sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Campo Pequeno esgotado na noite de todos os triunfos

O brinde de Luis Rouxinol Jr. ao nosso querido Emílio foi ontem um dos momentos
mais emotivos e mais significativos da noite - por tudo o que ele acarretou
Brilhante e aplaudida participação da Charanga a Cavalo da GNR
Evocação das Touradas Reais antecedeu ontem a última corrida do Campo
Pequeno
A sempre apreciada intervenção dos Forcados com a mula
João Maria Gregório de Oliveira, o neto
O valor, a garra e o profissionalismo do veterano Rui Salvador foram ontem mais
que suficientes para contornar as adversidades do seu oponente, a "fava" dos
seis Passanhas
Quase vinte anos de alternativa (no próximo ano), grande maturidade e maestria,
uma lide enorme e impactante de Rui Fernandes, que ontem galvanizou o público
do Campo Pequeno
Primeiro com o "Aramis", depois com o "Temperamento", João Moura Caetano
deu ontem no Campo Pequeno um recital e uma sinfonia de bom toureio, de arte
e de temple, um final de grande apoteose para mais uma temporada de sucesso
Lição de toureio à antiga dada com a classe e o bom gosto de Manuel Telles
Bastos
, que fechou em grande a sua mais destacada temporada dos últimos anos
João Moura Jr. elevou altíssimo a arte mourista e fechou em pleno a temporada
de que foi um dos mais destacados triunfadores. Volta à arena com o forcado
Manuel Rovisco e o ganadero Diogo Passanha, que ontem por duas vezes foi
à praça com merecimento pelo brilhante comportamento e bravura dos seus
exigentes toiros
Luis Rouxinol Júnior fechou em apoteose o ano da sua aplaudida alternativa
nesta mesma praça


Tão cedo não vai ser fácil assistir a uma corrida tão memorável como a que ontem encerrou a temporada histórica dos 125 anos do Campo Pequeno. Tão cedo não vamos ver um curro de toiros tão fantástico e tão homogéneo como o de Passanha. Tão cedo não vamos assistir ao brilhantismo das lides de seis cavaleiros tão bons e que tão bem estiveram ontem nesta Gala que fica na História. Tão cedo não vamos ver tão grandes pegas de dois grupos tão consagrados como os que ontem pisaram a arena de Lisboa. Tão cedo não vamos viver um ambiente tão intenso e tão taurino como aquele que se viveu na noite passada no Campo Pequeno. Chave de ouro (valiosíssimo!) a fechar um ano com tanta História. Foi a noite de todos os triunfos. E o regresso em força da competição entre Moura e Caetano, como nos anos de glória de seus pais.

Miguel Alvarenga - Há noites e há corridas que ficam como marcos nas nossas memórias, nas nossas alegrias, nas nossas paixões de sermos, e querermos ser por muitos anos, aficionados. Apaixonados eternos de uma arte e de um espectáculo que por vezes nos desilude, nos faz pensar e repensar, voltar atrás e meditar, isto devia ter sido assim e não assado. A corrida de ontem no Campo Pequeno, transmitida com uma hora de atraso pela RTP dada a reportagem da Procissão das Velas em Fátima, foi uma verdadeira e memorável Procissão de arte e de engrandecimento da Festa. A praça esgotou pela terceira vez, depois de o mesmo ter acontecido na corrida de abertura e na da comemoração dos 125 anos da praça - três marcos históricos de uma temporada que teve noites menos brilhantes e em que as expectativas terão mesmo saído goradas, mas que ontem encerrou com chave de ouro. Mais que isso: com uma das melhores e mais emotivas corridas dos últimos anos.
Caras conhecidas, um ambiente enorme e a presença honrosa de figuras famosas, incluindo o matador sevilhano Morante de la Puebla e de muitos políticos dos mais diversos quadrantes, desde ilustres deputados do PSD e do CDS no camarote de honra e muitos outros de distintas cores partidárias na bancada, de João Soares a Daniel Oliveira, ex-Bloco de Esquerda e comentador do programa televisivo “Eixo do Mal”, unidos em torno de uma só e única ideologia, o respeito pela Tradição, o saber assumir a Cultura sem complexos.
Faltou, mas já nem me vou incomodar ou perder tempo a falar disso, a exigível presença de Sua Excelência, o Presidente da República. E a do presidente da Câmara de Lisboa, que nem na corrida comemorativa dos 125 anos da praça se dignou aparecer ou ao menos mandar um representante. São os altos dignatários que temos e o (des)respeito que eles nutrem pela Catedral do Toureio Nacional e pela tão antiga e tão nobre arte tauromáquica. Paciência… temos os políticos que merecemos, as “Operações Marquês” que merecemos, Abril águas mil e esse tal Abril foi no que deu...

