Com um toiro Murteira Grave com a boa marca da casa, "El Fandi" encheu ontem as medidas, nos três tércios, a quantos assistiram (e deviam ter sido mais) ao Festival Bullfest na praça do Campo Pequeno |
António João Ferreira demonstrou atitude, querer e vontade de se afirmar diante de um toiro de boas investidas de Manuel Veiga |
Arte e sentimento na faena de Manuel Dias Gomes a um bonito toiro de Torre de Onofre que se foi apagando aos poucos, mas a que sacou a faena impossível |
João Ferreira reafirmou ontem no Campo Pequeno ter sido merecedor do Troféu "Farpas"/"Volapié" que dias antes recebeu e o consagrou como melhor bandarilheiro de 2016 na primeira praça do país |
Cláudio Miguel no seu melhor! Assim se bandarilha! |
Emoção e risco na actuação, a fechar o Festival, dos Recortadores do grupo "Arte Lusa". Uma nova forma de enfrentar o toiro que criou alvoroço nas bancadas |
Rui Salvador emocionou com ferros da sua marca na primeira lide a duo com o espanhol Manuel Manzanares |
Manuel Manzanares veio de Espanha para lidar meio-toiro... mas esteve bem |
Luis Rouxinol na lide do segundo toiro |
Filipe Gonçalves num momento da lide do segundo toiro, a duo com Rouxinol |
No terceiro toiro, Francisco Palha reafirmou o bom momento em que se encontra desde a última temporada |
Bom momento de Brito Paes na lide a duo com Francisco Palha |
A terceira pega foi executada por Márcio Chapa, cabo do Grupo de Tertúlia do Montijo, ao terceiro intento, após fortes derrotes nos dois primeiros |
Miguel Alvarenga - Mais uma jornada importante e decisiva, com todo a força, toda a pompa e toda a circunstância, do já afirmado regresso e (re)interesse dos aficionados pelo toureio a pé num Festival que pecou por fazer regredir, pela negativa, o formato em que deve ser promovida - e interpretada - a nobre e tão portuguesa arte do toureio a cavalo, ontem votada ao ostracismo e ao absoluto negativismo das lides “a dois”, uma prática que até nuestros hermanos já desactivaram há mais de dez anos. Esta ideia das lides a cavalo a duo, que retira todo o brilho ao labor dos cavaleiros, ora agora espeto eu, ora agora espetas tu, foi a única coisa disparatada e desajustada da louvável iniciativa (que aplaudo de pé) da Federação Protoiro na triunfal e a todos os títulos louvável organização do Bullfest, a que chamaram, e muito bem, Festival da Cultura Portuguesa, que encheu de festa o Campo Pequeno durante todo o dia de ontem, arrastando centenas de crianças e muitos aficionados naquele que foi o arranque da Temporada do 125º Aniversário da inauguração da praça.
Houve Fados, Cante Alentejano, demonstrações das várias artes do toureio e até a inovação de trazer Recortadores (e bons!) à primeira praça do país.
O primeiro Bullfest (designação criticada por alguns velhos do Restelo… mas temos que inovar, que abrir as portas e as janelas ao futuro, temos que deixar de ser um meiozinho fechado e sem horizontes de renovação - e aqui, faço justiça, a Protoiro teve o mérito e a ousadia de ser diferente) foi um êxito acima de todas as expectativas - e uma lição para levar a cabo, em próximos anos, novas iniciativas do género, repensando formatos, trazendo mais inovação, integrando outras manifestações da nossa cultura tauromáquica, como por exemplo a Capeia Arraiana, a Tourada à Corda, sei lá, mais artes representativas do mundo do toiro.
O princípio foi muito bom. Tiro o meu chapéu à Protoiro, com quem nem sempre estive de acordo. Mas isso serão já águas passadas e agora precisamos de dar todos as mãos e seguir em frente, sem ser preciso olhar para trás. Parabéns!
“Pipas”, os matadores e o valor do recortadores
Pedro Coelho dos Reis, que todos conhecem por “Pipas” e é o cabo dos Forcados do Aposento da Chamusca, foi ontem um dos grandes protagonistas do Festival, através de uma fantástica primeira ajuda dada ao cabo dos Amadores do Redondo, o valente e eficiente Hugo Figueira, na segunda pega da tarde, a melhor das três, consumada com brilhantismo dos dois - e de todos - ao primeiro intento. Deu depois aplaudida e merecida volta à arena com o forcado da cara e os cavaleiros. Grande “Pipas”!
