Miguel Alvarenga - Não vai ser fácil escrever e dizer tudo aquilo que agora me vai na alma e me apetecia aqui deixar em jeito de homenagem ao meu Querido Amigo Manuel Andrade Guerra - unia-nos uma profunda e verdadeira Amizade há pelo menos uns quarenta anos e ele era, como o foi o Emílio, uma espécie de meu irmão mais velho.
Já nem me lembro como foi que nos conhecemos, mas acho que foi no tempo dos jornais, ele no matutino "O Dia", eu no semanário "O Diabo", ali pelo fim dos anos 70. Fizemos algumas viagens juntos a terras de Espanha, com o Dr. Fernando Teixeira e o Fernando Camacho (e outros) para ver corridas.
Lembro-me de termos ido, e essa deve ter sido a primeira de outras "excursões", à Real Maestranza de Sevilha em Outubro de 1980 assistir a um festival taurino em que actuava o toureiro que o Manuel mais admirou, o lendário Curro Romero e também o mexicano Alfonso Ramírez "El Calesero", que já tinha alguma idade e carregava às costas a grande mágoa de ao longo da sua carreira nunca haver pisado a mítica arena de Sevilha. Fê-lo nessa tarde e depois tirámos todos uma fotografia a seu lado não jantar oferecido pela Cadena Ser a seguir ao festival.
Ao longo da vida, houve um período em que, por norma, almoçávamos todas as semanas os dois. Ou na Cervejaria "Solmar" ou no Restaurante "As Velhas", que eram dois dos seus templos gastronómicos preferidos na capital. Ríamos imenso. O Manuel era aquela pessoa meio reservada que todos lembramos, mas tinha um sentido de humor tão apurado e tão engraçado. Falávamos muito e falávamos de tudo. Da sua Maçonaria, dos seus projectos jornalísticos - e dos meus. Apoiou-me sempre em tudo o que fiz. E esteve sempre a meu lado. Nos eventos que organizei, nas entregas de troféus do "Farpas", no dia em que me casei, no célebre jantar que os meus filhos organizaram na minha primeira noite "em liberdade", no dia em que cumpri o último fim-de-semana da pena de prisão no Linhó, no jantar-surpresa com que também os meus filhos também me surpreenderam no dia em que fiz 60 anos. O Manuel estava sempre lá. A meu lado.
Como Jornalista, foi exemplar, creditado e respeitado no meio profissional. Vinha de uma grande escola, a do "Diário de Notícias" do tempo de Augusto de Castro e de João Coito. Os jornalistas são meios doidos, dizem palavrões, fumam muitos cigarros... O Manuel era o contrário disso tudo. Era até às vezes demasiado formal na sua forma de ser e de estar. E isso marcava a diferença.
Há trinta anos - que se cumprem exactamente em 2021 - deitou a mão à nossa Tertúlia Tauromáquica D. Miguel I, que eu tinha formado em 1979 com o Vitor Escudero, o José da Cunha Mota e o João Pedro Cecílio, D. Duarte concedeu-lhe o título de Real e o Manuel nunca mais parou, transformando-a numa das instituições mais respeitáveis do mundo tauromáquico e cultural, presidindo aos seus destinos durante mais de vinte anos, até passar a pasta ao Francisco Godinho Cabral, mas sem nunca cortar o cordão umbilical que o ligava à Real Tertúlia, de que era agora Presidente Emérito.
O Manuel era um imenso patriota, defensor de todas as tradições, de todos os grandes valores pátrios. E um monárquico convicto. Neste dia 1º de Dezembro, lá vinha ele, sempre, no Facebook, celebrar com bonitas palavras a data da Independência Nacional. Defendeu como poucos a causa dos Combatentes do Ultramar. Produziu e realizou de 2000 a 2006 muitos programas sobre o tema no Canal História e fundou o Clube dos Combatentes, cujos almoços ou jantares se passaram a celebrar em paralelo com os da Real Tertúlia.