Galardão Prestígio em honra de todos

Vamos ao que importa. À corrida de ontem. Iniciou-se com o sempre solene cortejo evocativo das Touradas Reais, havendo a destacar a usual participação da Charanga a Cavalo da GNR e a bonita prestação, como neto, do menino e excelente equador João Maria Gregório de Oliveira. Ao final e depois da também apreciada entrada dos Forcados com a mula, guardou-se um minuto de silêncio que o som não deixou entender por quem, mas depois apurei ter sido pela memória do ganadero espanhol Victorino Martín e do forcado Fernando Quintella.
A Drª Paula Resende fez a seguir a entrega do prestigiado Galardão Prestígio, entre ano foram três, com que a Administração do Campo Pequeno quis honrar todos os toureiros, forcados e ganadarias que ao longo de 125 anos pisaram esta arena e a engrandeceram, alguns deles pagando com a própria vida o amor pela Festa e pela profissão que abraçaram. Receberam o Galardão, em nome de todos eles, os presidentes da Associação Nacional de Toureiros, da Associação Nacional de Grupos de Forcados e da Associação Portuguesa de Criadores de Toiros de Lide, respectivamente Nuno Pardal, José Fernando Potier e o Dr. João Santos Andrade.
Ao intervalo da corrida, a Drª Paula Resende e Rui Bento, a dupla de sucesso do Campo Pequeno, rendeu também homenagem na arena aos 88 anos da tipografia “A Persistente”, 85 dos quais ao serviço da Festa Brava, tributo personificado na pessoa de Nuno Castelão, sócio-gerente da famosa gráfica da Chamusca.

Triunfo rotundo da ganadaria Passanha

Estiveram ontem em praça seis cavaleiros de nomeada, detentores de estilos distintos, alguns mais parecidos uns com os outros, mas todos eles se exibindo em plano superior. Cabe aqui louvar o jogo extraordinário dados pelos toiros da ganadaria Passanha, de fantástico trapio e grande apresentação, duros, exigentes, sérios, bravos na generalidade, nada a ver com a bondade que por norma caracteriza o encarte Murube, antes pelo contrário, toiros de verdade e que transmitiram e deram grande emoção ao espectáculo, sem facilitar, antes exigindo, pedindo cartas, impondo-se e quase todos crescendo ao longo da lide.
O ganadero Diogo Passanha deu volta à arena no terceiro e no quinto e foi ainda autorizado - e bem - pelo director de corrida Rogério Jóia a dá-la também no quarto, mas declinou tal honraria - que era muito justamente merecida. Sai tanta gente em ombros, porque é que ontem o ganadero não saiu?

Maestria de Salvador deu a volta à "fava"

A “fava” da noite saiu ao veterano Rui Salvador, que enfrentou a abrir a corrida o mais reservado dos seis Passanhas, que se adiantava e por duas vezes deu fortes encontrões no cavalo.
Valeu a experiência e, mais que isso, a eterna raça e a valorosa garra de Salvador para não ir abaixo, se impor e dar a volta por cima, como sempre dá, com uma entrega desmedida e ferros de grande ousadia. 33 anos de alternativa, sempre o mesmo grande Toureiro.

Empolgante lide de Rui Fernandes

Rui Fernandes está quase no patamar dos veteranos também, cumpre na próxima temporada vinte anos de alternativa. E toda a maturidade e maestria que adquiriu e construíu em duas décadas de elevado profissionalismo foram ontem a razão de ser de uma lide brilhante, alegre, de enorme euforia mesmo, em que deixou o público em delírio com a grandeza do seu toureio, a precisão e verdade das suas sortes e o grande momento que atravessa ele próprio e a sua desenvolta quadra de belíssimos cavalos.
Um fecho de temporada brilhante para um toureiro que, mesmo actuando pouco e escolhendo a dedo as suas corridas, deixou um ano mais o seu valor e a sua arte a pairar em praças importantes de Espanha e em todas as de Portugal onde se exibiu. Lisboa aclamou a consagração do grande cavaleiro em noite tão importante e em que ele tão bem elevou a forma ousada e tão sua de interpretar a arte que abraçou, com a diferença dos eleitos, já lá vão duas décadas. De firmeza, de constante afirmação.

