Miguel Alvarenga - O derby Santarém-Montemor, eterno Benfica-Sporting dos Forcados, foi ontem, em grande parte, responsável pela enchente notável que se registou nas bancadas, camarotes e galerias da praça do Campo Pequeno, que só não esgotou por uns cem bilhetes nesta que foi a primeira das quatro grandes noites que ali vão ter lugar este ano.
Além da rivalidade e da competição entre os dois afamados grupos, além de tudo isso acontecer na arena frente a exigentes toiros da emblemática ganadaria Murteira Grave (a celebrar os 80 anos da sua fundação), ontem havia ainda o chamariz das mais que justas homenagens a dois Forcados "do outro mundo" que nos marcaram a todos nos anos gloriosos do século passado: Nuno Megre e João Cortes; ou João Cortes e Nuno Megre, é igual a ordem, mas assim não se beliscam susceptibilidades de ninguém.
Ao início da corrida, o empresário Luis Miguel Pombeiro foi à arena entregar os galardões que eternizam estas homenagens aos dois grandes Forcados dos grupos de Santarém e Montemor - Megre honrou, como só ele sabia fazer, a jaqueta dos Amadores de Santarém e João Cortes engrandeceu em todo o mundo a jaqueta dos Amadores de Montemor, grupo de que foi recordado cabo. Ficou sua a faltar, falha imperdoável, que os dois tivessem dado uma volta à arena.
Paralelamente, foi também homenageado outro histórico forcado do Grupo de Santarém, Joaquim Grave, na qualidade de proprietário da ganadaria Murteira Grave, que comemora o 80º aniversário da sua fundação.
Uma noite bonita de celebrações que nos fez lembrar páginas de ouro do um passado recente e tão rico em momentos de glória protagonizados por Forcados como estes..
Estavam em disputa dois prémios: o Prémio "Nuno Megre" para o melhor grupo e o Prémio "João Cortes" para a melhor pega. Os jurados eram os dois Forcados homenageados. E o público respeitou e aplaudiu as suas soberanas decisões.
O Grupo de Santarém foi premiado como melhor grupo e a melhor pega foi a terceira, do heróico Francisco Cabaço (Santarém), na foto de cima, que aguentou estoicamente vários derrotes, fechado que nem uma lapa na cabeça do toiro, sem nunca sair, quando o Grave desarmou todo o grupo e fugiu para o meio da praça só com Cabaço agarrado.
Destaque para uma oportuna ajuda (bem visível em algumas fotos em baixo) do bandarilheiro Gonçalo Veloso, da quadrilha de Bastinhas, que foi valoroso e recordado forcado deste Grupo de Santarém e que ainda guarda desses tempos a experiência e o saber.
Não terá sido uma pega ortodoxa ou respeitadora dos mais exigentes cânones da nobre e tão portuguesa arte de pegar toiros - porque uma pega é para ser feita por oito forcados e não só por um. Mas foi uma pega "de outra galáxia", um grito de valentia e de poderio de um jovem forcado que se tem vindo a afirmar como um dos maiores da actualidade - e, sobretudo, foi uma pega que fez explodir a praça. Cabaço merecia ontem ter saído em ombros pela Porta Grande do Campo Pequeno. Não saíu porquê?...
A sua pega foi, mais que uma pega, um hino à valentia e ao poderio. Um momento daqueles que, tal como o que protagonizou José Pedro Suissas no domingo no Montijo, engrandecem a Tauromaquia.
Francisco Cabaço deu uma volta à arena com António Telles Filho, com o público de pé a aplaudir; e depois deu outra sózinho e o público não se sentou mais, manteve-se de pé, em apoteose, aclamando o valente forcado.
Por Santarém abriu praça João Faro, que brindou a Nuno Megre e João Cortes e fez, à primeira, uma pega rija e brilhante ao primeiro toiro da noite, muito bem ajudado pelos companheiros. Moura Jr. não foi autorizado pela directora de corrida a dar a volta à arena e o forcado, que merecia dá-la, preferiu afirmar a grandeza de ser solidário com o cavaleiro e agradeceu as ovações no centro da arena, recolhendo à trincheira.
