No conjunto das duas lides, redondas e de grande emoção, foi Rui Fernandes o triunfador-maior da corrida de ontem no Campo Pequeno |
Filipe Gonçalves regressou em grande a Lisboa e ontem teve ferros impróprios para cardíacos |
Francisco Palha toureou assim, com esta emoção e esta verdade |
Miguel Alvarenga - A corrida de ontem no Campo Pequeno, de homenagem ao emigrante, com cerca de meia casa preenchida, foi um dos melhores espectáculos da presente temporada em Lisboa, pela excelente qualidade e seriedade dos toiros da ganadaria David Ribeiro Telles, todos do encaste Jandilla, toiros imponentes, agressivos, toiros de verdade; pelas duas grandes actuações de Rui Fernandes, a viver um momento de solidez e maestria que marcam esta sua campanha de 2017; pelas importantes lides de Filipe Gonçalves, toureiro coração de leão, que esteve um ano sem tourear em Lisboa e ontem demonstrou todo o seu valor e toda a sua raça; pelos extraordinários momentos de bom toureio e excelente equitação de Francisco Palha no terceiro toiro da corrida, um exemplar de altíssima nota que premiou a ganadaria com a volta à arena do seu maioral; e sobretudo pela noite de emoção e grande competição entre os grupos de forcados do Montijo, do Aposento do Barrete Verde de Alcochete e de S. Manços, grandes protagonistas, também, de uma jornada em que se disputava o tradicional Concurso de Pegas.
A corrida foi isso tudo e veio na sequência de outras duas de grande sucesso na capital, o mano-a-mano de Pablo com Manzanares e a corrida em que tomou a alternativa Luis Rouxinol Jr. Mas no fim estragou-se tudo e o que poderia e deveria ter sido uma corrida de que se guardavam todos os grandes momentos que acima referi, teve como epílogo uma bronca estrondosa do público à decisão do júri em atribuir a Hélio Lopes, do Grupo do Montijo, e não a Diogo Amaro, do Aposento do Barrete Verde de Alcochete, o prémio da melhor pega. Que poderia ter sido ganho por qualquer das duas e também pela última, de Jorge Valadas, dos Amadores de S. Manços - mas que a esmagadora maioria do público queria e entendia que deveria ter premiado a emotiva pega de Amaro, reconhecida e aplaudida como a maior da noite, pelo menos em termos de emoção, com três voltas à arena e depois com a inédita saída em ombros. Foi a primeira vez que um forcado saíu aos ombros (merecidamente, afirmo eu) pela porta grande do Campo Pequeno. O Grupo de Santarém já saiu pela porta grande em glória, no seu todo. Um forcado sózinho, por uma pega só, foi ontem a primeira vez. Diogo Amaro já está, só por isso, na História. Mas não se pode ficar calado (e o público não ficou) quando um forcado sai em ombros e quem ganha o prémio é outro. Há, houve, qualquer coisa que não bateu certo. É a vontade e a decisão de um júri composto por três cabeças, contra a vontade e a decisão de milhares de outras cabeças, as do público, que mal se anunciou o vencedor, explodiu em ruidoso protesto, porventura a maior bronca ocorrida nos últimos anos na praça do Campo Pequeno...
A pega de Hélio Lopes não merecia ganhar? Merecia. Merecia tanto como a de Jorge Valadas. Mas o público defendeu clara e esmagadoramente que era Diogo Amaro quem deveria vencer. Não discuto, respeito, a decisão de dois destacados forcados que integravam o júri, António Alfacinha e Amorim Ribeiro Lopes, ex-cabos, respectivamente, dos grupos de forcados de Évora e de Coruche, sendo o terceiro elemento um membro (não identificado) do Real Clube Tauromáquico Português.
Alfacinha e Amorim são duas autoridades - indiscutivelmente - no que a pegas diz respeito e foram dessa arte dois dos seus maiores intérpretes. Mas se a vontade de três pessoas (os jurados do Concurso de Pegas) é contestada, ruidosamente, por milhares de espectadores, há qualquer coisa aqui, insisto, que não bateu certo...
Foi pena que assim terminasse esta corrida. O Campo Pequeno merece mais e não se pode prestar a estes deslizes ou, se preferirem, a estas cenas. A imagem do Forcado Amador é muito superior a quezílias como esta. Foi lamentável a todos os títulos. Em escassos minutos, estragou-se uma brilhante e emotiva noite de toiros.
Esse foi o facto da noite. Mas os destaques e aquilo de que os espectadores deveriam ter saído a recordar, foram outros. E bem mais relevantes.
