Aqui vos deixo, com a devida vénia, a crónica de Bernardo Salgueiro Patinhas no site "Tauronews" sobre a memorável e marcante corrida de ontem à tarde na Arena D'Évora.
Bernardo Patinhas
Sonho de uma tarde de verão
Praça cheia, dentro da lotação limitada.
Os ingredientes para a receita desta ensolarada tarde de Verão eram três:
Uma corrida de Murteira Grave, irrepreensível de apresentação, com idade, volume e quase sempre fundo de bravura;
O regresso, passados vinte e dois anos, do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa à, agora bem diferente, arena eborense, compartindo praça com o Grupo de Évora;
A competição entre o Decano dos Toureiros, Maestro João Moura e dois cavaleiros jovens e sedentos de triunfos, Marcos Bastinhas e Luís Rouxinol Jr.
Nem sal faltou, estava qb, o que muitas das vezes não acontece, e saímos com a sensação de algo insonso.
Da Galeana veio uma corrida muito séria por diante, policromática de capa e comportamentos distintos, cinqueña, à exceção do último, apertada de carnes, que se revelou fundamental para o sucesso da tarde. Quase todos aplaudidos de saída e o segundo aplaudido na recolha.
Um primeiro de hechuras de meter respeito, um segundo com muita transmissão e mobilidade, um terceiro mais reservado, mas sem perder a nobreza, um quarto enraçado e com transmissão de perigo, o quinto com classe e o sexto mais encastado e menos permissivo.
Abriu a corrida João Moura com um ferro à porta gaiola, seguido de um segundo, sem ajudas, que pôs imediatamente a praça em alvoroço e a música a tocar, faena de conhecimento, faena de alguém que se tornou intemporal, que leva toda a tauromaquia na cabeça e que cresce sempre nestes desafios, faena de ferros à Moura, com adornos na ostensiva cara do Grave e que fizeram as delicias de quem assistiu.
Pelos Amadores de Lisboa, vinte e dois anos depois, perfilou-se para pegar Pedro Maria Gomes. Um Cabo disponível, discreto e exemplar, foi duas vezes ao touro, recuou na perfeição trazendo-o para dentro do grupo, na primeira não se consegue fechar rapidamente e é desfeiteado num derrote seco e brusco que o atira, juntamente com o primeiro ajuda, para fora.
Na segunda tentativa consegue fechar-se e o grupo, com destaque para o primeiro ajuda João Dias Abreu, entram no momento e sitio exato para consumar à segunda. Ambos agradeceram nos médios.
O segundo saiu com muita mobilidade, transmissão fijeza e classe, permitiu a Marcos Bastinhas uma lide ao seu estilo, com ferros de praça a praça, compridos, adornando-se nos remates com o touro na garupa e sempre ligado, terminando com o tradicional e chamativo par.
Pelos Amadores de Évora foi designado o Forcado António Torres Alves que consumou à segunda tentativa, sempre bonito e elegante no cite, na primeira tentativa e no momento da reunião parece ter-se desequilibrado recuando o que prejudicou a reunião e fazendo-o ir a segunda e derradeira tentativa. Este segundo touro, Catalão, voltará para padrear na ganadaria. Agradecimento para ambos, juntamente com o Ganadero chamado à arena.
O terceiro touro, mais pesado, mais reservado, montado, exigia mais proximidades que os irmãos, nunca permitiu tantas veleidades e Rouxinol JR esteve profissional com ele, tirando partido das suas investidas, em terrenos apertados e com solvência e transmissão.
Para a pega e pelos Amadores de Lisboa foi destacado o Forcado Duarte Mira, que depois de um cite sóbrio e elegante, recua e, pese embora pareça que também se desequilibra no momento da reunião, consegue fechar-se à primeira, de pernas fechadas num dos cornos, e com a rápida e eficiente ajuda dos restantes elementos, conseguiram rematar a pega à primeira, muito vistosamente concluída pelo rabejador, muito aplaudido na sua intervenção.
No quarto João Moura sacou de toda a sua casta, experiência, sabedoria, conhecimentos, risco calculado e brindou-nos, outra vez, com uma faena de ficar na memória, com o ferro da noite, num terreno de compromisso, com o touro, sério, transmitindo a “gravidade” dos Graves cinqueños, por baixo da inteligência, atacado por Moura que vinha da Porta dos Cavalos, para lhe deixar um ferro num palmo de terreno e sem se sacar nada. Instalou-se a loucura na praça e, para quem poderia estar esquecido, ficou patente o porquê de ser o n.º 1.
Touro pegado ao segundo intento por Gonçalo Caldeira Pires, dos Amadores de Évora, elegante no cite, tranquilo, não tendo conseguido aguentar ou recuar face à investida impetuosa do touro, na primeira tentativa, derrotando-o por cima. Concretiza na segunda, onde o touro sai da mesma maneira, mas o forcado já estava avisado. Pega novamente bem rematada pelo rabejador, igualmente muito ovacionado.
Ambos chamados a agradecer, com segunda e merecida chamada a Moura para uma segunda ovação.
O quinto saiu “enseñando las palas del piton”, muito ofensivo por diante, à semelhança do primeiro, mais formal no seu comportamento, com classe e dificultando o labor a Marcos Bastinhas que teve que aplicar-se para dar lide ao seu oponente, alguns ferros da sua “marca”, batidas ao piton contrário, outros menos conseguidos, terminando com o par de bandarilhas, lide esforçada diante de um touro que não permitia desvarios ou invenções.
O mesmo se passou com o forcado, Daniel Batalha, pelos Amadores de Lisboa, que se perfilou com o grupo para fazer uma pega técnicamente perfeita ao primeiro intento, transmitindo inclusive alguma sensação de facilidade, o que normalmente ocorre quando se faz bem do principio ao fim, e do forcado de cara ao rabejador.
Agradecimento para ambos.
A lide ao sexto e último começa com uma aparatosa porta gaiola de Rouxinol JR, mal terminada com a colhida de cavalo e cavaleiro e momentos angustiantes onde andavam todos no ar.
Terminou apenas em aparato e Graças a Deus sem gravidade. Este incidente parou o touro, fazendo com que Rouxinol tivesse que tirar dele o sumo que tinha, com classe, mas sem força ou vontade para perseguir.
O sexto e último touro foi pegado ao terceiro intento, pelos Amadores de Évora, por Miguel Direito, que reunia bem com o touro, depois de um cite discreto, mas viajava sempre por baixo, fazendo com que saísse já dentro do grupo, assim aconteceu nas primeiras e segunda tentativas, pegando à terceira quando o grupo ajuda, levantando o forcado em vez de o carregar.
Valeu a pena, nesta tarde de Verão, ter ido à praça de Évora, caso contrário não tinha visto uma corrida com forma e conteúdo, “alquimicamente” tratada e trazida pelo Dr. Joaquim Grave, não tinha assistido a um Maestro Moura sacando da casta e pondo os pontos nos I’s, valeu a pena voltar a ver dois grupos adequados à categoria que a função pedia, com destaque para o feliz regresso, passados vinte e dois anos da última vez, do Grupo de Lisboa, na agora diferente Arena de Évora.
Fotos Tauronews e www.porlasrutasdeltoro.com/Murteira Grave/Facebook
"Catalão", o toiro de Murteira Grave indultado em Évora |