Os matadores David Fandilla “El Fandi”, António João Ferreira e Manuel Dias Gomes foram também estrelas de uma tarde que teve o mérito de reforçar o ressurgimento e o gosto popular pelo toureio a pé e pela corrida mista, um projecto a que a empresa do Campo Pequeno deu corpo nas últimas temporadas e que já não volta atrás, pelo contrário, fortalece-se cada vez mais, como ontem se viu. E a lusa cavalaria que dê rapidamente “corda aos sapatos” e recupere o esplendor de outros tempos, se não qualquer dia é tarde demais. Estamos fartos de ver sempre mais do mesmo…
E depois, os Recortadores. O grupo Arte Lusa, de que o empresário e presidente da Protoiro, Paulo Pessoa de Carvalho, é representante, deu ontem no Campo Pequeno um entusiasmante toque de diferença e demonstrou que há espaço para esta arte nova na nossa Tauromaquia. O público vibrou com as ousadas e arrepiantes intervenções dos jovens Recortadores de Vila Franca de Xira, frente a um toiro encastado da ganadaria Prudêncio, uma novidade que precisava de ser mostrada na primeira praça do país, depois de já o ter sido noutras - e que pode ter trazido uma maior dimensão ao valor e à arte destes novos intérpretes do que é possível fazer diante de um toiro, chegar ao público e levantá-lo das bancadas a aplaudir, como ontem aconteceu. Olé aos Recortadores! Que, como os Forcados, enfrentam o toiro a corpo limpo e fazem parar corações. Isto é um espectáculo de risco e de emoção - e muita gente já andava esquecida disso…
Grande “Fandi” e uma nova dupla
de matadores nacionais
David Fandilla “El Fandi” esteve enorme com o capote, pôs o público de pé com as bandarilhas, arte em que é rei e senhor até mais não e evidenciou depois todo o seu poderio e a sua profunda e sentida arte numa faena de muleta a um toiro de Murteira Grave de grande nível e excelentes investidas (para variar…), abrindo o livro, bordando o toureio ao mais alto degrau do seu expoente máximo, com entrega, com valor e com pintureros quadros de arte. É um toureiro de alma e de enorme paixão. Tem que voltar este ano a Lisboa.
Com o toiro de Manuel Veiga, também de boas investidas, o jovem António João Ferreira demonstrou claramente que vai por fim “explodir” este ano, depois de Rui Bento lhe dar a mão e o apoiar, quando a maioria das empresas o não tinham ainda visto e não se tinham apercebido de que ali está um Toureiro com letra grande. No ano passado, toureou uma única corrida, em Vila Franca e isso demonstra a falta de aficion e o preocupante desconhecimento ou alheamento da esmagadora maioria das nossas empresas taurinas. Ontem, em Lisboa, António João mostrou decisão, querer e vontade de vencer. Desde o primeiro minuto, em que foi à porta da gaiola receber o toiro de joelhos, a dizer “estou aqui!”. Bonito com o capote, esteve mandão, variado e artista com a muleta. E abriu a porta a uma temporada que vai ser a sua, depois de já ter sido, ao lado das Figuras, o grande triunfador de Mourão.
Manuel Dias Gomes é um toureiro de arte e de sentimento. De um sentimento que nos leva ao máximo fulgor quando pára os pés e corre a muleta com uma lentidão impressionante e demonstrativa do sangue toureiro que lhe corre nas veias. O toiro de Torre de Onofre, ganadaria de que é proprietário o novilheiro João Augusto Moura, era uma estampa e foi logo aplaudido mal entrou na arena. Caíu nas bandarilhas e depois veio a menos na faena de muleta, evidenciando falta de força, mas aí se viu o valor de Manuel, que o espremeu todo até ao fim, acabando por sacar a faena que parecia impossível.
Nasceu ontem em Lisboa uma nova e interessante parelha de jovens matadores nacionais - assim o saibam ver, reconhecer e aproveitar os empresários. Também merecem repetição no Campo Pequeno.
Destaque para os grandes e aplaudidos pares de bandarilhas dos valorosos Cláudio Miguel e do jovem João Ferreira, que confirmou ter merecido em pleno a distinção que lhe outorgámos dias antes com a atribuição do Troféu “Farpas”/“Volapié” como bandarilheiro triunfador da última temporada em Lisboa.
Ferros bons em lides “a dois”…
As lides a cavalo, que abriram o Festival de ontem no Campo Pequeno, ficaram marcadas por boas intervenções dos seis cavaleiros, mas como disse no início, constituíram um mau exemplo para o que deve ser a interpretação e a promoção da nobre arte do toureio a cavalo e ainda para mais num momento complicado. Podia e deveria ter sido evitada.
