O nosso último encontro, sábado passado, no jantar de entrega de troféus do Clube Taurino da Chamusca |
"Nené" com João Ribeiro Telles, que apoderava e com quem tinha tantos projectos para a comemoração, esta temporada, dos 10 anos de alternativa |
Há duas semanas na Taberna "Saudade", em Lisboa, o último grande encontro dos dois antigos sócios, Rogério Amaro e "Nené", testemunhado por mim num jantar cheio de histórias |
Quarenta anos de uma amizade tão sólida |
Na noite de alternativa de Rui Salvador, no Hotel Alfa, em Lisboa, comigo, com Mestre Batista e Rogério Amaro |
Forcado de alma: Aos 60 anos, em 2014, a última colhida em Alcochete, onde voltou a pegar na corrida de reposição da estátua de Helder Antono |
Miguel Alvarenga - Ainda há dias recordámos tantas histórias do passado, que foi nosso e era nosso, naquele inesquecível jantar com o Rogério Amaro. Ainda há dias fumámos um último cigarro, ia lá eu imaginar que era o último, no sábado, no jantar dos troféus do Clube Taurino da Chamusca. Ainda anteontem, véspera de Mourão e da abertura oficial da temporada, me telefonaste e estivemos não seu quanto tempo à conversa e marcámos para a próxima semana um outro jantar com o Rogério.
Queria dizer-te aqui tanta coisa e não consigo, meu querido “Nené”. Que foste grande no mundo dos toiros todos sabem. Forcado enorme, recordo ainda as tuas duas últimas pegas, já tinhas ultrapassado os 60 anos e a alma continuava igual. Empresário exemplar, notável, o mais antigo e sempre a mesma garra, a mesma irreverência, a mesma seriedade.
Foi o Emílio que me telefonou, tínhamos acabado de chegar os dois de um dia bem passado em Tomar. “Já sabes, Miguel?”. Mas já sei o quê? “Morreu o Nené”. Fiquei gelado, fiquei sem saber o que dizer, fiquei sem saber nada.
Foram quarenta anos de uma amizade tão sólida, tão bonita, tanta cumplicidade, tanta “malandrice”, tanta história, “Nené”, tanto projecto que estava ainda para vir.
Penso, sei lá se penso, numa qualquer “maldição”, mas prefiro acreditar que foram só coincidências, mesmo que não haja coincidências. Morreu, sob o teu comando, o Helder Antono a pegar um toiro em Alcochete. Morreu o Nini, também, num estúpido acidente de viação. Morreu no ano passado o Fernando Quintella, a pegar um toiro na Moita. Todos do teu Grupo de Alcochete. E disseste-me, aquando da morte do Fernando: “Caramba, esta merda não pára, já é demais”. E agora foste tu. Que merda de vida, “Nené”.
Quantas vezes amuavas, ainda há dias, porque eu escrevi isto ou aquilo. E quantas vezes voltavas com aquele sorriso malandro, podias zangar-te com todo o mundo, “mas contigo nunca”, dizias, era uma amizade demasiado profunda e à prova de bala, eram quarenta anos de cumplicidade. E agora, “Nené”?
O que é que eu vou dizer agora à Paula, tua Mulher, aos filhos que adoravas, o António José e a Margarida? Como me lembro da cara de aflição dela na noite em que sofreste a última colhida em Alcochete, quando aos 60 anos voltaste a pegar na corrida de reposição da estátua do Helder Antono - há quatro anos.
A vida é mesmo uma passagem. São momentos. E nós partilhámos tantos. E tu fizeste parte de tantos momentos da minha vida.
E eu vou-te lembrar sempre, mesmo que o faça com lágrimas nos olhos agora. É demasiado brutal, é demasiado estúpido, não tem lógica e não faz sentido nenhum que te tenhas ido embora assim tão de repente, assim tão depressa, quando faltava ainda tanto para viver.
Queria escrever tanta coisa, “Nené”, mas as palavras vão-me saindo do teclado quase sem nexo, quase também sem sentido e sem vontade nenhuma de escrever nada.
Porquê, “Nené”? E porquê tu?
Talvez Deus explique, se houver Deus e eu acredito que há. Talvez tivesse chegado a tua hora. Mas não precisava de ser uma hora assim tão brutal.
Estejas agora onde estiveres, sei lá, toma um último abraço, um derradeiro beijo, talvez uma despedida ou apenas um simples até um dia. Gosto tanto de ti. Sempre, “Nené”.
Fotos Fernando Clemente, D.R., Emílio de Jesus, Patrício Estay, M. Alvarenga e "DN"