E de repente, aconteceu tudo. Uma inculta ministra da Cultura a querer impor os seus gostos aos portugueses, um PS a querer agradar a gregos e a troianos, uma carta muito lúcida de Manuel Alegre a dar o mote à defesa das touradas, outra de Calejo Pires a pôr os pontos nos iis e a dizer o que em duas semanas a Federação PróToiro se tinha esquecido de argumentar e agora, de repente, a reportagem da TVI a lançar suspeitas graves das ligações perigosas do PAN a um grupo alegadamente terrorista. Nada disto aconteceu por acaso
Miguel Alvarenga - Venha a ser bom ou mau, logo se há-de ver, pelo menos tem-se falado da Tauromaquia, dos toureiros, dos toiros e dos forcados, como há muito se não falava em termos tão mediáticos. Telejornais, programas de destaque como a "Quadratura do Círculo" e todos os jornais estão há duas semanas a falar das touradas. No Parlamento, aliás, não se fala de outra coisa. A discussão do Orçamento Geral do Estado transformou-se mais ou menos na discussão do sim ou não à Tauromaquia. Entretanto, Bruno de Carvalho esteve quatro dias preso, foi solto, mas as atenções estavam mais viradas para o IVA das touradas ser de 6 ou de 13 por cento.
Confundiu-se até o debate do Orçamento com o debate da Tauromaquia. O presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista anunciou ontem que ia propor a descida do IVA nas touradas para 6 por cento e que os deputados tinham "liberdade de voto", como se isto fosse um caso de consciência e não um caso, bem mais sério, de matéria fiscal, que tem a ver com o Orçamento Geral do Estado - e onde os deputados do partido do governo terão, como manda a história e a ética, afinar pelo diapasão que o primeiro-ministro ordenar. Anda tudo meio baralhado.
Manuel Alegre, na desassombrada carta a António Costa, deu o pontapé de saída para a verdadeira e fundamentada defesa da Tauromaquia. Miguel Sousa Tavares deu também um importante empurrão. Até então, a Federação PróToiro limitara-se a uns comunicadozitos traduzindo a sua indignação pelas afirmações da infeliz ministra da Cultura. Dizem-me - e eu acredito - que a PróToiro tem feito imensa coisa. Mas o mal é que a PróToiro nunca diz o que faz. E depois admira-se que nós, aficionados, pensemos que não faz nada. Actua em silêncio, actua nos corredores, diz que anda pelo Parlamento a lutar pela Festa Brava, mas dá a impressão que faz tudo às escondidas e esse é o problema maior da PróToiro. Impunha-se maior clareza, mais transparência e, sobretudo, mais informação. Qualquer dia, andam também encapuzados para ninguém os ver...
A reportagem da TVI de ontem não terá rebentado por acaso. Vir acusar o PAN de alegadas ligações a um grupo que se diz ser "terrorista" precisamente num momento em que todos sabemos que o deputado do PAN é uma das maiores ameaças, nos tempos mais próximos, à Tauromaquia, não me digam que foi uma simples coincidência. Se foi a PróToiro que se mexeu - nos corredores - e que provocou esta "bomba", então tiro-lhe o meu chapéu e já cá não está quem falou.
Pelo meio, Manuel Calejo Pires (ex-forcado, ganadeiro e advogado) pôs os pontos nos iis e numa brevíssima Carta Aberta ao Prof. Marcelo disse, com todos os fundamentos, que a medida fiscal contra as touradas é inconstitucional. A PróToiro, em duas semanas de comunicados contra a ministra, limitara-se a expressar a sua indignação, que não podemos ter uma ministra assim, que temos que a demitir, que mais isto e mais aquilo - como se alguém acreditasse que isso aconteceria alguma vez.
Promoveu uma Petição Pública que até há poucos dias ia em nove mil e poucas assinaturas, quando veio revoltar-se por a ministra ter insultado mais de três milhões de portugueses que são aficionados. Então há três milhões de aficionados às touradas, ou mais, e só nove mil assinam a petição para madar embora a ministra? Desde o dia em que aqui esvcrevi isso, não sei se repararam, mas nunca mais apareceu nenhum comunicado da PróToiro a dar conta do número de assinaturas da petição...