Moura Caetano: sinfonia de arte e temple

João Moura Caetano alcançou o mais elevado patamar que um toureiro pode desejar. Vive um momento de grandeza, tem uma das melhores quadras de cavalos de sempre, impôs um estilo muito próprio sem recorrer a fantasias e conquista o público apenas e só pela prática do bom toureiro, com uma arte e um temple que fazem parecer fácil o difícil.
Ontem, abriu o compêndio e o que fez, primeiro com o cavalo “Aramis”, depois com o incrível e elástico “Temperamento”, dando toda a prioridade ao bravo toiro de Passanha, aguentando até ao fim, cravando com uma verdade imensa em terrenos que só pisam os eleitos, foi uma verdadeira sinfonia de bom toureio, onde não houve um deslize, uma falha, onde tudo decorreu na perfeição e numa harmonia tal que galvanizou uma praça esgotada e impôs Caetano em definitivo, com a sua melhor lide de sempre na capital, como uma das consagradas Figuras do toureio equestre nacional. Brindara a sua lide a Morante de la Puebla e honrou o génio a quem a dedicou com o mesmo temple e com a mesma arte que dele fizeram um dos maiores do toureio a pé. Fim brilhante de mais uma grande temporada de Moura Caetano que se não esquece.

Classe e bom gosto de Telles Bastos

Manuel Ribeiro Telles Bastos mantém desde os seus inícios (vi-o tourear pela primeira vez em Vila Franca) uma fidelidade ao classicismo que herdou de seu querido avô, Mestre David e que é também apanágio fortíssimo da carreira de seu tio António. Cravou o primeiro ferro com uma sorte de gaiola, de que se tornou exímio praticante e que é já uma imagem da sua marca. Meteu logo aí o público no bolso, como se costuma dizer e depois abriu o livro. Empolgante nos compridos, pecou unicamente por cravar a cilhas passadas o primeiro curto, mas depois emendou-se e a lide decorreu em ritmo vibrante e com ferros a entrar pelo toiro dentro e a cravar de alto a baixo - como os livros ensinam.
Uma lição de toureio à antiga, de um cavaleiro novo e que nunca abdicou do classicismo, interpretando sempre com uma classe divina e um bom gosto que se tem que aplaudir a nobre arte de lidar toiros a cavalo.

Moura Júnior: com que arte!

João Moura Júnior foi, também ele, ontem, um brilhante intérprete da arte do toureio a cavalo na mais pura essência daquilo que veio depois da forma antiga de lidar os toiros, isto é, daquilo que impôs o Maestro Moura naquela célebre tarde de Madrid onde em anos idos, mas jamais esquecidos, ditou as novas regras de tourear a cavalo. É filho de quem é, o toureio mourista corre-lhe nas veias e João esteve ontem exuberante, brilhante, empolgante, continuando a marcar a diferença, como uma vez mais o fez ao longo de toda esta temporada.
Fantástico a lidar, a tourear, a ladear, e recriar-se na fase final com emotivas piruetas que levantaram o público da bancada como que impelido por uma mola e deram à noite um ambiente verdadeiramente apoteótico a todos os níveis.

Rouxinol Júnior reafirma: é um caso

Luis Rouxinol Júnior regressava a Lisboa depois de este ano aqui ter protagonizado um importante triunfo na noite da sua alternativa - e reafirmou o que já tinha dito dessa vez e em outras praças: é um caso e um caso muito sério. Fez questão de brindar aos deputados que ocupavam o camarote de honra e depois atravessou a arena e foi repartir a honraria com o nosso querido companheiro Emílio de Jesus, que ontem e em boa hora regressou às lides depois de uma ausência forçada por motivos de saúde, de que graças a Deus se encontra quase restabelecido. Um gesto bonito de Rouxinol Jr., como já seu pai o tivera em Julho quando na Corrida TV/Norte brindou também ao famoso repórter. Só lamento que nenhum outro cavaleiro se tivesse lembrado de ao menos dedicar um ferro ao Emílio. O que ele fez em tantos anos pelos toureiros… e o que os toureiros se esqueceram ontem de fazer por ele…
Mas adiante. Também com um belíssimo toiro de Passanha, codicioso e encastado, o jovem Rouxinol desenvolveu uma lide verdadeiramente delirante, com brega ousada, ferros de grande emoção e remates que foram pinturas de arte e de valor, valor de um jovem que se afirmou no primeiro ano como profissional e que vai continuar a fazer História com um estilo próprio e já distanciado de seu pai. Vai ser grande por ele mesmo, pela sua raça, pela sua rara intuição e pelo seu tamanho valor e não por ser o filho do consagrado Luis Rouxinol.

