, fundamentando-as, ensinando-me. Aprendi imenso. Tudo, mesmo.
Manuel dos Santos morreu, infelizmente,
dois anos depois do nosso primeiro encontro. Em 1973. Não houve tempo para
mais. No dia em que pela primeira vez escrevi uma crónica num jornal a sério -
em 1976, no nº 1 do semanário "O Diabo", passam 40 anos no próximo
ano - lembrei-me muito de Manuel dos Santos. Tive pena que já não visse, que já não assistisse, como gostaria, ao primeiro dia do resto da minha vida jornalística. Ontem, na sua quinta na Golegã, lembrei-me tanto de tudo isso...
É todo esse Manuel dos Santos que os
mais novos podem agora conhecer neste testemunho importantíssimo que seu filho,
o meu amigo Manuel Jorge, deixou neste livro. Cerca de 420 páginas, ilustradas
com fotos únicas - e muitas inéditas - do seu inigualável percurso nas arenas
de todo o mundo, da sua vida, da sua actividade empresarial, do sonho ganadero
que o fez um dia criar a ganadaria Porto Alto.
Emotivo e impressionante é o primeiro
capítulo, onde Manuel Jorge relata na primeira pessoa e pela primeira vez o
fatídico acidente no dia 17 de Fevereiro de 1973.
Segue-se, depois do bonito prefácio do Vitor Escudero e de uma brilhante evocação do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, um trabalho de pesquisa -
enorme - que nos dá conta da carreira do mais notável matador de toiros
português. Uma obra necessária, importante e altamente actual. Parabéns, Manuel
Jorge, por teres conseguido ir tão longe e por nos teres conseguido oferecer
uma visão tão realista e um retrato tão fiel de quem foi Manuel dos Santos -
teu Pai.
Aconselho vivamente - e mais que isso,
obrigatoriamente - a leitura de "Manuel dos Santos - O Homem e o
Toureiro" (20 euros, Edições Castelão).
Fotos Emílio de Jesus/fotojornalistaemilio@gmail.com e D.R.