Depois veio o primeiro-ministro reiterar o seu apoio à ministra e dizer que se chocava por a RTP transmitir touradas (três por ano...), esquecendo-se que em 2010 teceu os mais rasgados elogios à arte tauromáquica, condecorou um forcado na arena do Campo Pequeno e assistiu a uma tourada (transmitida pela RTP, por sinal), levantando-se várias vezes a aplaudir... sem se manifestar (fotos e videos multiplicaram-se pela internet a confirmá-lo) minimamente chocado... Terá perdido uma fantástica ocasião para estar calado, as emendas foram sempre bem piores que os sonetos...
Ontem, o presidente do seu partido, Carlos César, que é também líder parlamentar do PS, anunciou que vai propor a descida do IVA nas touradas para 6 por cento. E o primeiro-ministro voltou a sair a terreiro para dizer (pasme-se!) que ficou muito "surpreendido" com esta posição do líder parlamentar e presidente do seu partido...
Como se alguém acreditasse que Carlos César ia dizer o que disse sem primeiro acertar agulhas com o chefe do governo, que por acaso é do mesmo partido. Não façam de nós parvos, o PS não é um partido de gente doida em que um primeiro-ministro defende uma coisa e um líder parlamentar outra.
Pelo contrário, o PS actuou com a maior inteligência. De um lado, António Costa agradou aos partidos da "Geringonça" fingindo ser o mais anti-taurino possível, dizendo mesmo que se fosse deputado votaria contra o IVA a 6 por cento nos toiros; por outro lado, Carlos César agradou aos aficionados, avançando com a proposta de descer o IVA, assim como quem diz "o governo do meu partido não tem razão". Há que assegurar os votos dos anti-taurinos e também os dos taurinos. O PS não é parvo, nem brinca em serviço. Está, obviamente - e inteligentemente, repito - a jogar em dois carrinhos e pensa é que nós somos parvos...
Feitas as contas, a Tauromaquia não vai perder nada com isto. Pelo contrário. É muito natural que, se for a votos, o IVA a 6 por cento saia vencedor. Mas mesmo que isso não aconteça, pelo menos há nisto tudo um lado altamente positivo: há muitos anos que a Tauromaquia não andava assim nas bocas do mundo, a abrir telejornais. a ser capa dos principais jornais, a discutir-se no hemiciclo de São Bento como se fosse a coisa mais importante deste mundo.
E com IVA a 6 ou a 13 por cento, a Tauromaquia não acaba. Pode ter mais algumas dificuldades. Tê-las-à certamente. Mas descansem que não acaba por isso. Há mais de cem anos que se diz que as touradas vão acabar. E as praças de toiros estão cada vez mais cheias - como estiveram este ano.
O PS também não vai sair perdedor desta trapalhada. Terá os votos dos anti-taurinos pelas tomadas de posição do primeiro-ministro e da infeliz ministra da Cultura. E terá os votos dos taurinos pela posição assumida pelo seu presidente e líder parlamentar.
No meio desta confusão, quem é capaz de se lixar é mesmo o pobre do André Silva. Desde os tempos de Otelo e das "FP-25 de Abril" que não tínhamos um caso tão gravoso para um político e para um partido. Nunca é muito agradável ser-se suspeito de ter ligações - perigosas, ainda por cima - a um grupo que é investigado pela PJ por alegadas actuações "terroristas" e "assaltos à mão armada".
A reportagem de ontem de Ana Leal e André Carvalho Ramos na TVI - tiro-lhes o meu chapéu, grandes jornalistas de investigação, sim senhor! - pode fazer rolar a cabeça do deputado do PAN. Mas no meio disto tudo, alguém tinha que ser sacrificado. E, assim como assim, o PAN também não faz lá grande falta à "Geringonça" de António Costa...
Foto D.R.