António Telles, Moura Jr. e João Telles encheram ontem Montemor |
Os potentes toiros de António Silva sairam todos à arena com um gás tremendo e por pouco não destruiram a trincheira... mas fizeram vários estragos nas tábuas e nos estribos |
António Ribeiro Telles toureou com esta verdade e este desassombro o primeiro toiro da corrida de ontem em Montemor. No seu segundo, andou de mais a menos e não repetiu o triunfo anterior |
Miguel Alvarenga - A receita para o sucesso, estou cansado de o escrever, é tão simples e, afinal, tão fácil de entender. Quando há empenho, dedicação, seriedade e aficion; quando se montam cartéis atractivos e com motivos de sobra para chamar o público - as praças enchem. Há aficion em Portugal e não existe crise nenhuma na Festa Brava. Quando se propõe ao público um grande espectáculo, que foi o que ontem aconteceu em Montemor-o-Novo, o público vai à praça. Estava cheia. E com um ambiente de se lhe tirar o chapéu.
E eu tiro o meu aos empresários Simão Comenda e Paulo Vacas de Carvalho, uma dupla verdadeiramente invencível. Podem dar uma só corrida por ano, mas dão sempre uma grande corrida que marca a temporada - e que enche as medidas aos aficionados. Assim voltou a ser ontem.
O cartel estava muito bem rematado e muito bem idealizado, reunindo os três cavaleiros que mais se têm destacado nesta temporada, o veterano António Telles e os guerrilheiros João Moura Jr. e João Ribeiro Telles. Mais os fantásticos Forcados de Montemor, que todos os anos, nesta corrida, são o atractivo número-um deste espectáculo. Toiros sérios de uma ganadaria de verdade, a dos Herdeiros do Dr. António Silva. Mais seriedade e mais garantias de que ia ser uma tarde de emoções não podiam existir. E o resultado esteve à vista: praça cheia. Cumpriu-se a tradição, ou seja, Montemor foi praça cheia.
Os Forcados tiverem uma tarde de glória - como têm sempre. É um Grupo a sério e com rapaziada capaz de fazer frente a quaisquer toiros.
Os cavaleiros tiveram lides emotivas e frente a toiros que exigiram e em nenhum momento proporcionaram qualquer tipo de facilidades. Triunfar com os Silvas tem outro valor - e outro sabor, obviamente.
Toiros exigentes e sérios e que iam
deitando a praça abaixo...
Duros, exigentes, muito bem apresentados e a impôr grande emoção e seriedade, os toiros entraram todos com um gás tremendo, por pouco desfaziam a trincheira aos empresários, fartaram-se de atirar tábuas pelo ar e de destruir os estribos, mas na maioria dos casos vieram depois a menos, estabilizaram as ganas da entrada e acalmaram-se, sem contudo deixar de manifestar codícia, nobreza e mesmo bravura em alguns casos.
O último toiro foi o melhor e por isso justificou-se a chamada à arena da jovem ganadera Sofia Silva Lapa - não pelo comportamento do curro, mas sim por esse magnífico sexto toiro.
António enorme no primeiro toiro
António Ribeiro Telles está melhor que nunca e a lide do primeiro toiro foi disso mesmo uma absoluta confirmação. Brilhante, notável, superior. À antiga, com ferros em terrenos de compromisso e que resultaram de grande emoção.
No quarto da ordem, esteve António na plenitude, com atitude e decisão, esperando-o à porta da gaiola e recebendo-o aguentando as fortes investidas, mas depois o toiro atravessava-se em demasia e muitos dos ferros deram lugar a toques no cavalo, o que diminuiu o impacto com que iniciara a sua actuação. Não terminou em beleza e no final recusou, com imensa dignidade, a volta à arena, apesar de a mesma ter sido autorizada pelo director de corrida, Agostinho Borges.
Lides memoráveis de João Moura Jr.
João Moura Júnior está também num momento altíssimo, senhor de todas as situações, confiado e confiante, muito bem montado, evidenciando serenidade e uma imensa tranquilidade, que é coisa que faz logo a diferença num toureiro.
Solidificou uma posição cimeira entre os novos, há consistência e regularidade em todas as suas actuações e ontem em Montemor, no conjunto das duas lides, foi ele o máximo triunfador, marcando uma vez mais a diferença. A lidar e a tourear, foram seus os momentos grandes da corrida, sobretudo nos ladeios, na arte e no temple que colocou em todos os recortes - e com toiros que não permitiam deslizes, nem facilitavam. Houve nas lides de Moura Jr. empenho, entrega, arte toureira e muita solidez. Enorme!
Telles "acabou com o quadro" no sexto
João Ribeiro Telles é outro cavaleiro em grande destaque nesta temporada. E outra grande figura entre as novas estrelas. A sua última actuação foi um assombro e foram seus os melhores ferros da tarde com esse fantástico sexto toiro - onde "acabou com o quadro"! Pisou terrenos de alto risco, entrou pelo toiro dentro e cravou de alto a baixo com desmedida emoção, provocando calafrios nas bancadas. Esteve João Telles a gosto, deitando cá para fora tudo o que de bom e de artístico lhe vai na alma.
Foi uma lide redonda e a exigir desde já um confronto cara-a-cara, que é como quem diz, mano-a-mano, com Moura Jr. Mas que seja um duelo a sério e com empenho dos dois, a esfarraparem-se um ao outro, não um mano-a-manozinho como aquele, tão dócil e tão sem “guerra”, que há poucos anos protagonizaram em Lisboa - lembram-se?
