Meu caro Palhinha,
Foi sempre assim que te tratei, por
"Margaça" tratam-te os amigos e a Família e eu não tinha intimidade
para tal, nem sabia o que era isso, até me contares, num dia dos teus anos, em
Puebla del Rio, que a alcunha vinha de uma ama antiga por seres, dos miúdos, o
mais mal comportadinho...
Vi-te tourear pela primeira vez há uns
anos, não muitos, no Sobral de Monte Agraço e a seguir disse-te que havias de
ser Figura. Passei a tratar-te carinhosamente por "Figura" desde esse
dia. Fosse com o teu estilo inicial, fosse com aquele a que te moldaste a
seguir, mercê dos preciosos ensinamentos dos Ventura em Sevilha, estava escrito
que Figura haverias de ser, que não irias ser só "mais um", como
tantos. Estava escrito que havias de marcar, que havias de escrever coisas
diferentes.
Ouvi-te desiludido em Sevilha, este ano,
dizer que "não se pode andar sem se cortar as orelhas". Voltei a
ver-te desiludido ontem em Madrid, sentado no estribo, cabeça baixa. A imagem
que ficou foi a de um toureiro com "verguenza", com o sentido da
responsabilidade de que podia ter ido mais longe e não foi.
Telefonei-te a seguir. Confirmaste toda
essa desilusão. É normal, Palhinha. Foi brilhante a tua passagem ontem pela
arena de Las Ventas. Mas teria sido bem mais brilhante se trouxesses as orelhas,
que bem merecias, se atravessasses em ombros a porta da glória, a grande.
Perdeste uma batalha, pois perdeste. Mas não perdeste guerra nenhuma. A tua
guerra só agora começou.
Estiveste toureiro, estiveste acima da
média, protagonizaste uma fantástica estreia na primeira arena do mundo,
calculo o que isso pesou para ti, calculo o que sentiste quando ali entraste,
imagino o que te ia depois na alma quando viste que tudo ficara perdido com o
rojão de morte. Tudo? Nem tudo, Palhinha. Nem nada. Não perdeste nada.
Mostraste o teu valor. Confirmaste aquilo que eu te disse há uns anos atrás no
Sobral: vais ser Figura! Marcaste a diferença num momento em que o marasmo
tomou conta do toureio a cavalo em Portugal, num momento em que, repito, o
ceptro e a pátria se mudaram para Navarra. Disseste que ainda há cavaleiros em
Portugal. E que ainda há cavaleiros bons.
Ao fim e ao cabo, deste, do alto da tua
juventude, na força daquele teu sorriso-simpatia, uma lição tremenda de bom
toureio ontem em Madrid. Com uma dignidade, um arrojo e uma verdade que arrepiam.
Senti que precisava de te vir dizer tudo
isto aqui hoje. De te dizer, também, que como daquela vez no Sobral, continuo a
acreditar em ti com toda a força. A acreditar que vais ser Figura e Figura dos
de cima.
Um abraço, meu querido Palhinha!
Miguel Alvarenga
Foto Paloma Aguilar/www.las-ventas.com