Miguel Alvarenga - Neste momento, a praça de toiros do Campo Pequeno já deveria ter a lotação esgotada. E não tem. Tudo aponta para uma casa cheia, mas ainda não esgotada. E era preciso que estivesse.
Não apenas "porque sim". Mas porque... tudo. Era importante que os aficionados portugueses (se ainda existirem aficionados para encherem uma praça como a de Lisboa, se existiram em Santarém e é muito maior, porque razões não existem na capital?) esgotassem hoje o Campo Pequeno.
O cartel não justifica isso? Claro que justifica. João Moura Júnior é o primeiro do pelotão; Marcos Bastinhas é outro figurão da primeira fila; e António Telles Filho é um jovem no segundo ano como profissional, em perfeita ebulição, cheio de ambição e de raça (quem sai aos seus...), vem pela primeira vez enfrentar toiros de Murteira Grave na primeira arena do país e acaba de obter um triunfo marcante no Montijo, no domingo passado. A mim, deixou-me vontade de o voltar a ver em todo o lado onde vá.
Os toiros são de uma das mais cotadas ganadarias da actualidade em Portugal e em Espanha, a de Murteira Grave. E no que a forcados diz respeito, estão os melhores, Santarém e Montemor, que vêm disputar os troféus para a melhor grupo e o melhor pega, os quais que têm, respectivamente, os nomes de Nuno Megre e de João Cortes, as duas glórias que esta noite são homenageadas. E que glórias, meu Deus!
À partida, as cartas estão na mesa, os dados estão lançados e temos motivos e ingredientes mais que suficientes para não deixarem dúvidas de que vamos viver no Campo Pequeno uma noite de muita emoção, com o habitual glamour e a eterna classe que caracterizam e tornam diferentes as noites de toiros na emblemática primeira praça do país.
Reduziram-nos as corridas a quatro. E nós deixámos andar. Encolhemos os ombros, não protestámos, não exigimos o respeito que esta Catedral merece - em nome da História que por aqui passou, que aqui foi escrita. Triunfos, glória, tragédia, mortes. A praça do Campo Pequeno faz parte da História imensa da Tauromaquia.
E é toda essa História que nos devia encher de um orgulho sem fim e nos devia motivar - a todos - a ir em força ao Campo Pequeno esta noite. Não está em causa o cartel. Que é bom, repito. O que está em causa é, apenas e só, o futuro. Mas o nosso. O nosso futuro.
Esgotar o Campo Pequeno é mostrar que gostamos do Campo Pequeno, que queremos o Campo Pequeno. É preciso agir. É preciso dizer: Presente!
Não chegou - e, pelo que se vê agora, não chegou mesmo, melhor dizendo, não valeu para nada - aquela volta que os toureiros deram à arena com um cartaz onde afirmavam - ou pretendiam afirmar - que "Esta é a Nossa Casa". Já foi. Tem que voltar a ser.
Ponham de parte as raivinhas, as invejas, o mal dizer apenas por mal dizer. Luis Miguel Pombeiro tem feito um esforço que não pode acabar por ser inglório. Tem agora a seu lado dois jovens empreendedores, sonhadores, o Jorge e o Samuel, que querem fazer coisas diferentes. São eles os Três Mosqueteiros da nossa Tauromaquia. Podiam ser outros, não importa. Nem é isso que está em causa.
Indo ao Campo Pequeno, não os estamos a ajudar a eles. Estamos a ajudar-nos a nós próprios e a ajudar e a apoiar um futuro que é de todos nós. E estamos, acima de tudo, a dizer que queremos continuar a ter a Nossa Praça na nossa cidade, a cidade grande.
Já viram muitas vezes o Moura, já viram muitas vezes o Bastinhas, ainda não têm a certeza se vale a pena ver o novo Telles?
O Moura e o Bastinhas vêem-se as vezes que for preciso. E o novo Telles, que domingo confirmou no Montijo tudo aquilo que já nos tinha dito no ano primeiro como cavaleiro de alternativa, não vem hoje a Lisboa para ser um mero espectador do "duelo" entre dois jovens que são já dois veteranos.
Os dois grupos de forcados rivais, com Graves, vão dar-nos pegas de muita emoção.
Mas a emoção maior é gritarmos bem alto que queremos que o Campo Pequeno continue.
Se não o fizermos, então muita coisa terá perdido o sentido. E ser aficionado passa a ser um estado de espírito em vias de extinção.
Escolham: sim ou sopas. Eu digo sim ao Campo Pequeno. Até logo - e venham todos!
Foto D.R.