A segunda intervenção dos Amadores de Santarém, no terceiro Grave da noite, foi a já referida heróica e premiada pega de Francisco Cabaço, brindada a Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa; e para pegar o quinto toiro saltou à arena o novo Joaquim Grave (filho do antigo cabo Carlos Grave), que brindou ao público e fez, quanto a mim, a mais perfeita e mais técnica pega da noite. Não tão emotiva como a de Cabaço, mas uma enorme pega também.
Joaquim Grave, outro jovem forcado da formação de Santarém que se estreou há quatro anos no mesmo festival em Sobral de Monte Agraço em que pegou pela primeira vez Francisco Cabaço, tem também consolidado uma imagem e uma figura que já todos reconhecem e aplaudem.
Esteve enorme. Citou de largo, mandou templando na investida, reuniu e fechou-se na perfeição e com a maior decisão, e aguentou a força do Grave, sendo bem ajudado por todos os companheiros, sem nunca ceder, sem nunca sair. Um pegão que, na minha opinião, poderia também ter ganho o prémio sem beliscar a susceptibilidade de ninguém.
Noite grande dos Amadores de Santarém, ontem em clara vantagem sobre os seus rivais de Montemor.
Os Amadores de Montemor optaram por pegar de cernelha o seu primeiro toiro, segundo Grave da corrida, homenageando desta forma o seu antigo cabo António José Zuzarte, que formou com o saudoso rabejador Simão Comenda uma das melhores parelhas de cernelheiros de sempre. Tentaram a sorte, sem grande sorte, o cabo António Cortes Pena Monteiro (cernelheiro) e Joel Santos (rabejador).
O toiro demorou a encabrestar, tinha imenso sentido, deu desde cedo pela presença dos forcados "à sua procura" e perdeu-se ali um tempo enorme, quebrando o bom ritmo em que a corrida decorria. Os forcados não tiveram sorte na primeira entrada ao toiro, veio mais um compasso de espera e soou um aviso, acabaram depois por consumar a cernelha ao segundo intento, mas recusaram no final acompanhar Bastinhas na volta à arena.
A segunda pega dos montemorenses, brindada a Nuno Megre, foi executada pelo grande Francisco Maria Borges, que este ano se vai despedir em Setembro na sua praça e que fazia ali a sua derradeira pega na arena solene da capital, onde tantas vezes triunfou.
Esteve bem, como está sempre, citou com a classe costumeira, recuou a mandar na investida, fechou-se para não mais sair e foi ajudado "à Montemor" pelos companheiros, consumando uma excelente pega ao primeiro intento e dando aplaudida volta à arena com Moura Júnior. Técnica perfeita, valor e arte, parecem fáceis as pegas que faz Francisco Borges.
Para pegar o último Grave desta fantástica corrida saltou à praça outro grande forcado, José Maria Cortes Pena Monteiro - que dedicou a sua pega ao Avô João Cortes, manifestando o orgulho de ser neto de tão carismático Forcado e agradecendo-lhe todos os ensinamentos que ele lhe deu.
Sofreu José Maria um violento e fortíssimo derrote na primeira tentativa, acabando por consumar com valor e galhardia ao segundo intento, com uma ajuda preciosa de seu irmão, o cabo António Cortes Pena Monteiro.
Nota altíssima, como sempre, para o exímio rabejador montemorense Francisco Godinho nas duas pegas de caras dos montemorenses.
Noite grande dos Forcados, ainda e sempre, os grandes responsáveis pela grande presença de público nas nossas praças.
Fique agora com as sequências das seis grandes pegas dos Amadores de Santarém e Amadores de Montemor aos duros, sérios e exigentes toiros de Murteira Grave. Uma noite em grande!
Fotos M. Alvarenga
GFA de Santarém, capitaneado por Francisco Graciosa |
GFA de Montemor, capitaneado por António Cortes Pena Monteiro |
João Faro (Santarém) na primeira pega da noite, brindada aos homenageados Nuno Megre e João Cortes, concretizada com brilhantismo e grandes ajudas ao primeiro intento |
Parecem fáceis as pegas de Francisco Maria Borges (Montemor), Esta foi a última que fez no Campo Pequeno - enorme! - no ano em que se despede das arenas em Setembro em Montemor |
José María Cortes Pena Monteiro brindou ao Avô João Cortes e fechou a noite com chave de ouro, pegando ao segundo intento o sexto Grave, com uma grande ajuda de seu irmão, o cabo |