No mundo tauromáquico foi uma referência marcante. Ainda está vivo, graças a Deus, o João Queiroz. E continuam também entre nós, felizmente, embora já afastados da crítica taurina, nomes como os de Maurício Vale, Paulo Pereira, Vitor Escudero e Luis de Castro, daqueles muitos que compunham aquele grupo na célebre foto (que recordo aqui em baixo) tirada em 1980 no Restaurante "Tavares" quando Vera Lagoa fez a apresentação da página "O Diabo ao Quite", que eu escrevia semanalmente com o Dr. Fernando Teixeira no seu semanário. Desse histórico grupo, do tempo em que havia cronistas taurinos a sério, o Manuel era uma das últimas grandes referências.
Afastado da vida jornalística e também da crítica taurina - actividade que iniciara nos tempos do "Diário de Notícias" -, nos últimos anos limitava-se a escrever para o site espanhol "Aplausos" as crónicas das corridas a que assistia em Portugal. A última que escreveu foi a do festival de homenagem a Ricardo Chibanga no passado mês de Outubro na Chamusca, em que aclamou com o seu saber e a arte da sua escrita a "explosão de arte" de Morante de la Puebla.
Além de tudo o que se possa dizer da sua brilhante carreira profissional, há que destacar o fantástico ser humano que o Manuel foi. Bondoso, sério, amigo sincero do seu amigo, marido, pai e avô extremoso, sempre orgulhoso das vidas dos seus dois filhos, a Fernanda Teresa e o Baltazar, amigo e cúmplice de sua Querida "Tucha", a que chamava o seu Anjo da Guarda, dos seus adorados netos e muito em particular do Fernando, que era o mais velho e era também neto do seu amigo de sempre, o Dr. Fernando Teixeira.
No passado dia 26 de Outubro, com as (às vezes, exageradas, mas engraçadas) antecedências com que programava tudo, falou-me a convidar-me a mim e à Fátima, como sempre fazia, para jantarmos no dia 20 de Novembro celebrando no Restaurante "As Velhas" o seu 75º aniversário natalício. Agradeci imenso, fiquei cheio de pena, mas justifiquei a minha ausência com o facto de nesse mesmo dia, como aconteceu, estar em Madrid. O Manuel respondeu dizendo que ficava "desolado", mas compreendia. E marcámos um jantar para depois, para juntos comemorarmos os seus 75 anos.
Nos últimos anos, não se cansou de aclamar e manter vivas figuras que ele muito admirava no mundo da tauromaquia, casos dos cavaleiros D. Francisco de Mascarenhas, Fernando de Andrade Salgueiro, Luis Miguel da Veiga e outros mais. O Manuel admirava e idolatrava todos os que eram grandes. Nos seus tempos de crítico taurino activo, correu Espanha a ver João Moura, Vitor Mendes, Paulo Caetano. Não perdia uma Feira de Santo Isidro em Las Ventas, a de Badajoz em Junho, a de Málaga em Agosto. Curro Romero era o seu deus-maior, mas nutria também uma admiração enorme por Enrique Ponce, por "El Juli", por Manzanares e Morante. Tinha as suas preferências, como todos as têm, mas foi sempre um crítico taurino justo e imparcial, procurando acima de tudo enaltecer os valores e a grandeza da Tauromaquia.
Queria escrever muito mais e dizer outras coisas que agora me vão na alma, mas não consigo. Perdi um Grande Amigo. De uma forma tão estúpida. Com covid-19, quando já estava vacinado e depois de, nestes tempos tão complicados, ter sido uma das pessoas mais cautelosas que conheci.
Resta-me daqui beijar e abraçar a "Tucha", a Fernanda Teresa, o Baltazar (que viaja neste momento do Brasil para Portugal), todos os netos e neta, o Fernando, os cunhados, os amigos - que são tantos e tão bons.
E dizer ao Manuel que gostava muito dele, que me marcou muito, que aprendi tanto com ele e que vou ter tantas saudades dele.
Até um dia - é o que se costuma dizer. Até sempre, meu Querido Amigo!
Fotos Emílio de Jesus/Arquivo e D.R.