Não digo que o toureio a cavalo corra alguma vez perigo, era o que faltava, mas constato que pode estar a ser “ameaçado” pelo ressurgimento do toureio a pé e pela arreliadora falta de ídolos equestres que levem gente às praças. O primeiro cartel da temporada lisboeta, a 6 de Abril, é disso a maior prova. O único ginete que o integra é o Maestro João Moura, há mais de trinta anos o primeiro de todos, e isso comprova bem o que acabo de escrever. Já vieram tantos depois e nunca nenhum foi ainda igual a ele.
E por isso mesmo, foi um disparate total, desnecessário e despropositado, o formato adoptado no Festival de ontem de atirar para um plano secundário e menos atractivo ou, pelo menos, de menor interesse e pior exposição, a arte do toureio a cavalo, impondo que ela estivesse representada na pior das suas formas, a das lides a dois…
Lides a duo, com entusiasmo, sequência e interacção, tivemos em tempos as dos irmãos Peralta e depois as dos irmãos Ribeiro Telles. O resto…
Rui Salvador e o espanhol Manuel Manzanares, em sintonias distintas, lidaram o bom toiro de Luis Rocha e cada qual teve bons momentos; Luis Rouxinol e Filipe Gonçalves, por serem parecidos nos estilos, protagonizaram a melhor lide a dois e atingiram momentos brilhantes em separado, frente a um toiro colaborante de Pinto Barreiros; Brito Paes e Francisco Palha, com o toiro de boa nota de Romão Tenório, estiveram também em bom plano, reafirmando cada qual o bom momento em que se encontram.
Foi tudo muito bonito, mas a duo… não queremos mais! Entendidos?
36 cabos e uma pega boa
O Grupo de Forcados que ontem pegou no Campo Pequeno era composto pelos 36 cabos (à excepção do vilafranquense Ricardo Castelo, que não pôde estar presente e se fez representar pelo grande rabejador Carlos Silva) dos grupos pertencentes à Associação Nacional de Grupos de Forcados.
Houve uma grande pega, a já referida de Hugo Figueira (cabo dos Amadores do Redondo) com uma oportuna e enorme primeira ajuda de “Pipas” (cabo do Aposento da Chamusca), ao segundo toiro.
A primeira foi uma autêntica carga de trabalhos e estava a cargo de Ricardo Cardoso, cabo dos Amadores de Monsaraz, que foi seis vezes à cara do toiro e saíu lesionado num braço. João Grave, cabo do mais antigo grupo nacional, o de Santarém, que era o cabo desta Selecção, pegou a seguir à primeira intervenção, com enorme decisão e valor, explicando que, afinal, aquilo nem era assim tão complicado. Grande Forcado, pertencente a uma ilustre Família de grandes e notáveis pegadores de toiros.
A terceira e última pega foi consumada à terceira por Márcio Chapa, cabo do Grupo de Tertúlia Tauromáquica do Montijo, depois de nas duas primeiras tentativas ter sido sempre violentamente derrotado.
O Festival - que merecia ter tido mais público nas bancadas - foi dirigido por Pedro Reinhardt, com a usual competência e a habitual exigência no rigor a conceder música. Só se atrasou a concedê-la a Manuel Dias Gomes, podia ter sido um nadinha mais cedo…
Na bancada, a honrosa presença do matador espanhol Alejandro Talavante (a quem António J. Ferreira brindou) e ainda a presença de emoção de toda a Família do glorioso matador e antigo empresário de referência da praça do Campo Pequeno, Manuel dos Santos, que ontem foi recordado num minuto de silêncio no dia em que passavam precisamente 44 anos sobre a sua trágica morte num acidente de automóvel.
O mesmo minuto de silêncio recordou as memórias do grande José Mestre Batista, falecido há 32 anos e também do malogrado cavaleiro Luis Cruz, vítima de acidente com uma máquina agrícola na semana anterior.
Findo o festejo, foi enorme o ambiente vivido na arena com o público e de novo imensas crianças a confraternizar e a pedir autógrafos aos toureiros e forcados - um momento único e inédito na História do toureio em terras de Portugal.
É tudo de um festejo que trouxe novo e decisivo fulgor ao toureio a pé e à corrida mista e que revelou uma arte menos conhecida, mas de reconhecido valor e interesse, a dos Recortadores.
Amanhã, segunda-feira, não perca: todas as fotos do grande dia do Festival Bullfest! Uma grande foto-reportagem de Maria João Mil-Homens.
Fotos Maria Mil-Homens