Toiros de verdade, toureiros de raça
e forcados de eleição
Os toiros de Ribeiro Telles, como acima referi, transmitiram, impuseram seriedade e verdade, emoção e suspiros nas bancadas. O terceiro foi um toiro fantástico e bravo, o quinto teve classe e codícia, o sexto foi um toiro para o êxito. Mansote o primeiro, assustador o segundo, com quase 700 quilos (um exagero!), nobre e a transmitir o quarto. Pediram contas, exigiram. E os três cavaleiros estiveram à altura das circunstâncias. Muito, mesmo.
Rui Fernandes está um Senhor Toureiro. Lidou primorosamente os seus dois toiros, num ritmo constante de maestria, de solidez e de quem está disposto a marcar esta temporada, apesar de não tourear muito. Bem montado, senhor de todas as situações, Rui arriscou, ousou, impôs a verdade do seu toureio e foi, no conjunto das duas lides, o grande triunfador da noite, com duas exibições redondas e bem demonstrativas do grande momento que atravessa. O público rendeu-se incontestável e maioritariamente ao grande cavaleiro.
Filipe Gonçalves é um lutador nato, um toureiro que não desilude e que dá por tudo por tudo, pondo a carne no assador cada vez que sai à arena. Era importante para a sua carreira um triunfo destes na capital. Conquistou-o pelo seu mérito, pelo risco, pela valentia com que se foi ao toiro, sobretudo o quinto, codicioso, com classe, cravando pelo menos dois ferros de parar corações e em terrenos de onde não se sai, mas ele saíu. Brilhante.
Francisco Palha viveu no ano passado uma temporada de definitiva afirmação, que agora está a consolidar e ontem no Campo Pequeno voltou a solidificar. Na lide do terceiro toiro da noite, protagonizou, em termos de toureio clássico e à antiga, momentos grandes de emoção, de boa concepção e de interpretação plena da arte marialva de lidar toiros. Acima da média. No último, veio a menos no final da lide, falhando um ferro e deixando outro cair, mas nem por isso o público deixou de lhe reconhecer o seu desempenho brilhante. Dois destaques: brindou a primeira lide a José Palha, filho do saudoso ganadero recentemente falecido e dedicou depois aos céus a segunda, erguendo o seu tricórnio, que deixou colocado no centro da arena.
Da exibição e da competição entre os três valentes grupos de forcados, já aqui falámos antes. Resta acrescentar que Tiago Tavares esteve com competência e acerto a dirigir a corrida de ontem, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva e que ao início da corrida se guardou um respeitoso minuto de silêncio em memória de Dª Maria Emília Gonçalves (viúva do saudoso empresário Manuel Gonçalves) e do médico veterinário Dr. Pedro Salter Cid, que nos deixaram recentemente.
Deixem-se lá de prémios... que isto
acaba sempre mal...
Pena, repito, que a corrida tivesse terminado como terminou: em clima de discórdia e envolta em grossa e sonante bronca. Os Forcados do Montijo foram apupados quando no final atravessavam a arena, depois de terem tido uma intervenção de muito valor. Foram-no apenas porque o público estava revoltado pela não vitória de Diogo Amaro, do Barrete Verde de Alcochete e discordava da decisão do júri em ter premiado um forcado daquela formação. Foi lamentável esse triste episódio. Perderam todos. Quando todos podiam ter ganho.
E se o público queria apupar alguém, que apupasse os elementos do júri. Nunca o grupo de forcados que venceu e que o pessoal achava que não devia ter vencido. O culpado não foi o Grupo do Montijo. Logo, a assistência deveria ter-se ficado pelos apupos e pela bronca no momento em que se anunciou quem vencera, mas devia depois ter poupado essa sua revolta aos valentes forcados montijenses quando estes atravessaram a arena. Foi feio.
Cá para mim, matava o mal pela raíz: acabava com esta coisa dos prémios, dos concursos de pegas, com estes sinais de uma Festa dividida e com estas sempre polémicas decisões de jurados em que tudo parece ficar, afinal, mal resolvido.
Vivemos recentemente uma grossa polémica com o prémio da melhor lide na Corrida TV/Norte, não era preciso mais esta confusão. É que com trapalhadas destas, meus senhores, ganham sempre muito mais os anti-taurinos do que nós. Para o ano não queremos mais Concursos de Pegas no Campo Pequeno! Pronto!
Fotos Maria Mil-Homens e Hugo Teixeira