No seu primeiro toiro, difícil, João Telles viu as coisas ao contrário, lidou-o sempre na crença, foi o toiro quem mandou na lide e pese embora o empenho e a emoção que pôs na hora de cravar, a lide resultou muitos furos abaixo da sua segunda.
Pegas do "outro mundo"
Pegas do “outro mundo” marcaram a actuação, emocionante e apoteótica, dos gloriosos Forcados Amadores de Montemor, com cinco caras ao primeiro intento e só uma ao terceiro, numa tarde marcada pelas despedidas, sem despirem a jaqueta, como é tradição no grupo, de Tiago Telles de Carvalho e do brilhante primeiro-ajuda António Dentinho.
A pega da tarde e que mais emoção fez chegar ao público, foi sem dúvida a terceira, a cargo do grande Francisco Maria Borges. O toiro desembolou-se do corno direito no final da lide de João Telles e foi recolhido aos curros para ser de novo embolado, procedendo-se a um breve intervalo, findo o qual o toiro regressou à arena apenas para que se concretizasse a pega.
Um artista a citar e depois a recuar com uma arte e um saber que marcam a diferença, Francisco Borges fechou-se com decisão de braços e pernas e não mais dali saiu. A pega valeu por ele - apenas e só. Não terá sido uma pega tecnicamente perfeita no conjunto, porque o grupo todo ficou por terra e só Francisco se manteve na cara do toiro, aguentando uma barbaridade de derrotes. Mas foi uma pega única e valorosa pelo Forcado que a fez. A praça veio abaixo e no final o público não se cansou de aclamar o enorme Francisco Borges, que deu aplaudida volta com Telles e depois mais uma a sós com o público todo de pé.
Brindara a pega a seu Avô, Senhor Agostinho Borges (pai), que sem ter tido um historial como forcado igual ao de seus filhos Agostinho e Francisco e de seus netos Pedro e Francisco Maria, também se orgulhou de ter vestido a jaqueta e foi o autor do logotipo dos Amadores de Montemor. Bonito brinde e bonita homenagem que Francisco fez a seu Avô.
A primeira pega foi executada com o brilhantismo usual pelo cabo António Vacas de Carvalho, sem que o toiro tivesse feito mal; a segunda, por Tiago Telles de Carvalho, com excelente técnica e poderio; a quarta por João da Câmara, que recebeu mal nas duas primeiras tentativas, fechando-se finalmente com garbo à terceira; a quinta, brilhante, por Manuel Dentinho, com uma ajuda enorme de seu irmão António (a quem João Telles brindou a sua última lide), que também se despediu das arenas e foi um ajuda eficiente ao longo de alguns anos; e a última, com a raça habitual, por Francisco Bissaia Barreto. A rabejar, esteve em grande Francisco Godinho e também Tiago Telles de Carvalho num toiro, bem como, entre outros, Manuel Vacas de Carvalho e o retirado Comenda, que regressou em pleno por se tratar de uma corrida sempre especial e teve até honras de um brinde, no quinto toiro, por João Moura Júnior.
Nota alta para o bom desempenho da famosa dupla de campinos João Perceito/Mário Oliveira, recolhendo os toiros a cavalo com a eficiência e a arte que os destaca, tendo no último toiro a merecida e justificada honra de volta à arena.
Bárbara Guimarães na bancada
e até uma cena de estalada...
João da Câmara brindou a sua pega a Mestre Luis Miguel da Veiga, que assistia à corrida num camarote e João Telles dedicou um ferro no último toiro à apresentadora televisiva Bárbara Guimarães, que presenciou a corrida na companhia do antigo forcado e empresário Carlos Pegado (foto ao lado), honrando a arte tauromáquica. Oxalá não venham agora atacá-la, como algumas mentes mais deslavadas tentaram - e tentam - fazer com Fernanda Serrano, depois dela ter tido também a coragem de dar a cara pela Festa Brava no Campo Pequeno.
Excelente direcção de Agostinho Borges, que esteve assessorado pelo médico veterinário Dr. Feliciano Reis, dois antigos forcados dos Amadores de Montemor. Foi cornetim, com a arte que o caracteriza, o inimitável José Henriques.
Viveu-se uma tarde de grande ambiente, das que fazem aficionados. Uma tarde que, como se previa, marcou também esta temporada.
Nota negativa, apenas e só, mas eterna e sem que a dupla gerente da praça possa nisso ter qualquer intervenção, para as condições de (in)comodidade das bancadas desta praça de Montemor, uma coisa da Idade da Pedra e inaceitável, a todos os títulos, no século XXI. Continua a ser uma praça do tempo dos Flintstones, mas as corridas são sempre tão boas que o pessoal acaba por se acomodar à incomodidade.
Foi essa, aliás, a razão de ser da cena de estalada ocorrida mesmo ao meu lado, no final da lide do primeiro toiro e em que me vi involuntariamente envolvido. Um espectador da frente “mandou vir” com o meu colega de bancada por ter os joelhos nas suas costas e palavra para cá, palavrão para lá, envolveu-se tudo à molhada… e eu no meio da confusão.
Os ânimos acalmaram, o meu companheiro de lugar ficou com a camisa desfeita, mas a Festa continuou. Continua sempre, mais bofetada, menos bofetada…
Fotos Maria Mil-Homens