Miguel Alvarenga - Não me venho aqui retratar de nada, nem retirar uma única vírgula a todos os textos que expressaram a minha revolta e indignação (e de inúmeros, muitos mesmo, aficionados) pela bronca e pela escandaleira que constituíram os lamentáveis acontecimentos de ontem em Vila Franca. Mas por morrer uma andorinha nunca acabou a Primavera. E é preciso que sigamos em frente, de cabeça levantada, se ainda queremos salvar (acho muito difícil, mas... enquanto há vida, há esperança!) esta tão destroçada Festa... que mais parece a imagem de ruínas e destroços como aquelas que, infelizmente, todos os dias nos mostram as televisões a propósito das guerras que estão a decorrer...
O que aconteceu em Vila Franca põe a nu a preocupante infantilidade e a total falta de profissionalismo - e de respeito pelo público - que grassa no meio das touradas neste país.
Há perguntas que precisam de respostas. E o empresário Ricardo Levesinho não podia nunca, de forma alguma, enterrar a cabeça na areia e dizer que só se pronunciará na quarta-feira, prejudicando de forma gravíssima a realização da tourada nocturna de amanhã. Era preciso aclarar tudo o que se passou ontem para que ninguém ficasse com uma única dúvida.
Ainda aqui não referi, mas refiro agora, a louvável intervenção e decisão do médico veterinário Jorge Moreira da Silva e da directora de corrida Lara Gregório de Oliveira, ao rejeitarem um dos toiros da ganadaria Nuñez não sei de quê que, pelos vistos e a atestar pela reconhecida seriedade e alta competência de ambos, estaria impróprio para ser lidado.
E aqui, pergunto: se eu fôr ao stand comprar uma Vespa não me entregam concerteza uma Vespa com uma roda a menos... E se o fizerem, eu tenho olhos, graças a Deus, e protesto.
O ganadero Nuñez não sei quantos enviou quatro toiros, um dos quais impróprio para consumo. Com uma roda a menos, suponha-se. De quem é a culpa? Do ganadero que o enviou? De quem foi ver os toiros ao campo e não reparou nisso? Ou reparou, estava tudo certo e depois o ganadero trocou um toiro por outro? Obviamente que o ganadero tem que ser responsabilizado. Enganou o empresário e, ao enganar supostamente o empresário, enganou o público e enganou os toureiros.
E o empresário? Tinha dois sobreros para as lides a cavalo e esqueceu-se de que havia matadores, não tinha nenhum sobrero para as lides a pé? Depois quis impingir aos matadores como sobrero um dos sobreros que estavam guardados para os cavaleiros? Onde está então o profissionalismo do empresário? Isto parece mesmo uma brincadeira de crianças...
Há poucos anos, o mesmo empresário Ricardo Levesinho viu-se confrontado na Moita, à hora do sorteio, com a nega do matador espanhol Miguel Ángel Perera em tourear a corrida para que estava contratado. E resolveu a questão na hora, mandando vir de Espanha (onde vive) o nosso "Juanito", que o substituiu. Desta vez não podia ter feito o mesmo? Substituia o matador espanhol que recusou tourear por outro? Ou não houve vontade de o fazer? Isso é outra conversa... Mas então, que se explique, que dê a cara e que venha pôr tudo preto no branco.
E no fim, depois da trapalhada toda, não houve maneira nenhuma de contornar o problema e realizar a corrida? Foi preferível cancelá-la e dar origem a toda esta tempestade? Desde ontem que não se fala de outra coisa. E a bronca não fui eu que a criei, tomem nota. Tome nota, Ricardo Levesinho.
Apesar de tudo, apesar do estranho e comprometedor silêncio do empresário (só falou "Juanito" e ninguém veio contestar a sua versão dos factos), era importante que voltássemos a virar para baixo e a colocar direita no seu lugar a praça "Palha Blanco" - que, com isto, ficou de pernas para o ar.
Era importante que amanhã a praça enchesse, que Rui Salvador (fotos de cima) tivesse a grande despedida que se impõe, ele não merece estar no meio desta tempestade na hora da despedida - que precisa de ter todo o encanto; que Diogo Oliveira protagonizasse a alternativa sonhada; e que os êxitos fossem também repartidos pelo Maestro Moura, por António Telles, por Rui Fernandes e Miguel Moura e pelos valentes Forcados de Vila Franca.
Os cavaleiros portugueses não fogem dos toiros, nem das praças, vão lá estar todos. É um concurso de ganadarias, certamente que os ganadeiros se vão esmerar para apresentar os seus melhores produtos. E não vem nenhum toiro suspeito de nenhuma ganadaria espanhola...
Era importante que a praça enchesse, que a última corrida de Rui Salvador tivesse a classe, o nível e o sucesso que teve a sua carreira gloriosa de 40 anos de alternativa.
E era importante que Ricardo Levesinho continuasse. Não se fosse embora de forma tão caricata e tão infantil, depois de mais de vinte anos a organizar grandes corridas - e a marcar sempre a diferença.
Façam um esforço! Vão amanhã à "Palha Blanco"! A praça não pode ser riscada do mapa. Nem o empresário.
Fotos M. Alvarenga