Miguel Alvarenga - Para o bem e para o mal, o nosso povo é gente de tradições e que raramente altera ou modifica os seus rotineiros rituais, é assim, há-de ser sempre assim, a não ser que... surja qualquer coisa que seja mesmo diferente.
Por mais voltas que lhe queiram dar, a tourada de Maio na Moita é sempre sinónimo de meia casita, não seja virem do México uns sopros de ares distintos que permitam apresentar um cartelazo como o do ano passado com Ventura, Rui Fernandes e a alternativa de Paco Velásquez, que motivou lotação esgotada na praça "Daniel do Nascimento".
Ontem, as coisas voltaram ao costume. O cartel era atractivo, em cima da hora soube-se que os forcados do Aposento iam pegar sózinhos os seis toiros de Canas Vigouroux porque os da Tertúlia Terceirense não tinham conseguido avião para voar para o continente - mas a realidade é que a praça, se todos se juntassem, tinha meia lotação fraca preenchida e o resto era cimento.
O esforço empresarial de Ricardo Levesinho e do seu staff (familiar) infelizmente não foi, como nunca é nesta data, correspondido pelo público. Os aficionados andam estranhos este ano, não estão a ir aos toiros com o mesmo entusiasmo do ano passado - e a culpa pode ser do estado a que isto chegou. Não há um toureiro-figura que arraste gente às bilheteiras. Os cartéis são sempre os mesmos. Ir aos toiros, hoje em dia, é quase o mesmo que ir todos os fins-de-semana ao mesmo cinema ver o mesmíssimo filme. Por melhor que seja, às tantas farta...
O cartel da Moita até não era propriamente "mais do mesmo". Tinha Leonardo Hernández como cabeça de cartaz, rejoneador espanhol altamente cotizado e que, tal como seu pai, toureia muito mais à portuguesa que à espanhola, É um toureiro que serve, que anima qualquer cartel, mas que não adianta, nem atrasa nada. Mas vale. É perfeito, é ousado, sai tudo bem feito.
Brindou a primeira lide aos forcados e a segunda a António Ribeiro Telles - graças a Deus, recuperado e sem nódoas negras, depois do aparatoso acidente de automóvel que sofreu na semana passada à saída de Évora, quando tinha ido acompanhar seu filho que actuara no Concurso de Ganadarias.
Esteve correcto e empenhado nas duas lides, frente a dois bons toiros de Canas Vigouroux, deixou uma vez mais bom ambiente, é provável que ainda toureie este ano mais duas ou três corridas entre nós. E é sempre benvindo, porque é um toureiro que marca, que entusiasma e que toureia bem.
Outro atractivo do cartel moitense era a presença de Luis Rouxinol Júnior, a marcar, insuperável, este início de temporada. Raça, garra e imensa atitude foram atributos que o novo Rouxinol deixou bem expressos na arena da praça "Daniel do Nascimento" nas duas lides que protagonizou.
Brindou a primeira lide ao companheiros Gilberto Filipe, que celebra esta temporada vinte anos de alternativa, empolgando o público com uma actuação de excelente nota e alto nível, quer a brigar, quer a cravar.
Repetiu Rouxinol o triunfo - e a forma entusiástica e vibrante com que toureou - frente ao quinto toiro da tarde, confirmando a força e o impacto com que iniciou esta temporada, depois de um ano de 2023 que foi menos conseguido em termos da triunfal ascensão que vinha protagonizando nas temporadas anteriores, Em 2024, Rouxinol Jr. está de novo a voltar à superfície e em grande. Cuidem-se!
Mais outro motivo de atracção era a presença nesta corrida de competição do mais novo cavaleiro de alternativa nacional, Tristão Telles Queiroz, que nas últimas actuações tinha andado meio irregular. O terceiro exemplar de Canas Vigouroux foi um belíssimo toiro, que se empregou, que tinha teclas e exigia, e com ele o jovem cavaleiro esteve senhor da situação, a mandar, a manifestar poderio e sentido de lide - com atitude, com decisão, galvanizando o público.
O último toiro era, como já aqui escrevi, o toiro mais matreiro dos seis, reservado, de investidas pouco claras e estranhas para os capotes e para os cavalos. Tristão (lide brindada a Fernanda e António Manuel Barata Gomes, o emblemático casal da "Casa das Enguias") tomou depressa conta da situação, demonstrando uma vez mais solidez e maturidade, impondo-se, em permanente diálogo com o público, chegando às bancadas com uma facilidade contagiante. Grande actuação - e, sobretudo, grande passo em frente dado ontem por Tristão Telles Queiroz na Moita. Assim, sim!
Actuação exemplar dos seis bandarilheiros (eram portugueses, também, os de Leonardo Hernández), que raramente estiveram na arena durante as lides, intervindo quase só na colocação dos toiros para os forcados.
Jorge Alegrias e João Oliveira sairam às ordens de Leonardo; com Rouxinol estiveram Ricardo Alves e João Martins; e na quadrilha de Tristão exibiram-se Duarte Alegrete (indiscutivelmente, o número-um da actualidade) e Nuno Silva, outro grande valor.
Como já aqui referi, os toiros de Canas Vigouroux foram toiros de nota alta, excepção feita ao sexto, o mais reservado e mais complicado, mas mesmo assim um toiro que foi crescendo e transmitiu emoção - foi injusto o esquecimento do director de corrida Tiago Tavares (de resto, nada mais a apontar ao seu bom desempenho na Moita) de conceder ao ganadeiro Pedro Canas Vigouroux a honra de, pelo menos, uma volta à arena.
A corrida terminou em apoteose, com o Grupo de Forcados Amadores do Aposento da Moita, grande e indiscutível triunfador desta corrida de Maio, na arena, aclamado calorosamente pelo público. Seis pegas à primeira, que já aqui analisei anteriormente em pormenor e que constituíram a maior e mais bonita das homenagens que o grupo poderia ter feito à memória do seu companheiro João Morais, falecido em Abril, vítima de doença que não perdoa e contra a qual lutou durante mais de um ano com todas as suas forças, toda a sua garra e toda a sua tremenda dignidade.
Ao início da corrida, guardou-se um respeitoso minuto de silêncio em sua memória e também em memória do ganadeiro Ricardo Isidro, proprietário da ganadaria Santos Silva.
Nota altamente positiva: a corrida começou às 17h00 e terminou ainda não eram 19h30, ou seja, durou menos que duas horas e meia, incluindo um pequeno intervalo. Seis pegas à primeira tentativa, lides sem tempos mortos e uma excelente direcção de Tiago Tavares (assessorado pelo médico veterinário Jorge Moreira da Silva) muito contribuíram para o agradável andamento em que a corrida decorreu.
É pena, mas a corrida de Maio na Moita continua a não contar para o campeonato... e é quase sempre um esforço inglório do empresário, sem correspondência do público. Venha mas é a Feira de Setembro, essa sim!
Fotos M. Alvarenga