Forcados em noite grande

Noite grande para os forcados com pegas brilhantes, já aqui analisadas em pormenor, dos valentes elementos dos valorosos grupos de Évora e de Vila Franca.
Gonçalo Pires (à primeira), o cabo João Pedro Oliveira (à segunda) e o sempre surpreendente Manuel Rovisco (à primeira - que grande forcado!) brilharam pelos eborenses, enquanto que pelos vilafranquenses foram ontem estrelas Vasco Pereira (à primeira), Francisco Faria (à primeira) e Rui Godinho (à segunda), três consagrados valores da nova geração deste grande grupo.
Poderosos e com pata, os toiros de Passanha não facilitaram a vida aos forcados. Sem derrotar em demasia, investiram que nem comboios, exigindo que pela frente estivessem forcados de barba rija. E estavam. Dois grandes grupos em noite de grande e aplaudido destaque na tão portuguesa arte de pegar toiros.

Direcção brilhante e com ritmo de Rogério Jóia

Aplausos finais para a brilhante direcção de Rogério Jóia, com a habitual aficion e o usual rigor, contribuindo para o bom ritmo em que a corrida decorreu, sem tempos mortos, com música dada a tempo e com justificação e com a arte de saber honrar o grande contributo dado pelos toiros de Passanha, chamando o ganadero à praça em três ocasiões, a que ele acorreu apenas em duas. Rogério Jóia esteve ontem assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva e o cornetim, como sempre, foi José Henriques, que brilhou como brilha sempre e já há mais de quarenta anos neste cenário solene da praça do Campo Pequeno.
Brilhante desempenho de todos os bandarilheiros, desta vez sem capotazos em demasia e a exercerem com elevado profissionalismo a sua arte, sobretudo na colocação dos toiros para os forcados.

Aplausos a quem soube elevar tão alto 
o prestígio do Campo Pequeno

Fechou assim com chave de ouro a temporada histórica dos 125 anos do Campo Pequeno, marcada por três lotações esgotadas, duas corridas memoráveis transmitidas pelas televisões - a do aniversário pela TVI e a de ontem pela RTP - e que no balanço final foi brilhante e positiva, apesar de uma ou outra corrida que não corresponderam às expectativas, mas é preciso sobretudo enaltecer o que de positivo o ano teve.
Ficaria mal comigo próprio se não terminasse esta última crónica da temporada lisboeta sem daqui aplaudir o notável esforço, a enorme dedicação, algumas vezes contra ventos e marés e, obviamente, não agradando a gregos e a troianos, e o elevado profissionalismo com que, um ano mais, a fantástica equipa do Campo Pequeno, liderada por dois timoneiros de importância chave, a Drª Paula Resende e Rui Bento, levaram uma vez mais o barco a bom porto.
O Campo Pequeno voltou a estar na rota das grandes Figuras do toureio mundial e foi, uma vez mais, a grande e memorável referência da Tauromaquia Nacional.
Se muda ou não muda de mãos, se a Drª Paula Resende e Rui Bento continuam ou não continuam ao leme da primeira praça do país, é uma incógnita que o tempo se encarregará de nos esclarecer. Mas que eles foram grandes e que o Campo Pequeno está onde está, nestes últimos anos, por obra e graça do seu grande trabalho, disso ninguém terá dúvidas.
Tenho dito. Até para o ano!

Amanhã não perca: as fotos que marcaram o regresso de Emílio, a sua brilhante foto-reportagem. E a galeria dos Famosos (tantos!) que ontem emolduraram a mais fantástica noite de toiros da temporada.

Fotos Maria Mil-Homens